> >
Em última entrevista, Gerson Camata deixou conselhos para Casagrande

Em última entrevista, Gerson Camata deixou conselhos para Casagrande

O ex-governador Gerson Camata conversou com a reportagem uma semana antes de ser assassinado

Publicado em 29 de dezembro de 2018 às 01:17

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura
Gerson Camata deu entrevista ao jornal A Gazeta uma semana antes de ser assassinado. (Vitor Jubini | Arquivo | GZ)

Na quarta-feira da semana passada, dia 19, pouco antes do Natal, comecei a produzir uma pauta prevista para ser publicada no dia 29 de dezembro. A ideia era entrevistar ex-governadores do Espírito Santo para que falassem quais conselhos dariam ao governador eleito Renato Casagrande (PSB), cuja posse se aproxima.

Desde o princípio, pensamos em entrevistar Gerson Camata. Afinal ele, sempre tão gentil e solícito e com participação ainda ativa nos bastidores da política, certamente teria uma boa análise a fazer sobre o cenário do Estado.

Liguei para ele à tarde e fui prontamente atendida. Não imaginava que esta poderia ser a última entrevista, exclusiva, concedida por ele à imprensa, já que seria morto uma semana depois, quase neste mesmo horário.

O ex-governador me confidenciou que a ligação poderia falhar, pois estava em Venda Nova do Imigrante, no interior, e que tinha chegado de São Paulo há poucos dias, para as festas de fim de ano. "Estou trabalhando lá, em uma empresa. Mas não coloca isso na matéria não, senão vão dizer que traí o Espírito Santo", brincou.

Na conversa, ele apontou o que seria, em sua avaliação, o principal a se fazer para melhorar as áreas sociais. "A melhor coisa que você pode ajudar um ser humano é criar emprego. É a melhor política social que existe no mundo. É fundamental. Bolsa-Família é exceção, só se você não conseguir dar emprego."

Colega de Casagrande no Senado de 2007 a 2010, Camata deu essa e outras recomendações ao socialista e disse torcer por seu governo. "Fui à missa no segundo domingo do advento, rezar para que faça um bom governo, que Deus ajude ele. Domingo que vem é o 4º domingo do advento. Você é católica também?", questionou-me.

OS PRINCIPAIS PONTOS DA ENTREVISTA

Quais são as primeiras atitudes que o governador deverá tomar?

No dia da posse, é mostrar para a população o Estado que ele recebeu, tanto em caixa, dívida, compromissos, ser sincero. Depois mostrar todas as obras que estão paradas, de quanto precisa para terminá-las. Neste momento, uma preocupação, que estou aflito é sobre os royalties do petróleo. Porque o Supremo pode votar em agosto. Tenho um medo danado. Tem que se preocupar com isso, correr para Brasília, pegar a bancada, fazer uma boa relação com o Supremo (o ex-governador se refere a uma ação que trata das regras para a divisão dos royalties do petróleo, que pode ser analisada pelo STF no segundo semestre de 2019 e que aumenta o repasse de dinheiro para Estados e municípios não produtores, prejudicando locais onde há extração, como o Espírito Santo). Outra coisa, tem que se preocupar com o instituto de aposentados. A partir da metade do ano que vem, a folha dos aposentados vai ser maior do que a folha dos da ativa. E não tem como demitir os aposentados. Tem que pensar muito nesse problema.

O senhor vai procurar Casagrande para aconselhá-lo?

Há uma frase que diz: "aos grandes, só se vai quando se é chamado". Você conhece? É de quando São Francisco de Assis estava lá naquela pobreza dele, fazendo os milagres, e falavam: por que você não vai lá falar com o Papa? E ele falou: aos grandes só se vai quando é chamado. Então, como não fui chamado, não vou aos grandes, entendeu? Na campanha eleitoral, eu estava com o Ricardo (Ferraço), e encontrei ele (Casagrande) em Colatina, Cariacica, depois não o vi mais. Mas o que eu estou preocupado é com a aposentadoria, os royalties do petróleo, e manter a organização que o Paulo (Hartung) deixou.

Qual é o maior desafio do Espírito Santo hoje, para desenvolver o Estado, com a limitação de recursos?

Como ele (Casagrande) não é muito ligado a Bolsonaro, tem que pegar um cara desses do Bolsonaro, o Magno, o Manato, e pedir ajuda. O Espírito Santo depende muito do governo federal. É um Estado exportador, é atlântico, mas somos imprensados entre Minas, Bahia e Rio, que são Estados fortes.

O senhor fez isso?

Eu encostei no Tancredo (Neves), que era um dos homens fortes do presidente Figueiredo e me levava a ele. Quando terminou a construção da CST, eles colocaram 4 mil para fora. Tudo gente vindo da Bahia. Aí nasceu aquele bairro, Nova Rosa da Penha. Quando assumi, eles dormiam em caixas de geladeira. Aí fui no Figueiredo: “presidente, o senhor me jogou uma bomba nas costas. São 4 mil passando fome, a gente precisa de uma obra para fazer o povo trabalhar”. E ele me deu a Terceira Ponte. No primeiro dia, inscrevemos 2.114 funcionários. Aí começou a construção em Vila Velha. Criou 30 mil empregos. Eu rezava agradecendo ao Figueiredo.

Como o senhor avalia a situação social do Estado?

Aqui no Espírito Santo tem 20 mil famílias abaixo da linha da pobreza. E o governo gastou R$ 300 milhões para dar abono para o funcionário público, que já são os príncipes da República. Podia gastar com essas 20 mil famílias, para terem um Natal melhor. Dá vontade de chorar.

O senhor encontrou o Estado endividado, não foi?

Sim. Naquela época, a inflação era de 80% ao mês, e recebi o Estado com o funcionalismo atrasado seis meses. Figueiredo meu deu dinheiro, de uma vez só, para colocar em dia. Naquele tempo não tinha Orçamento. O presidente falava: “dá R$ 80 milhões para o Camata”. Foi uma festa no dia. Hoje, o Estado está bem.

RETORNO

Horas depois, à noite, Gerson Camata retornou a ligação. Disse ter se lembrado de um ponto muito importante, que gostaria de registrar. "No meu governo, em toda crise eu ligava para os ex-governadores. 'Dr. Arthur (Gerhardt), o que fazia quando tinha greve de professor? O que acha que eu devo fazer?' 'Dr. Lindenberg (Carlos), quando o governo federal cortou as verbas do Estado, o que o senhor fez?' Sempre me aconselhei com eles."

Este vídeo pode te interessar

"Nas últimas gestões, o senhor foi muito procurado?", perguntei. "O Paulo (Hartung) de vez em quando me liga. Pergunta o que eu faria. Estou à disposição. Que Deus os abençoe", finalizou.

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais