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Hartung: 'Se for chamado, não faltarei ao meu Estado'

Hartung: "Se for chamado, não faltarei ao meu Estado"

Prestes a deixar o cargo, o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, diz que está à disposição para contribuir com a gestão Casagrande

Publicado em 16 de dezembro de 2018 às 01:02

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Governador Paulo Hartung. (Marcelo Prest)

Os livros do acervo pessoal foram retirados da Residência Oficial, na Praia da Costa, a equipe realizou a última reunião de trabalho, no Palácio Anchieta, e o balanço do terceiro mandato de governador foi publicado num livro na última semana. Sinais que marcam a despedida de Paulo Hartung (sem partido) do governo do Estado – sem um retorno possível, como o ex-emedebista faz questão de ressaltar desde a pré-campanha deste ano.

O Espírito Santo, a partir de janeiro de 2019, estará sob o comando do governador eleito Renato Casagrande (PSB). Antigos aliados, os dois romperam em 2014, quando Hartung se lançou candidato contra a reeleição do socialista. Passados quatro anos, e com uma nova passada de faixa pela frente, o atual governador diz que está à disposição do eleito e que o receberá caso seja procurado por ele.

“Eu só não sou entrão. Eu não empurro porta. Mas se eu for chamado para alguma coisa, mesmo que seja no particular, para dar a minha opinião, para colocar a minha reflexão, faço com o maior carinho”, afirmou em entrevista para A GAZETA, concedida na Residência Oficial na última quarta-feira.

O ajuste fiscal é uma marca importante desta gestão do senhor. Avalia que foi o ponto alto do governo?

Não acho. A maior obra que realizamos nesses quatro anos é a melhoria da educação básica. Agora, essa obra do ajuste fiscal quebra o raciocínio comum do país, dos meus colegas economistas, inclusive. Eles dizem, escrevem artigos, que quando vai fazer ajuste fiscal, corta nas políticas sociais. Acho que o Espírito Santo está mostrando o contrário. Cuidou das contas e aí pôde cuidar das políticas sociais, das pessoas. O resultado que estamos colhendo neste final de mandato em educação, melhor nota em português e matemática do país; em saúde, menor mortalidade infantil do país e segunda expectativa de vida do país – aliás, segunda para quem nasce e a primeira para quem chega a 65 anos –; na segurança pública, estamos fechando este ano com o melhor indicador na área de homicídio dos últimos 29 anos no Espírito Santo. Manter as contas organizadas é meio para você obter na finalística resultados como esses.

Algumas promessas de campanha, no entanto, não saíram do papel, principalmente obras de infraestrutura como o Portal do Príncipe, em Vitória...

Teve a desapropriação. O projeto está quase concluso. Ele teve que ser refeito, porque o projeto inicialmente criava muita discordância ali na região, os operadores portuários eram contra aquele modelo. Eu até perguntei ao dr. Gustavo (Perim), do DER (diretor-geral do órgão). O DER deve entregar o edital pronto, segundo ele, em janeiro, início de fevereiro. Só que agora é um projeto que dá convergência na região. Evidentemente que o próximo governo que tem que decidir se é isso mesmo. Por outro lado, tem dinheiro para fazer o Portal do Príncipe. Essas obras de intervenção na mobilidade humana na Grande Vitória estão com os recursos garantidos. Temos um pacote de mais ou menos R$ 500 milhões de operação de crédito com o BNDES, que está aprovadinho, mais uma contrapartida do Estado, chega perto de R$ 700 milhões de boas intervenções na malha metropolitana melhorando a mobilidade.

Tem algo que o senhor gostaria de ter deixado mais encaminhado ou queria ver concluído ainda no mandato?

Eu queria ver o Cais das Artes pronto? Claro que queria. Aquilo nasceu de uma inspiração do meu governo passado. Não era possível construir porque foi judicializada a obra, e o governo foi impedido de fazer qualquer coisa. Mas mesmo se não tivesse judicializado, seria compreensível para a população a gente ter dificuldade de funcionar uma das nossas unidades hospitalares para poder fazer essa obra? Não seria, porque a gente passou por uma crise muito dura. O que era prioritário? Manter as nossas escolas funcionando, os nossos hospitais funcionando, um nível de conservas das atuais rodovias existentes no Estado ou fazer uma obra como essa? É claro que era manter a contraprestação de serviço.

No governo do senhor um momento de pressão foi a greve da PM, por aumento salarial...

Pressão, incompreensão. As pessoas falam assim: “será que com essas novas tecnologias precisa do líder?” Eu digo o seguinte: “as máquinas são maravilhosas, mas não substituem o ser humano”. Precisa do líder. Qual é o papel do líder? É explicar as coisas, convencer as pessoas, arranjar uma narrativa que convença as pessoas, motive, mobilize. Talvez o pior problema do Brasil hoje não é o déficit fiscal de R$ 150 bilhões por ano, que é um horror. O nosso maior déficit é o de liderança. Por isso, acho bacana o trabalho do RenovaBR, do Livres, do Agora!, essa turma que botou a mão na massa para formar gente para disputar o Parlamento, para disputar o governo e assim por diante. Esse é um trabalho que nós precisamos fazer. Além da minha atividade profissional como economista depois do governo, devo trabalhar em conselho de empresa, vou dedicar uma parte a um trabalho voluntário de formação de lideranças.

Sobre o RenovaBR, como será o escopo do trabalho do senhor?

O RenovaBR virou uma plataforma de formação de líderes. Como você faz isso? É com estudo. O meu processo foi assim. Lendo, debatendo livros e textos, assistindo a aulas, palestras. Esses movimentos cívicos – já que os partidos políticos falharam na sua missão, porque cada partido deveria estar formando lideranças –, vou somar a eles. Elena Landau (economista e presidente do Livres) esteve comigo esta semana e falou: “Paulo, se marcar uma palestra com a turma do Livres, você vai lá conversar?” Vou. Lá em Oxford, eu conheci a Tabata (Amaral, deputada federal eleita pelo PDT de São Paulo), uma menina, talentosérrima. Temos aqui o (Felipe) Rigoni (deputado federal eleito pelo PSB no Espírito Santo), que é outro menino bem preparado. Você vê o (Fabiano) Contarato (Rede), que a gente tinha tanta admiração pelo trabalho dele como delegado, agora é senador. É isso que nós precisamos, mais Rigoni, mais Contarato, mais Tabata, sangue novo na política. Vou ajudar nisso onde estiver ao meu alcance. Nos vários grupos que me procurarem.

Na semana passada, o senhor aceitou o convite do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, para fazer parte do conselho consultivo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Como será a atuação?

É um conselho com pessoas de atividades diferentes, tem intelectuais da academia, artistas, lideranças da sociedade. A ideia desse conselho é ajudar a fazer uma reflexão sobre políticas públicas na área da Justiça, e eu acho que você tem todo um desafio de modernização da Justiça, de levar as novas tecnologias.

Voltando um pouco, o senhor avalia que a greve da PM foi o momento mais difícil do governo?

Foi um governo que em 2015, 2016 e um pedaço 2017 demandou muita atenção minha e da nossa equipe, porque a receita do Estado só começou a melhorar no segundo semestre de 2017. Recebi o Estado com déficit fiscal e com gasto de pessoal no limite de alerta da Lei de Responsabilidade Fiscal. Se eu desse aumento para servidor, eu estaria aumentando a despesa e descumprindo a lei. Foi um momento desafiador. Não foi só a polícia que fez movimentos no meu governo. A gente tem que ter justiça. Outras categorias se movimentaram, fizeram operação padrão, atrasaram serviços. E o que nós fizemos? Diálogo, diálogo, diálogo. Não faltou diálogo, não tínhamos dinheiro. E se desse (aumento), quebrava o Estado e nós viraríamos o Rio de Janeiro. Vou chegar ao final do mandato com todas as contas pagas, vou deixar dinheiro para o governo que vai me suceder. Nós somos capixabas, amamos o nosso Estado, queremos o bem do nosso Estado. O que eu desejo para a futura administração do Espírito Santo? Desejo sucesso, porque eu moro aqui e vou continuar vivendo aqui e quero o meu Estado continue melhorando cada vez mais na educação, na saúde, na segurança pública, na infraestrutura, na geração de emprego e de oportunidades.

O senhor chegou a ter um contato com o governador eleito?

Não. Mas estou sempre à disposição.

Se Casagrande procurar o senhor, vai recebê-lo?

Nossa Senhora, com prazer. Claro.

Tem algo que o senhor avalia que mereça uma atenção especial nos próximos quatro anos pelo governo estadual?

Veja bem, estamos fazendo uma transição super direitinha. A Assembleia vota quando dá acordo direitinho, com concordância de todos. Não há concordância, fica para o próximo governo discutir. É uma transição bonita. Não posso dar opinião naquilo que eu não fui chamado a opinar, eu acho que eu tenho um limite que é o respeito a um governo que é legítimo, foi eleito e vai começar no dia 1º. Mas se eu for chamado para alguma tarefa, alguma missão, se a minha opinião for relevante, eu não faltarei ao meu Estado nunca porque sou gratíssimo aos capixabas. Disputei oito eleições, com essa cara de menino, e tive oito vitórias. Tudo que o Espírito Santo, o governo, o Poder Judiciário, o Poder Legislativo, o Tribunal de Contas, o Ministério Público, a Defensoria Pública, as instituições do meu Estado precisarem de mim, vão me ter sempre presente. Eu só não sou entrão. Eu não empurro porta. Mas se eu for chamado para alguma coisa, mesmo que seja no particular, para dar minha a opinião, para colocar a minha reflexão, faço com o maior carinho.

Como avalia os nomes já apresentados da equipe de Casagrande?

Se tem uma pessoa que não pode avaliar, sou eu. Senão eu não vou ficar à disposição do Estado para ajudar. Tenho que ficar na minha. Estou caminhando para virar ex-governador nos próximos dias e ex-governador grato aos capixabas, a serviço do meu Estado, a serviço do meu país naquilo que eu for útil, naquilo que for chamado. Tem limitações a minha jornada nova, que eu inauguro no dia 1º.

O senhor falou algumas vezes que pendurou as chuteiras em disputa de mandato eletivo. Essa decisão tem volta?

A melhor testemunha que eu tenho agora é quem mais duvidou de mim quando eu me elegi, em 2014, e ela foi lá no meu apartamento me entrevistar pela GAZETA: Andréia Lopes (atual secretária de Comunicação). Ela foi me entrevistar e, de repente, dei um susto nela, quando falei: “Andreia, eu vou cumprir essa missão, disse o que ia fazer, vou trabalhar para reorganizar as contas do Estado, vou trabalhar para melhorar as políticas públicas, o foco principal é a educação, tudo está lá na entrevista, mas eu não serei candidato à reeleição”. Não sei dizer se ela acreditou em mim ou não. Não acreditou (risos). O tempo passou, a vida mostrou que eu tinha um planejamento claro do que eu queria fazer. A minha missão em terras capixabas, estou colocando absolutamente claro em termos de mandatos, ela está vencida, é um ciclo de vida. A minha missão de militância política no país não está vencida. Vou participar desses movimentos cívicos, vou participar de formação de lideranças e vou opinar sobre questões do Brasil para ajudar.

O senhor disse que não é hora de fazer oposição ao governo de Jair Bolsonaro (PSL). Qual é a expectativa para o próximo ano?

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Estou com boa expectativa. O presidente foi eleito com uma votação que lhe deu legitimação no país e, ao procurar montar sua equipe, você sabia que ele ia levar Paulo Guedes, que é bom quadro, e ele agregou a esse movimento o Sérgio Moro. Isso aumentou o capital político de quem vai governar e deu um sinal de que vai respeitar as leis, a Constituição e a democracia. Se você somar o capital que esse governo tem neste início com a paciência que o eleitor tem com os governos no primeiro momento, é significativo. Esse governo tem condições de fazer as reformas que o país precisa. Vejo um defeito. Sinto o governo dividido. Tem uma parte mais técnica ligada ao Paulo (Guedes), que é mais reformista, e tem uma parte mais política que é corporativa. Espero que a parte mais reformista se imponha. O que precisar de mim, não para aderir, eu sou de outro campo, mas para ajudar nas ideias, defender propostas, pode contar.

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