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Los Angeles será exemplo para combater o crime no Espírito Santo

Los Angeles será exemplo para combater o crime no Espírito Santo

Futuro secretário de Estado da Segurança Pública quer melhorar trabalho diário das polícias

Publicado em 23 de dezembro de 2018 às 22:42

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Homem de confiança do ex-secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro José Mariano Beltrame, o delegado federal Antonio Roberto Cesário de Sá assumiu o lugar do colega à frente da pasta em 2016 e só deixou a função no início da intervenção federal. Após cerca de dois anos lidando com a caótica violência fluminense, ele terá a missão de comandar a segurança no Espírito Santo. Roberto Sá conta com os subordinados para superar o desconhecimento das peculiaridades locais.

E uma das principais propostas de Sá tem ligação justamente com a necessidade de ouvir. Com base em experiência que conheceu em Los Angeles, na Califórnia, pretende mudar a maneira como são aproveitadas as informações que os policiais colhem nas ruas sobre a dinâmica dos crimes nos bairros.

Ele quer eliminar certa automatização da rotina dos policiais que estão na ponta do patrulhamento para definir estratégias. Para isso, pretende criar briefings e momentos para que equipes operacionais e de estratégia troquem informações sobre o dia a dia. Para o futuro secretário, essa é uma forma de dar mais efetividade ao policiamento e, ainda, valorizar o policial.

Antes de seguir carreira na polícia federal, Sá chegou a tenente-coronel na PM do Rio. No período, foi instrutor do Bope.

Nesta entrevista, Roberto Sá ainda adianta que vai criar uma estrutura exclusiva para investigar a chegada de armas ao Estado. Ele também não descarta se inspirar nas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) que ajudou a instalar no Rio.

Confira a entrevista:

O senhor fala em aprimorar o planejamento e em aproveitar as informações dos policiais na rua. Que mudanças pretende para o dia a dia do policial?

Tenho a característica de respeitar a realidade local. Primeiro, é respeitar, manter o que está funcionando e, se possível, aperfeiçoar, se houver espaço. Tenho dialogado muito com o futuro comandante da PM (coronel Moacir Mendonça) e com o futuro chefe da Polícia Civil (delegado Darcy Arruda). Tinha coisas que defendia no Rio e vejo que no Espírito Santo já há campo mais fértil. Um carro-chefe vai ser a área de inteligência. Quero trabalhar de forma dinâmica. Não adianta termos informação boa da inteligência e ela não circular. Pretendo associar a metodologia que trago e com a do Estado Presente.

Como isso muda a atividade do policial que está lá na ponta?

Essa informação circulando abastece o policial da patrulha para ele enfrentar a realidade da próxima esquina. Para as abordagens, quanto mais informação ele tiver sobre o local que está abordando, sobre o que acontece naquele horário, sobre movimentação de alguma facção, melhor. Ele vai saber se vai circular só com a patrulha, se vai pedir reforço, se vai estabelecer estratégia para proteção de sua própria vida.

O senhor já citou experiências internacionais para aproveitamento do manancial de informações que o policial tem da rua. Como é isso?

Minhas experiências nacionais, internacionais e no Bope mostraram que, muitas vezes, quem planeja e coordena, embora tenha conhecimento macro, às vezes depende de uma informação pontual, específica do terreno. Falo, com convicção, que quem tem essa informação é o policial que está 12 horas de plantão na rua. No Brasil, por comodidade ou escalas padronizadas, infelizmente, mecanizou-se o retorno desse policial para a troca de plantão. Não há uma troca para aproveitar esse manancial de informações.

Como isso vai acontecer na prática?

Vou encomendar ao comando da PM. Não há forma fácil de implantar porque há burocracias de troca de escala. Quem está saindo tem o horário de trabalho que não pode estender. Mas o policial que conhece o bairro é um manancial de informações poderosíssimo. Muitas vezes associado a uma hierarquia que não o ouve, ele entrega a arma, a chave da viatura, o relatório das ocorrências e vai embora. E quando chega para assumir outro serviço só dá um confere tradicional nas ocorrências.

Precisamos fazer briefings, alguém da área do planejamento operacional, com base na análise criminal que aponte características dos crimes locais, tem que conversar com o policial da ponta, mas não só para passar informação. Também para perguntar que a mancha criminal sinalizou aumento de um crime em determinado horário e por que ele acha que isso aconteceu, como ele acha poderemos inibir o delito. Essas perguntas não são feitas ao policial da ponta, o que é um desperdício. Quando falo da dignidade do servidor, é também quando ele é valorizado pelo seu conhecimento profissional. Não quero essa informação perdida.

Essa estratégia já foi implementada com êxito em algum lugar?

Vi isso em Los Angeles, e é o exemplo que vou dar para o comandante-geral da PM. Lógico que somos um país diferente, com cultura e legislação diferentes, mas podemos adequar. Participei de um briefing em Los Angeles em uma sala de aula, com datashow, ar condicionado, mancha com locais de crime. As patrulhas que iam entrar trocavam informações com o oficial coordenador. Achei fantástico.

Na sua experiência policial, a ausência dessa troca de informações já o atrapalhou?

No Bope, eu era um jovem tenente cursado e preparado para comandar um grupo de operacionais, mas que conhecia muito pouco as áreas mais perigosas e tinha que ir até lá cumprir mandados de busca e de prisão. E quem me dava a informação? Os soldados da minha patrulha. É fazer um briefing, um croqui, saber o local mais perigoso e menos perigoso, onde o rádio funciona e não funciona, de onde partem os tiros, onde nos concentramos após as prisões... Guardadas as devidas proporções, levando isso para o patrulhamento de bairro, é possível obter a informação.

Nessa experiência em Los Angeles também há algo sobre aproveitar ex-membros de quadrilhas para aprimorar abordagens. Pretende implementar por aqui?

Lá existiam egressos de gangues para dizer aos policiais como deveriam se comportar com os jovens daquelas gangues. Não sei se essa peculiaridade se adequa à nossa realidade. É algo a ser amadurecido. Mas claro que se alguém se dispuser a orientar, a aconselhar, a gente não dispensa.

Críticas ao salário e à falta de reajuste são coisas ainda muito vivas dentro da PM. É possível garantir que não viveremos outra greve?

É muito difícil dar essa garantia. Quero acreditar e contar com o espírito público de todos os servidores, até porque o canal de diálogo com servidores e entidades de classe vai estar aberto. Vamos buscar a valorização em todo os aspectos, como equipamentos de ponta e satisfação de suas necessidades. No Rio tivemos consequência desse movimento. Conto com os servidores para construirmos juntos alternativas para que todos sejam reconhecidos. Mas isso não pode acontecer de forma irresponsável.

O fato de o senhor não ser do Estado não pode ser um problema?

Sem dúvida que quanto mais você conhece, mais seguro você fica. Por outro lado, vou estar cercado e assessorado por profissionais que são conhecedores da realidade local. No processo de decisão, sempre ouço muito.

O número de assassinatos vem caindo, mas ainda é muito alto. Qual a sua meta de redução?

Ainda não tenho o percentual, mas não tenha dúvida de que vamos ter. Desafios e metas não podem ser fáceis demais nem impossíveis, têm que ser desafiadores. Quero aproveitar para parabenizar o Estado por essa trajetória de diminuição da letalidade.

Os cidadãos sempre se queixam que falta policiamento. Os efetivos são mesmo pequenos ou mal empregados?

São pequenos, face a demanda. Se são mal empregados, não posso te afirmar. Acredito que não. Por outro lado, isso não vai nos impedir de usar a tecnologia e a análise criminal, a ciência da verificação, do georreferenciamento para emprego de policiamento na mancha criminal. Isso vai ser café da manhã, almoço, janta e ceia do policial. O pouco que se tem deve ser aplicado no lugar certo e na hora certa.

Como o senhor definiria o problema da influência das facções criminosas no Espírito Santo?

Essa articulação de facções e do narcotráfico preocupa no cenário global e vai ocupar autoridades do governo federal. Sou, por coincidência, amigo pessoal do superintendente da PF no Espírito Santo e temos conversado. Trabalharemos a inteligência com dinamismo, potencializaremos setores que investigam o narcotráfico. No Rio, em função da demanda, criei a delegacia especializada em armas, munições e explosivos. A média de armas apreendidas por dia era de 24 por dia, por 15 anos. Aqui, quero implantar um setor para rastrear como as armas chegam nas mãos dos criminosos.

Será uma estrutura dentro da Polícia Civil?

Pode ser na PC ou na inteligência da própria secretaria. O fato é que não pode ter alguém sem monitorar como chegam essas coisas. As investigações são focadas em quem cometeu o crime. A arma passa a ser uma coisa com importância relativizada. Temos que ter alguém mapeando.

O cidadão comum ter posse e porte de armas é um bom negócio para a segurança coletiva?

Vejo com receio arma de fogo na mão de quem não é policial. Entendo quem fala que o cidadão tem o direito de se defender, mas tenho a sensação de que esse não é o melhor caminho. Queria desenvolver estratégias para desarmar o criminoso, e não para armar o cidadão de bem.

O senhor defende endurecimento de pena para quem porta arma com calibre restrito. Basta para inibir o acesso?

A questão da violência urbana no Brasil tem que ter ações em várias áreas. Sou adepto da filosofia da segurança cidadã, que se encaixa bem no Estado Presente. Eu via a polícia atuando sozinha, e o programa me encantou. É injusto deixar o peso sobre as costas das polícias.

Crimes contra o patrimônio também viraram problema por aqui. Como conter?

Não há muito o que se estabelecer como novidade. Vamos usar metodologia, criatividade e liderança. Alocar recursos com flexibilidade. Outro problema são as escalas herméticas, lineares. Tem quatro lugares e oito pessoas. Coloca-se uma dupla em cada lugar. Talvez tenha lugar em que devo ter duas duplas. Outros, em algum horário, nenhuma.

Teremos algo inspirado em UPPs?

Não gosto de importar soluções. Dentro do guarda-chuva do Estado Presente, se detectarmos alguma comunidade em que a dominação territorial impeça a presença de serviços públicos, impeça o direito de ir e vir, é algo a ser pensado, mas com outro nome e estratégia.

Reduzir a maioridade penal é saída para evitar que adolescentes sejam aliciados pelo crime?

Penso que pode ser por aí, mas talvez tenhamos alternativa melhor. Penso que tratamento dado a criminoso que tem entre 16 e 18 anos está ultrapassado. Pode ser discutido se vai diminuir a idade ou aumentar o tempo de internação.

Qual a sua opinião pessoal sobre a descriminalização das drogas?

Não tenho uma convicção sobre descriminalizar. A que tenho é que nosso modelo de enfrentamento está ultrapassado. Vejo muitos malefícios no comércio e no uso, mas vejo que muitas abordagens a usuários vira confronto. E, no confronto, vidas são perdidas. Temos que rediscutir o que vamos fazer com o traficante, com o usuário e como a polícia vai se portar.

O governo atual acabou de entregar 40 bases móveis da Polícia Militar para serem levadas para bairros mais perigosos. Sem aumentar o efetivo, como é possível garantir que as ruas não ficarão desguarnecidas?

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Como não acompanhei o planejamento para esse investimento, prefiro não fazer esse juízo de valor agora. O fato é que o investimento foi feito e vamos dar utilidade a ele na medida do possível.

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