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Corrupção drena quase R$ 2 bilhões dos cofres públicos do ES

Corrupção drena quase R$ 2 bilhões dos cofres públicos do ES

Desvios no Espírito Santo atingem licitações, concursos e incluem uso de dados falsos em sistemas

Publicado em 5 de janeiro de 2019 às 20:19

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Lidson Fausto da Silva é dirigente do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Patrimônio Público do MPES. (MPES)

Medir o custo da corrupção em cifras exatas ainda é uma questão complexa a ser desvendada, mas levantamentos feitos por órgãos de controle dão a dimensão do ônus que a posse ou o desvio de recursos públicos para fins privados é capaz de gerar aos cofres do Espírito Santo. Somente em 2018, o Ministério Público Federal (MPF-ES) e o Ministério Público Estadual (MPES) contabilizaram um prejuízo da ordem de R$ 1,92 bilhão.

Mas o rombo pode ser muito maior, já que tanto o MPF quanto o MPES não possuem em seus sistemas ferramentas capazes de contabilizar prejuízos estimados em cada ação civil ou criminal iniciada. A contagem total dependeria de extenso levantamento caso a caso.

No MPES, as unidades Central, Norte e Sul do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) registraram R$ 1,91 bilhão envolvido nos casos investigados em 2018. Se somado a 2017, o valor sobe para R$ 2,74 bilhões. Em 2018, foram recuperados R$ 27,43 milhões.

Já no Laboratório de Tecnologia Contra a Lavagem de Dinheiro (LAB-LD) do MPES – criado para dar suporte às investigações e análises complexas, como o combate à sonegação, corrupção e lavagem de dinheiro –, os valores registrados até 20 de outubro de 2018, que tratam de improbidade, somam R$ 17,18 milhões.

O volume de investigações sobre atos de corrupção instauradas no MPES como um todo é maior e, consequentemente, os prejuízos estimados ao erário também podem ser. Em 2018, foram feitas 3.666 manifestações em processos judiciais relativos a atos de improbidade.

Segundo o promotor de Justiça e dirigente do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Patrimônio Público, Lidson Fausto da Silva, entre as irregularidades mais comuns, as fraudes em licitações são campeãs, incluindo a contratação de serviços desnecessários, casos de dispensa e de inexigibilidade de certame e utilização de materiais de qualidade inferior. Outras ocorrências, como nepotismo e fraudes em concursos públicos, além de gastos e contratações excessivas de pessoal, também fazem parte do escopo.

DADOS FALSOS

O procurador da República Alexandre Senra acrescenta que um dos meios mais comuns para se cometer fraudes é a inserção de dados falsos em sistema. Ele cita o exemplo de uma fraude denunciada em novembro de 2018, envolvendo a Previdência.

Um servidor da agência do INSS de Afonso Cláudio foi preso após inserir no sistema 21 requerimentos de pensão por morte referentes a pessoas que morreram entre 2007 e 2011. Todos os benefícios eram destinados a um sobrinho do servidor, do qual ele era tutor. A fraude ocorreu de setembro de 2016 a julho de 2018, acarretando um prejuízo de mais de R$ 2 milhões.

Senra reforça que ainda que as situações não envolvam a entrega ou obtenção de dinheiro ilegal por parte de servidores, outras ações que visam a obtenção de vantagens (como no caso do desvio de objetos postais, da entrada gratuita em estabelecimentos e do recebimento de presentes de valores significativos) podem representar um dano ao Estado.

"Mesmo situações que não resultem em prejuízo econômico afetam a administração pública de outras maneiras, ao violarem princípios, como legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. É o que ocorre em licitações direcionadas e no nepotismo, ainda que o serviço venha a ser bem executado", diz.

RESSARCIMENTO

Também em 2018, o Tribunal de Contas do Estado (TCES) condenou gestores a ressarcirem R$ 46,4 milhões aos cofres em função da má aplicação de recursos públicos. O valor não foi somado ao montante referente a processos ligados a corrupção, já que nem todos os casos se enquadram nesse campo.

As prefeituras da Grande Vitória foram questionadas em relação às investigações internas. Cariacica não registrou apurações em 2018. Já as prefeituras de Vitória, Serra e Vila Velha afirmam que há investigações em curso, mas não é possível ter acesso aos valores.

Rombo de até R$ 30 milhões

Um estudo realizado pela Controladoria Regional da União em parceria com a Polícia Federal e o Ministério Público Federal aponta que atos de corrupção cometidos nos últimos cinco anos no Espírito Santo em órgãos federais ou que recebem recursos federais representam um rombo de cerca de R$ 30 milhões.

Segundo o superintendente substituto da Controladoria Regional no Estado, Dielson Claudio dos Santos, como o estudo só será apresentado em meados deste ano, ainda não é possível detalhar os dados.

Em outra frente, a Controladoria vem desenvolvendo ações para garantir transparência. Uma delas é a disponibilização de um sistema de acesso à informação para cidadãos. Até o momento, 88 adesões foram registradas entre prefeituras e câmaras municipais. Já o canal de ouvidoria foi instalado por oito municípios.

"A grande fraude começa com os pequenos desvios"

Operações de grande porte em nível nacional, como o mensalão e a Lava Jato, não só descortinaram a corrupção frente aos olhos da sociedade, como também contribuíram para colocar o tema no centro do debate político no Brasil. Mas para além dos grandes esquemas, outros pequenos atos de corrupção, que ocorrem cotidianamente em escala muito maior, também podem ser gravemente lesivos aos cofres públicos.

É o que sustenta o promotor de Justiça e dirigente do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Patrimônio Público do MPES, Lidson Fausto da Silva. “A grande fraude começa com os pequenos desvios”, pontua ele, que explica:

"As pessoas sempre falam da Lava Jato, que é uma operação muito importante. Mas aqui, no Espírito Santo, nós recebemos casos de Norte a Sul, alguns de grande repercussão e outros cujos valores não representam muito, mas afetam frontalmente a moralidade pública. Se formos somar cada contrato administrativo, cada indicação por critérios não democráticos, cada compra sem licitação ou com outras irregularidades, vamos somar valores astronômicos. Ainda hoje vemos casos de crianças indo para a escola com a figura do gestor estampada no uniforme ou agentes públicos usando veículos oficiais para fins pessoais", exemplifica.

ATRÁS DO DINHEIRO

Para Lidson, a forma mais eficiente de se combater a cadeia de ilicitudes e dar fim às organizações criminosas, tanto no setor público quanto no privado, é através do corte de seus braços financeiros.

Aspas de citação

Se você não consegue alcançar os ralos por onde o dinheiro passa, não é possível fazer isso. Por isso estamos aprimorando as instituições nessa questão, para atuar no sentido de quebrar as estruturas de financiamento ilícito e ressarcir os valores desviados

Lidson Fausto da Silva, promotor
Aspas de citação

Justamente por isso, o setor de Tecnologia de Informação do MPES já está trabalhando para fazer com que os valores atribuídos a cada processo criminal ou civil que tramita na instituição sejam lançados e possam ser facilmente visualizados, permitindo que se obtenha assim o prejuízo total causado por fraudes e atos de improbidade administrativa.

Junto a isso, Lidson destaca a necessidade da capacitação de equipes. "Hoje nós temos o LAB (Laboratório de Tecnologia Contra a Lavagem de Dinheiro), que é estruturado com pessoal da contabilidade, economia, para verificar contas, dados de sigilo bancário, fiscal, fazer levantamento patrimonial para verificarmos onde está o dinheiro. Sabemos que há um déficit enorme entre o que é desviado e o que a gente recupera. Por isso, é preciso desenvolver essas estruturas e gerar mais eficiência", justifica Lidson.

DEMANDA MAIOR

À medida que o assunto corrupção se torna cada vez mais pautado, a tendência é que o número de fraudes descobertas também aumente, elevando a demanda dos órgãos de controle, como os Ministérios Públicos e Tribunais de Contas.

Para Lidson, essa é uma realidade comum em todos os países que vivenciaram essa experiência. Mas é preciso aproveitar o intenso debate para ensejar melhorias. No entanto, dar fim à corrupção, na visão do promotor, é uma utopia.

'O que se espera é que tenhamos um nível mais tolerável, porque conseguir extirpar é impossível. O que podemos fazer é chegar a um nível muito mais excelente de prevenção, de forma que os desvios sejam pontuais e não a regra como vemos hoje, não impedindo assim o desenvolvimento da sociedade".

Órgãos defendem maior fiscalização

Prevenção e eficiência são palavras de ordem quando o assunto é o combate à corrupção. Por isso, os órgãos de controle têm como um de seus principais objetivos desenvolver estruturas de fiscalização e transparência dentro das próprias instituições, a fim de reduzir as oportunidades para que as fraudes ocorram.

"A gente atua no sentido de fortalecer o controle interno e o controle social, através das ouvidorias, das redes sociais, das ferramentas de transparência. Quanto maior a visibilidade sobre a gestão, os vencimentos, os valores dos contratos, menor é a oportunidade para que o que é obscuro, perigoso, aconteça", explica o promotor do MPES, Lidson Fausto da Silva.

EFICIÊNCIA

Por outro lado, a garantia de eficiência depende não só da agilidade dos processos, mas da capacidade das investigações de gerarem retornos aos cofres públicos. Nesta perspectiva, os chamados acordos de não persecução penal têm se tornado alternativas mais viáveis.

Conforme explica o procurador da República Alexandre Senra, além das punições nas esferas civil e administrativa, diversos atos de corrupção são previstos como crimes (a exemplo de corrupção passiva, concussão e peculato) e, consequentemente, são penalmente puníveis.

No início de 2018 foi regulamentada a possibilidade da celebração de tais acordos, que são firmados entre o MP e o infrator que comete atos de menor gravidade para que não haja o ajuizamento de ação penal.

"Ou seja, negocia-se uma pena em troca de um processo, com toda a sua demora, custos e riscos. Daí já se percebe a importância desses acordos: contribuem de maneira decisiva para a diminuição no número de novas ações e trazem maior agilidade no ressarcimento do Poder Público", pontua o procurador.

ACORDOS

Do início de 2018 até janeiro deste ano, o MPF já finalizou mais de 20 acordos de não persecução penal. Para Lidson, a estratégia gera maior resolutividade e abre espaço para que o Judiciário se debruce sobre ações de maior relevância.

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"Nem todo desvio vai levar à perda do cargo, ao afastamento do gestor. Mas há mecanismos para não abarrotar o Judiciário com ações de menor expressão, até para que ele tenha oxigênio para julgar as mais relevantes. É possível dar uma resposta jurídica coercitiva do Estado aos pequenos desvios através de mecanismos de autocomposição. O novo Código de Processo Civil já passa a exigir dos operadores do Direito essa visão", afirma o promotor de Justiça.

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