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Para especialistas, decreto federal prejudica acesso à informação

Para especialistas, decreto federal prejudica acesso à informação

Segundo professores ouvidos pelo Gazeta Online, o novo decreto publicado pelo governo federal amplia e muito o número de servidores que podem classificar informações como ultrassecretas

Publicado em 24 de janeiro de 2019 às 22:55

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O Palácio do Planalto, sede do governo federal: decreto aumenta número de servidores que classificarão informações como secretas. (Beto Barata/PR)

Publicado nesta quinta-feira (24) pelo governo federal, o Decreto 9.690/2019, que permite que servidores comissionados imponham sigilo ultrassecreto a dados públicos, é avaliado com preocupação por especialistas no assunto.

Conforme argumentam, se antes tal delegação era restrita a políticos e autoridades do primeiro escalão, agora, ela é ampliada para um leque de mais de 1200 pessoas, que ganham a capacidade de negar o consentimento de informações através da Lei de Acesso à Informação (LAI) pelo argumento do sigilo. As consequências, na prática, podem ser a redução do grau de transparência do poder público em âmbito federal, que vai justamente de encontro à criação da própria LAI.

"Sigilo sempre é refúgio de incompetência, ineficiência e corrupção"

Gregory Michener - professor de Administração da FGV EBAPE

"Esse decreto tem grandes e graves implicações na LAI. O número de autoridades que terão o poder para classificar informações públicas fora do alcance do cidadão passa de menos de 50 para cerca de 1200. O Decreto 7.724/2012 já dizia quem poderia classificar as informações (presidente e vice-presidente da República, ministros de Estado e autoridades equivalentes, além dos comandantes das Forças Armadas e chefes de missões diplomáticas no exterior). Simbolicamente e praticamente isso tem uma implicação muito grande para a transparência. Sigilo sempre é refúgio de incompetência, ineficiência e corrupção. Se o governo quer alavancar as metas de combate à corrupção e melhorar a posição fiscal do Brasil a transparência é uma condição. Ela deveria ser expandida e não diminuída. Além da sociedade civil ser prejudicada – pois amplia-se também as chances de uma informação ser considerada sigilosa e não poder ser divulgada – o próprio governo se enfraquece. A transparência fomenta um tipo de disciplina administrativa, pois o servidor sabe que o trabalho dele pode ser verificado. Perde-se, então, em termos de motivação e de profissionalismo de gestão. A LAI é uma lei recente, mas muito boa, é considerada uma das 20 melhores do mundo. A sociedade civil faz mais de 100 mil pedidos de informações por ano pela LAI e isso só no governo federal. Essa nova medida cabe, portanto, dentro de uma tendência mais autoritária de governo, que vão contra as promessas democráticas pelas quais o presidente Jair Bolsonaro se elegeu."

"É um trabalho de blindagem nas sombras"

Marcelo Chiavassa – professor de Direito Digital da Universidade Presbiteriana Mackenzie de Campinas

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"O argumento utilizado por alguns de que esse novo decreto é inconstitucional é fraco, pois o decreto anterior – que veda as delegações – também poderia ser considerado inconstitucional por ir contra o que dizia o texto original da LAI. Mas acho que as duas principais preocupações neste caso são outras. A primeira é que ao que parece esse decreto não foi discutido com o Conselho que trata do tema e que é ligado à Controladoria Geral da União (CGU), tendo em vista que autoridades já declararam que foi anunciado que seriam feitas alterações, mas não o que seria feito. O segundo é que, se antes, com poucas pessoas podendo decidir quais informações eram ultrassecretas, essa decisão já era subjetiva, agora, a tendência é que seja ainda mais. Além disso, antes, para alguém dizer que um documento era sigiloso, ele precisaria se expor perante a sociedade, por se tratarem de autoridades do primeiro escalão. Mas agora pessoas com cargos comissionados, que podem ser facilmente demitidos e substituídos, têm esse poder. Essas pessoas não estão mais expostas. É um trabalho de blindagem nas sombras. Isso poderá inclusive aumentar o número de judicializações sobre o tema."

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