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DEM: todo poderoso no país, mas nem tanto no Espírito Santo

DEM: todo poderoso no país, mas nem tanto no Espírito Santo

Velho partido pode ser o fiador de reformas do governo federal

Publicado em 12 de fevereiro de 2019 às 01:32

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Davi Alcolumbre virou presidente do Senado em eleição bastante tumultuada; Rodrigo Maia construiu ampla aliança partidária para se reeleger na Câmara. (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Mesmo longe de constituir uma das maiores bancadas no Congresso Nacional, o Democratas triunfou ao reeleger Rodrigo Maia (DEM-RJ) como presidente da Câmara dos Deputados e emplacar o nome de Davi Alcolumbre (DEM-AP) para o comando do Senado. O destaque do partido – que tem 29 deputados federais e seis senadores – é proporcional ao poder que ele agora terá para dar as cartas no novo jogo político. A aposta é de que o DEM dará governabilidade para que a gestão de Jair Bolsonaro (PSL) leve suas pautas à frente.

“O governo Bolsonaro tem um discurso antissistema, mas vai carecer de apoio para emplacar as reformas no Congresso. O DEM há de ser esse apoio, mas não irrestrito. Ele pode ser a estrutura política de negociação que o governo não tem, fazendo o papel de um centro que negociará com as demais forças, moderando o radicalismo dos discursos e ganhando apoio para pautas importantes. Com isso, o DEM ganha, sobretudo, visibilidade e qualifica seus quadros para as próximas eleições”, analisa o cientista político da Mackenzie Rogério Bapstini.

Ao conquistar tal posição, o DEM passa a ser, portanto, peça estratégica para o governo na medida em que conseguiu fazer o que o próprio PSL de Bolsonaro não teria capacidade, conforme avalia o professor da FGV Sérgio Praça.

“O PSL é um partido que, apesar de grande, é confuso e sem lideranças claras. Não conseguiu se articular em torno de um nome para ocupar esses lugares e não tem experiência política para firmar acordos. Não sabemos se a relação entre DEM e PSL será longeva, mas esses dois presidentes já acenaram apoiar a agenda econômica do governo.”

Bapstini aponta o que considera um paradoxo: enquanto muito se fala em renovação política, um antigo partido tem em mãos a capacidade de determinar os rumos do país. Para além da chefia das Casas legislativas, o DEM possui três ministérios no governo federal, com os deputados Luiz Henrique Mandetta (MS), na pasta da Saúde, Tereza Cristina (MS), na Agricultura e, em especial, Onyx Lorenzoni (RS), na Casa Civil. 

ARENA

Embora venha ganhando diferentes nomenclaturas ao longo das décadas, o DEM tem suas raízes na cisão da antiga Aliança Renovadora Nacional (Arena). O partido governista foi extinto em 1979 com o fim do bipartidarismo e sucedido pelo Partido Democrático Social (PDS), que comandou as duas casas do Congresso Nacional no governo João Figueiredo (1979-1985). Já em 1985, parte dos dissidentes do PDS fundou o Partido da Frente Liberal (PFL), que reuniu nomes de peso na política, como Antonio Carlos Magalhães. Em 2007, a sigla foi rebatizada com o nome Democratas.

“O DEM representa o polo do velho, a velha forma de fazer política. Mas é essa mesma força que tem sido a garantidora de uma saída para frente, de uma transição, pois ele vai dando a estabilidade necessária para avançarmos sem grandes rupturas. É como se o passado fosse o fiador da mudança”, diz Bapstini.

Ainda enquanto PFL, o DEM viveu um de seus melhores momentos no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), quando elegeu número expressivo de governadores, deputados e senadores. Ficou afastado dos holofotes durante os governos petistas, mas a retomada de seu protagonismo não é de agora.

“Desde o impedimento da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), o DEM já tinha a presidência da Câmara com Rodrigo Maia e este poderia, inclusive, suceder Michel Temer (MDB) no caso de uma eleição indireta”, observa Bapstini.

ELITE POLÍTICA

A elite política que se reúne em torno do DEM é o principal instrumento de força da sigla, na avaliação de Fernando Guarnieri, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ. Mas ele pondera: “Uma coisa é a capacidade do DEM de se posicionar bem graças às suas lideranças, outra é a capacidade de transformar essa posição em votos. Mas, historicamente, toda vez que o DEM esteve no governo, ele se beneficiou disso”.

Segundo Guarnieri, a atual fragmentação do Congresso entre diferentes partidos dá aos demistas mais poder de barganha. “Os aliados do governo no Congresso estão em posição de força, podendo influenciar como vai ser a própria reforma da Previdência e outras políticas de governo. Tudo vai ter que ser mais negociado.”

Nacionalmente, o poder de articulação do DEM pode transformar o partido em uma potência na condução do governo de Jair Bolsonaro (PSL), mas o quanto essa influência se refletirá em capital político e até mesmo eleitoral para os demistas nos Estados já é outra história. A sigla tem dois governadores.

Para o cientista político Fernando Pignaton, a transferência de prestígio não é automática. No Espírito Santo, os dois mandatários do partido de mais forte representação são o deputado estadual Theodorico Ferraço e sua esposa, Norma Ayub, reeleita deputada federal. Segundo Pignaton, é possível que a liderança demista nas duas Casas legislativas confira a Theodorico e Norma um certo poder.

“É evidente que uma influência dessas no Congresso pode ajudá-los em alguma articulação para um projeto de interesse ou para conseguir empréstimos do governo. Eles poderão ser um mecanismo de comunicação entre a esfera federal e a estadual. A Norma ganhou uma oportunidade de negociar melhor com o governo”, explica ele.

Mas pondera: “Não há garantia de que haja uma correia de transmissão direta entre o DEM nacional e o estadual. Até que essa força política institucional se transforme em força política propriamente pode demorar e até que isso se reflita nos Estados demora mais”.

PRESTÍGIO NÃO SE REFLETE NOS ESTADOS

Theodorico é otimista quanto às possibilidades de o partido adquirir capital eleitoral no Estado. “Tem muito reflexo e, naturalmente, a fortificação do partido vai ser grande, mas é preciso ter juízo para subir com cautela”, diz.

Por outro lado, o demista não esconde que a relação com o Palácio Anchieta, comandado por Renato Casagrande (PSB), é distante. O DEM não ocupou nenhuma das secretarias do governo e nos bastidores comenta-se que Theodorico teria ficado insatisfeito com a situação.

"INVERNO"

“O problema do partido não ter nenhuma secretaria é pessoal do governador, que convida quem acha que merece. O governo não reconheceu a força do DEM, mas somos um partido independente. É uma opção do governador que eu tenho que respeitar”. Theodorico pontua: “A articulação com Brasília vai indo bem, mas aqui no Espírito Santo está em um inverno bem frio”.

Na última semana, Theodorico assumiu sua posição independente na Assembleia, presidida por Erick Musso (PRB), ao pedir sua retirada da Comissão de Cidadania, única para a qual foi indicado como membro.

Theodorico Ferraço é deputado estadual. (Lissa de Paula | Ales)

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Na avaliação de Pignaton, a força de Theodorico se concentra mais nele do que em seu partido. “O partido ganhar relevância nacionalmente é uma âncora política para Theodorico, mas tradicionalmente ele tem capacidade de ficar em isolamento por longos períodos e depois ressurgir com uma aliança surpreendente. Ele se coloca com uma grife política independente e depois pode exercer um papel de opção graças à sua capacidade de articulação política e de representar o Sul do Estado”.

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