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A origem da investigação que levou Temer para a cadeia

A origem da investigação que levou Temer para a cadeia

E-mails apreendidos pela Lava Jato resultaram em descobertas que foram confirmadas em delação de executivo da Engevix sobre propinas a ex-presidente

Publicado em 21 de março de 2019 às 15:42

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O ex-presidente Michel Temer foi preso nesta quinta. (Valter Campanato/Agência Brasil)

Uma troca de e-mails de executivos da Engevix sobre negociações de contrato da Usina Angra 3 em que é citado o nome do coronel aposentado da Polícia Militar de São Paulo João Baptista Lima Filho, apreendida pela Operação Lava Jato em Curitiba quatro anos atrás é a origem das investigações que levaram o ex-presidente Michel Temer para a cadeia nesta quinta-feira (21). O conteúdo das mensagens reforçou as suspeitas da Lava Jato de que houve propina nesse pacote de obras.

Em 2016, reportagem do jornal "O Estado de S. Paulo" mostrou que a Argeplan Arquitetura e Engenharia Ltda, que tem como sócio o amigo de Temer, participa de um contrato milionário nas obras da Usina Termonuclear de Angra 3, no Rio. O negócio teria envolvido propina na Eletrobras dentro do esquema de corrupção comandado pelo PMDB na estatal, segundo apontava a Lava Jato.

O e-mail de agosto de 2014, período que antecedeu o primeiro aditivo do contrato da finlandesa AF Consult, aumentando em 4% o valor original, cita o ex-diretor-presidente da Eletronuclear Othon Luiz Pinheiro da Silva – condenado pela Lava Jato – e o coronel João Baptista.

“Em 21 de agosto de 2014, Samuel Fayad, funcionário da Engevix, encaminha um e-mail ao denunciado José Antunes Sobrinho (sócio da Engevix) dizendo que Othon Luiz iria convocar as pessoas de Roberto e Lima para fechar o assunto do aditivo, e que José Antunes também seria convidado para reunião”, registra a Procuradoria.

Ao analisar e-mail, a Lava Jato disse que “Roberto” seria Roberto Liesegang, suíço representante da AF, e “Lima”, João Baptista Lima, da Argeplan, suspeitam investigadores. Em nota, divulgada no dia 25 de maio de 2016, a Argeplan esclareceu que Liesegang é brasileiro e advogado representante “da sócia da AF Brasil e da AF Switzerland”. E que o citado na mensagem seria Roberto Gerosa, “esse sim suíço-brasileiro, executivo da AF”.

No dia 18 de outubro, José Antunes Sobrinho volta a falar sobre “aditivo” e dá como resolvido o assunto, em resposta à Fayad e Vieira e cópia para dois outros executivos da Engevix: “Peço que deste ponto em diante, se precisarem de alguma ação minha com o Othon ou com AF/Lima, por motivos óbvios de minha relação, conhecimento do setor e histórico, podem contar comigo. Mas será pontual e específica minha inserção”.

O aditivo da AF Consult seria assinado em 8 de dezembro de 2014. Na mensagem de outubro, Sobrinho escreve: “Já com aditivos resolvidos os temas devem ser tratados diretamente entre vocês. Pelo tamanho dos contratos e sua importância para engenharia, entendo que o Wilson já deveria, nesta altura, estar completamente a par de tudo.”

Com custo estimado em R$ 14 bilhões e com as obras atrasadas, Angra 3 envolveu propinas de 1% nos contratos ao partido do presidente, segundo confessaram à força-tarefa da Lava Jato delatores das empreiteiras UTC, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. A construção sob a responsabilidade da Eletronuclear – controlada pela estatal Eletrobrás – foi dividida em vários pacotes contratuais.

O contrato denominado “Eletromecânico 1: Área Nuclear da Usina”, em que participa a Argeplan, foi assinado pela finlandesa AF Consult LTD, em 24 de maio de 2012, dois anos após a abertura da concorrência internacional 004/2010, pelo valor de R$ 162.214.551,43.

Por exigência contratual, a multinacional teve que subcontratar parcerias nacionais. As escolhidas foram AF Consult Ltda. Brasil, criada em 2006, e a Engevix Engenharia – acusada de cartel e corrupção na Petrobrás, com executivos condenados em dois processos da Lava Jato.

A Argeplan, do amigo de Temer, entra no negócio como sócia da AF Consult finlandesa na constituição da AF Consult Brasil, que funciona em um escritório em São Bernardo do Campo (SP). Lima, como é conhecido, atua comercialmente em nome da Argeplan desde 1980, mas entrou como sócio efetivo em 2011 – um ano antes do contrato da AF Consult em Angra 3. Ele e sua empresa são os donos formais da Fazenda Esmeralda, em Duartina (SP), que foi invadida por integrantes do MST em protesto à posse provisória de Temer. Eles alegaram que a propriedade seria do presidente interino. Ele e Lima negaram publicamente o fato.

O aditivo da AF Consult seria assinado em 8 de dezembro de 2014. Na mensagem de outubro, Sobrinho escreve: “Já com aditivos resolvidos os temas devem ser tratados diretamente entre vocês. Pelo tamanho dos contratos e sua importância para engenharia, entendo que o Wilson já deveria, nesta altura, estar completamente a par de tudo.”

Na interpretação da força-tarefa da Lava Jato, as mensagens trocadas por executivos da Engevix reforçavam as suspeitas de que o ex-presidente da Eletronuclear, que seria sustentado no cargo pelo PMDB, “atuou ou se omitiu em favor dos interesses da empresa, recebendo vantagens indevidas para tanto”.

“Além de ter sido favorecida em diversas licitações pelo denunciado, notadamente, as que previam técnica e preço, Othon Luiz também era diretamente acionado pela Engevix na resolução de problemas envolvendo aditivos contratuais do interesse da companhia na Eletronuclear.”

PROPINA

A Lava Jato reuniu provas para prender e levar ao banco dos réus o ex-diretor-presidente da Eletronuclear citado nas mensagens de executivos, pelo suposto recebimento de propinas nesse contrato e em outros fechados pela Engevix e Andrade Gutierrez, nas obras de Angra 3. Almirante reformado da Marinha, ele foi detido em agosto de 2015 pela Polícia Federal, alvo da 16ª fase batizada de Operação Radioatividade.

O processo de Angra foi aberto pelo juiz federal Sérgio Moro, em Curitiba – sede das investigações da Lava Jato, mas depois remetido, no início do ano, para a Justiça Federal no Rio, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). O caso ficou com o Supremo, após executivo da Andrade Gutierrez citar o nome de alvos com foro privilegiado, e foi enviado esse ano para o Rio, na 7.ª Vara Federal Criminal, do juiz Marcelo Bretas.

Na denúncia contra Othon, a força-tarefa da Procuradoria, com ajuda da Polícia Federal e da Receita, traçou a trilha deixada pelo dinheiro, desde de sua origem, na Engevix, até chegar ao ex-diretor-presidente da Eletronuclear.

Uma delas é o repasse direto da Engevix para uma empresa de consultoria usada pelo ex-diretor-presidente da Eletronuclear, a Aratec Engenharia e Consultoria.

Com base nas quebras os sigilos fiscal e bancário da empreiteira, identificou-se que “após resolvido o problema do aditivo”, “em 12 de novembro de 2014 a Aratec emite a Nota Fiscal 620/2015 em favor da Engevix com falsa descrição de serviços de assessoria”. “Em 08 de janeiro de 2015, a Engevix transfere a Aratec as vantagens indevidas destinadas a Othon Luiz.”

Outra rota da propina paga ao ex-diretor-presidente da Eletronuclear tem origem em pagamentos da Engevix à empresa Link Projetos e Participações, do empresário Victor Sérgio Colavitti, por “serviços prestados” de R$ 1,5 milhão, ao todo. Da Link, o dinheiro migrou para contas da Aratec, que pertence a Othon Pinheiro, também com falsos contratos de serviços. O dono da Link confessou em delação premiada ter apenas servido de operador do repasse de dinheiro.

O sócio da Engevix, em depoimento à Lava Jato, confirmou que os repasses feitos para a Link foram para pagamentos para o ex-diretor-presidente da Eletronuclear.

“Em razão da quebra dos sigilos fiscal e bancário da Engevix, foi possível correlacionar os repasses da empreiteira para a empresa Link, e, posteriormente, desta para a Aratec. Com isso, ocorreu um avançar nas investigações que possibilitou a celebração de acordo de colaboração premiada com Victor Sérgio Colavitti, administrador de Link, que admitiu que sua empresa foi apenas utilizada para passagem de recursos da Engevix para a Aratec, de Othon Luiz”, informa a força-tarefa da Lava Jato.

Caminho do dinheiro. Percorrendo os caminhos do dinheiro da propina da Engevix – e de outras empreiteiras envolvidas na corrupção em Angra 3, como Andrade Gutierrez, Odebrecht e UTC – que abasteceu o ex-diretor-presidente da Eletronuclear, membros da força-tarefa da Lava Jato na Procuradoria Geral da República buscam os beneficiários políticos do esquema.

Em documento enviado em dezembro de 2015 para o Supremo Tribunal Federal, a Procuradoria-Geral da República afirma que “há reluzentes indícios de que o ocorrido no âmbito da Petrobrás se refletiu no setor elétrico, por meio da Eletrobrás”. “Mesmo desenho dos núcleos, em um esquema orquestrado para a consecução de desvios de recursos públicos e pagamentos de propinas em contratações.”

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Na sistemática da corrupção descoberta na Petrobrás e replicada em obras no setor de energia, empreiteiras cartelizadas acertavam percentuais fixos de propina – em geral, entre 1% e 5% – que eram pagas via empresas de consultoria ou prestadores de serviços. Os principais beneficiários integram dois núcleos: os agentes públicos, em cargos de comando nas estatais, e os políticos, responsáveis pela indicação e manutenção dos servidores corrompidos.

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