> >
Sem fiscalização, cota feminina não é eficaz

Sem fiscalização, cota feminina não é eficaz

Para especialistas, gestão do dinheiro só por homens é problema

Publicado em 2 de março de 2019 às 01:43

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura

Apesar de a legislação eleitoral exigir que 30% do Fundo Eleitoral recebido pelos partidos políticos sejam destinados às candidaturas de mulheres, a baixa fiscalização impede que o dinheiro sirva, de fato, para alavancar o desempenho feminino nas urnas. Especialistas pontuam que em muitos casos o dinheiro é gerenciado por homens que não só controlam os diretórios como também não têm interesse em fortalecer o equilíbrio entre os gêneros nos pleitos.

Em reportagem publicada nesta sexta (1º) por A GAZETA, mulheres que disputaram as eleições em 2018 enumeram uma série de reclamações contra suas siglas, que vão desde a falta de empenho do partido em fortalecer suas campanhas até a exigência de que parte do dinheiro repassado a elas fosse devolvido. Algumas admitem que podem ter sido usadas como laranjas apenas para suprir a obrigatória cota feminina. Elas acabaram sendo pouco votadas embora tenham recebido dinheiro dos partidos.

Em alguns casos, cada voto chegou a custar mais de R$ 500,00. O valor é muito alto se comparado ao de outras candidatas com bom desempenho, a exemplo da deputada federal eleita Lauriete (PR), cujo custo por cada voto foi de R$ 44,25.

Atualmente, a fiscalização quanto ao cumprimento das cotas se divide em duas etapas. Antes das eleições, no período das convenções partidárias, as atas dos partidos, contendo os nomes dos candidatos, são analisadas pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-ES), que avalia se na lista não há mais de 70% de candidatos homens. Já depois do pleito, as contas são avaliadas pelo Ministério Público Eleitoral (MPE), que pode apresentar denúncia caso comprove a existência de irregularidades, ou seja, de candidaturas laranjas.

No entanto, como é preciso que haja provas dos fatos, é possível que os indícios de fraudes ou até mesmo o descaso dos partidos, como os relatados pelas candidatas, não resultem em punição.

Doutora em Ciência Política e professora da Universidade Federal de Viçosa, Daniela Rezende defende o aprimoramento da fiscalização. Escândalos em nível nacional, como o de supostas candidatas de fachada do PSL em Pernambuco e em Minas Gerais, endossam sua constatação.

“Não adianta ter lei de cotas se não tem fiscalização. E tem que haver alguma interferência externa, seja do Ministério Público ou de outros órgãos para alterar práticas partidárias”, pontua.

A pesquisadora continua: “A mudança legislativa e jurídica é crucial, mas temos que fazer mudanças práticas. Os partidos acabam achando mecanismos para driblar os 30%. Alguns investem mais recursos nas mandatárias. Essa é uma estratégia”, aponta.

QUEM CONTROLA

Daniela lembra que embora haja garantia dos 30% de recursos do Fundo Eleitoral para mulheres, não há determinação sobre quem gerenciará os recursos. Por isso, eles acabam sendo controlados pelos diretórios dos partidos, constituídos em sua maioria por homens.

“A distribuição do recurso é definida pelos partidos sem envolvimento e participação das mulheres. O primeiro aprimoramento para uso do fundo seria incluir as secretarias de mulheres na gestão dele, afinal são esses órgãos que fomentam as lideranças femininas”, argumenta.

BARREIRAS

A pesquisadora Flávia Bozza Martins, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ, ressalta que levantamentos como o de A GAZETA evidenciam que, ao contrário do que convencionou-se dizer, as mulheres têm sim vontade de participar da política. No entanto, enfrentam barreiras práticas dentro de seus próprios partidos, tanto para entrar nas siglas quanto para crescer dentro delas. “As laranjas têm rosto de mulher. Existe uma lógica que associa candidatas mulheres à escolha de laranjas”, diz.

Diante da importância que os partidos assumem dentro da estrutura de representação democrática brasileira, a pesquisadora reforça que os relatos de que as siglas tentam usar o dinheiro já repassado às candidatas é preocupante. “Quando mulheres dizem que se sentem pressionadas a investir seu dinheiro percebemos que há uma força institucional de cima para baixo, de uma instituição que funciona com dinheiro público.”

COTAS

As pesquisadoras são a favor da existência das cotas para mulheres nas candidaturas e sugerem medidas além. Para Flávia, uma das possibilidades é reservar diretamente cadeiras nas casas legislativas para garantir a participação feminina.

“Teríamos mulheres eleitas com menos votos, sim, mas se quisermos mais representatividade essa seria uma forma de corrigir um desequilíbrio social que impede as mulheres de competirem em pé de igualdade.”

Mônica Herman Caggiano, especialista em Direito Eleitoral da Mackenzie, tem pensamento semelhante.

“Sou partidária da necessidade de mais ações afirmativas no sentido de viabilizar um lugar mais importante para a mulher no cenário político. O primeiro é exigir a participação da mulher nos diretórios de partidos. Sou a favor das cotas para candidaturas e ainda mais de cotas que garantam a presença de mulheres no parlamento”, diz ela.

CONTAS DOS PARTIDOS AINDA SEM ANÁLISE

Após reportagem de A GAZETA mostrar candidatas afirmando que pagaram despesas de campanha de outros candidatos com recursos reservados a elas pelos partidos políticos, o Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo (TRE–ES) informou que as prestações de contas eleitorais ainda estão sendo julgadas pela Corte.

As normas eleitorais estabeleceram que os julgamentos de prestação de contas de campanha dos candidatos de 2018 devem estar concluídos somente em 29 de novembro deste ano, informou o TRE-ES.

Aspas de citação

A distribuição dos recursos (do Fundo Especial) é definida pelos partidos sem envolvimento e participação das mulheres

Daniela Rezende, doutora em ciência política e professora da UFV
Aspas de citação

A Procuradoria-Regional Eleitoral (PRE) também foi procurada para comentar as declarações das candidatas. Na sexta-feira, o órgão não se manifestou.

Ainda antes da publicação da reportagem, a Procuradoria havia informado que não encontrou candidaturas laranjas no Espírito Santo.

Aspas de citação

As mulheres têm interesse em participar da política, mas enfrentam desafios para entrar nos partidos e ascender dentro deles

Flávia Bozza Martins, pesquisadora do instituto de estudos sociais e políticos da UERJ
Aspas de citação

“A PRE instaurou um procedimento com o objetivo de apurar o cumprimento do percentual mínimo de cotas por gênero e da correspondente destinação de recursos financeiros e tempo de propaganda pelos partidos políticos nas eleições de 2018. No entanto, o procedimento foi arquivado no mês de janeiro, uma vez que a Procuradoria adotou todas as medidas ao seu alcance para tornar efetiva a participação feminina na política e não foi possível reunir elementos que permitissem concluir sobre a existência de candidaturas fictícias ou que fossem suficientes a ensejar a propositura de Ação de Investigação Judicial Eleitoral ou de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo”, diz a nota enviada na quinta-feira.

Aspas de citação

As denúncias devem ser apuradas de forma severa. É através delas que chegaremos a uma regularidade

Mônica Herman Caggiano, especialista em direito eleitoral da Mackeinzie
Aspas de citação

DECLARAÇÕES

Mulheres que disputaram eleições para a Assembleia Legislativa e para a Câmara, em outubro passado, revelaram que foram obrigadas a custear serviços que não usaram em suas respectivas campanhas. Entre as despesas, pesquisa eleitoral, material de campanha “casado” com candidatos do sexo masculino, escritórios de advocacia e coordenadores de campanha.

A COTA

Especialistas avaliam que a prática é comum no país, uma forma de os partidos driblarem a imposição legal de destinarem 30% dos recursos do Fundo Eleitoral para as mulheres, que também devem preencher 30% do total de candidatos inscritos. Consideram ilegal o desvirtuamento das despesas, mas consideram difícil provar que as mulheres são usadas pelos caciques partidários para fazer número e aumentar o dinheiro à disposição de políticos.

As agremiações políticas negam qualquer irregularidade. Dizem incentivar a participação feminina na política e que materiais gráficos com imagens de candidatos mais e menos conhecidos é uma estratégia legal para impulsionar as candidaturas dos novatos, e não o contrário.

A reportagem localizou as mulheres citadas após cruzar os dados da votação delas no pleito passado – muito baixos – com os de recursos repassados pelos partidos a cada uma delas para as campanhas eleitorais – em volumes significativos.

REVELAÇÕES DAS CAPIXABAS

REGRAS

Cotas

Participação feminina

A legislação exige que mulheres sejam 30% dos candidatos lançados pelos partidos ou coligações. Logo, se um partido pretende lançar 14 candidatos, precisa inscrever também seis mulheres.

Gênero

A legislação não determina que os 30% sejam de mulheres. Fala na divisão de gêneros. Na prática, em regra, elas são a minoria, em todos os partidos.

OS RELATOS

Mirian Regina

Candidata a deputada estadual do PMB

Mirian recebeu R$ 10 mil do partido e teve 15 votos. Diz que além do atraso para a entrega do material de campanha, uma pessoa do partido ligava para ela exigindo que R$ 7 mil dos R$ 10 mil fossem devolvidos.

Rosana Figueredo

Candidata a deputada estadual do Pros

Recebeu R$ 10 mil do partido e teve 17 votos. Afirma ter certeza de que o partido a usou como laranja para suprir a cota feminina e diz que passou a ser destratada por dirigentes do partido após o período das convenções.

Robertha Stefanon

Candidata a deputada estadual do PSD

Recebeu R$ 66,3 mil do partido e teve 251 votos. Reclama que grande parte dos santinhos de sua campanha foram casados com o presidente da sigla, Neucimar Fraga. Também diz que assinou três cheques para despesas jurídicas destinados a um mesmo contador, mas que não podiam ser nominais. Em função dessas questões, ela diz ter tido problemas até para dormir.

Leila Bayer

Candidata a deputada estadual do PSD

Recebeu R$ 74.350 do partido e teve 403 votos. Apesar de não se sentir “laranja” do partido, diz que sua sensação era a de que sua candidatura servia apenas para suprir a cota de 30% de mulheres candidatas.

 

Este vídeo pode te interessar

 

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais