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Barganha política para garantir votos é prática antiga

Barganha política para garantir votos é prática antiga

Verba de emendas parlamentares será utilizada para garantir votos a favor da reforma da Previdência. Outros casos estão registrados na História. Confira

Publicado em 25 de abril de 2019 às 18:29

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Por meio das emendas parlamentares, os senadores e deputados executam obras em redutos eleitorais, e conseguem melhorias para a população. (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

O governo Bolsonaro (PSL) enfrenta um importante desafio pela frente: a aprovação da reforma da Previdência. E, para conseguir os 308 votos favoráveis ao projeto na Câmara, propôs destinar R$ 40 milhões em emendas parlamentares até 2022 a cada deputado federal que apoiar o Planalto. O acordo foi apresentado pelo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, a líderes de partidos governistas, como revelou o jornal "Folha de S. Paulo". A negociação entre Executivo e Legislativo, no entanto, não é uma prática atual e foi recorrente em governos anteriores.  

No governo José Sarney (MDB), a moeda de troca era concessão pública de rádio e TV. A Assembleia Constituinte aprovou extensão do mandato do presidente, na época. Já no governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na semana da votação para prorrogação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), houve liberação de R$ 159 milhões em emendas. 

O cientista político e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Manuel Augusto Sanches diz que a liberação de emendas parlamentares em troca de apoio político é uma prática comum e, eventualmente, saudável. Ele explica que, por meio meio das emendas os deputados conseguem viabilizar obras nos Estados que representam. Consequentemente, isso traz benefícios à população.

Entretanto, o cientista político pontua que, na busca de conseguir a verba para interesses da base política, o deputado pode aprovar propostas gerais que entram em conflito com os objetivos dos aliados e dos que o escolheram. "Se ele vota sem conhecer o aspecto amplo do projeto, e vote apenas em função de conseguir uma obra, pode prejudicar a população", exemplifica. Por isso, é importante que o deputado conheça a fundo a proposta. 

INDEPENDÊNCIA

O professor de Direito da Universidade Federal da Paraíba Marcelo Waeick observa que a prática faz parte da relação entre os Poderes. Mas, para ele, é preciso respeitar três premissas importantes. “Precisa respeitar as independências, o caráter republicano, e a finalidade política, que precisa ser em prol da população. Não vejo problema, respeitando-se esses itens, que haja discussão de fatias orçamentárias”, opina.

VELHA POLÍTICA?

Para Sanches, no entanto, a utilização de emendas é parte da velha política. “É troca de favores. É uma prática que vem de governos anteriores, desde a época da ditadura”. O especialista explica, também, que outros países fazem uso da prática. “Toda a América Latina e os países do Ocidente. E faz parte da democracia”, diz.

Já Waeick não acredita que a prática seja, necessariamente, velha política. Para ele, depende da finalidade e objetivo das emendas. “Se liberam milhões para o parlamentar e ele trabalhar com projetos de tecnologia na educação, por exemplo, é uma visão moderna”, pontua.

Por meio das emendas parlamentares, os senadores e deputados executam obras em redutos eleitorais, e conseguem melhorias para a população.

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Não se pode condenar as emendas. Elas são um importante instrumento de uma distribuição orçamentária

Marcelo Weick, professor de Direito Eleitoral e coordenador da Associação Brasileira de Direito Eleitoral e Político
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O historiador e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Pedro Ernesto Fagundes acredita que, em partes, o mecanismo faz parte da velha política. "As propostas fazem parte das atribuições do Legislativo. Mas a execução orçamentária, a caneta e o cheque, são atribuições do Executivo", explica. Por isso, segundo ele, os deputados dependem das boas relações para liberar as emendas.

LOBBY

O historiador lembra que durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) foi criado o governo de coalizão. "É o compartilhamento de espaços na administração pública, por meio de secretarias, ministérios, etc". Diferentemente do Brasil, onde há uma grande quantidade de partidos, os Estados Unidos é bipartidário. Por lá, o lobby (união de pessoas com um interesse em comum) é autorizado. "Ao contrário do que ocorre no Brasil, por lá quem influencia as votações no Congresso são as corporações econômicas", explica Pedro.

Portanto, embora haja negociação para aprovação de projetos, "a questão por lá não é tão atrelada ao governo federal. As empresas que têm interesse e por isso trocam votos a favor do projeto de financiamento", finaliza. 

OUTROS MECANISMOS

Não são apenas emendas que são usadas para aprovação no Congresso. O ex-presidente José Sarney (MDB) conseguiu aprovação, na época do mandato, para permanecer por mais um ano no poder (o mandato chegaria ao fim em 1989 e terminou apenas em março de 1990). Especialistas relembram que Sarney, na época, liberou no Congresso várias concessões públicas para rádio e TV. Segundo a reportagem da Folha de S. Paulo, de 1995, 165 concessões foram para 91 parlamentares constituintes, sendo que 90% deles votaram a favor que Sarney permanecesse por mais um ano. 

O cientista político Manuel Sanches exemplifica outra alternativa de negociação. "Um deputado se propõe, por exemplo, a aceitar uma proposta do Executivo, como a Previdência. Ele pode pedir a retirada ou colocação de um item em outra proposta, como o pacote anticrime do Moro", explica. O especialista diz que isso se trata de um acordo político, que é feito, normalmente, pelo líderes do partido. 

Marcelo Waieck diz ser necessário que o governantes escolham pessoas com qualificação técnica para compor o governo. "Tudo depende de quem está na chefia do poder Executivo. Se escolher pessoas técnicas, a diferença é que o trabalho de convencimento da proposta será feito de outras formas. Defenderá com mais afinco, sendo mais explicativo, dialogando mais", relata.

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A relação do Executivo com o Legislativo é um constante diálogo. Uma constante negociação

Marcelo Waeick, advogado
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ANÁLISE

A aprovação de determinado projeto de lei proposto pelo Poder Executivo sempre demandou uma negociação com o parlamentar ou com o partido político que o representa, já que é saudável que membros dos Poderes Executivo e Legislativo mantenham um interesse comum, que é o bem social consolidado a partir da aprovação de determinada lei. Política envolve comunicação e planejamento.

É essencial que haja interação entre os agentes políticos, sendo o cerne da democracia a coalizão de vontades, já que o sistema em que o Brasil está imerso impede um poder soberano e absoluto sobre os demais. Portanto, desde que voltado a interesses exclusivamente sociais e lícitos, não há se falar em prejuízo para a sociedade o modelo de negociação que ocorre na aprovação de projetos políticos.

Jordan Tomazelli, advogado e mestrando da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes)

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