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Câmaras não acompanham corte de gastos de municípios

Câmaras não acompanham corte de gastos de municípios

Investimentos caíram nos municípios, mas efeito dominó não chegou ao Legislativo

Publicado em 14 de abril de 2019 às 11:30

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Iniciada em 2014, a crise financeira provocou um rombo nas contas públicas, atingindo em cheio o elo mais fraco entre as esferas de poder: as prefeituras. Era de se esperar, portanto, que os cortes também se refletissem nas câmaras municipais, que são bancadas por recursos do Executivo. No entanto, esse efeito dominó não aconteceu.

Enquanto entre 2014 e 2017 a receita total dos municípios do Espírito Santo diminuiu de R$ 12,92 bilhões para R$ 10,56 bilhões (o que representa uma queda de 18,3%), as despesas das câmaras municipais foram reduzidas em apenas 7,7% no mesmo período, isto é, de R$ 331,4 milhões para R$ 305,9 milhões em números absolutos.

Os dados foram retirados do anuário Finanças dos Municípios Capixabas, publicado em 2018. De acordo com a economista Tânia Villela, a queda bem mais suave dos gastos das câmaras é resultado de dois fatores. “O primeiro, refere-se ao fato de a despesa das câmaras ser praticamente toda destinada a gastos correntes, ou seja, elas pouco realizam investimentos em sua própria estrutura. Quando o fazem, são gastos esporádicos. Portanto, os recursos enviados a elas servem, na sua maior parte, para custear o funcionamento de uma estrutura que já está criada”, explica.

A segunda razão, segundo a consultora, é que o repasse para as câmaras obedece à Emenda Constitucional 58, de 2009, que estipula um percentual máximo das receitas tributárias próprias e das receitas de transferências correntes constitucionais que podem ser repassados ao Legislativo. O percentual diminui conforme aumenta o número de moradores. Para municípios com até 100 mil habitantes, por exemplo, ele é de 7%. Já para os de 100 a 300 mil habitantes, é de 6%.

“Acontece que esses percentuais são muito altos. Tanto é que as despesas das câmaras não chegam a atingir o percentual máximo. No entanto, a generosidade da legislação propiciou a criação de estruturas legislativas maiores, ou mais dispendiosas do que o realmente necessário para as cidades. Isso aconteceu principalmente durante o período de crescimento econômico, quando as receitas das cidades eram crescentes”, critica Tânia.

INVESTIMENTOS

A disparidade é ainda mais perceptível quando entra em cena o volume de investimentos aplicados nas cidades, que nesses mesmos três anos foram reduzidos em 58,4%, passando de R$ 1,35 bilhão em 2014 para R$ 561,4 milhões em 2017.

Com isso, o peso dos investimentos – que se traduzem em melhorias para as cidades, como pavimentação de ruas, construção de escolas e de hospitais – sobre a receita total dos municípios também caiu drasticamente: em 2014 eles representavam 10,44% da receita. Já em 2017, caíram para 5,3%.

Mas ao mesmo tempo em que os investimentos caíam, o peso das despesas das câmaras municipais sobre a receita corrente dos municípios seguiu uma trajetória ascendente. Em 2014, elas representaram 2,7% do orçamento do Executivo municipal, passando para 2,8% em 2015 e para 3,0% em 2016. A única queda é registrada em 2017, quando o índice passou a ser de 2,9%.

Auditor do Tribunal de Contas de Pernambuco e professor da Fucape, João Eudes Bezerra Filho pondera que o atrelamento do orçamento das câmaras às receitas municipais foi estabelecido pela Constituição para evitar excessos. “Antes, a gente via muitas aberrações nas câmaras. Por isso, essa limitação foi bem-vinda na época”, diz.

Mas, diante de um cenário de corte de gastos, a situação leva a uma nova reflexão. “Enquanto cidadão, eu penso que sacrificar os investimentos em detrimento de salários de vereadores é prejudicar a sociedade. Os investimentos muitas vezes são mais benéficos para a sociedade e acabam não saindo. Já houve propostas de que vereadores não fossem remunerados, como acontece em alguns países. Isso seria interessante para reduzir a transferência obrigatória por parte das prefeituras. Assim, sobraria mais dinheiro”, analisa.

PONDERAÇÃO

O presidente do Conselho Regional de Economia, Ricardo Paixão, aponta que existe a possibilidade de o Legislativo municipal enxugar mais os gastos. Contudo, ele pondera que ao longo dos últimos dez anos já houve uma redução significativa do peso das despesas das câmaras sobre a receita das prefeituras.

“A Emenda 58, de 2009, definiu o número de vereadores com base nos dados populacionais. Portanto, neste modelo, o custo para o exercício da atividade parlamentar não é considerado para a determinação dos recursos a serem destinados aos legislativos”.

“Conforme dados do Anuário Multi Cidades 2019, ao longo da década de 2010 a participação da despesa legislativa tem ficado pouco abaixo de 3% da receita corrente, para a média dos municípios brasileiros. Desempenho inferior ao do período anterior. Apesar das despesas com os legislativos aumentarem à medida que cresce a receita e o porte populacional, seu peso é maior nas pequenas cidades”, avalia.

MAIOR GASTO PER CAPITA É DE CÂMARA DE ANCHIETA

Legislativo de Anchieta: redução em despesa com limpeza e em expediente. (Câmara de Anchieta/Divulgação)

Para cada um dos 28.736 habitantes de Anchieta em 2017, a câmara da cidade representou um custo anual de R$ 471,86 naquele mesmo ano. Trata-se da maior despesa per capita com câmaras de todo o Estado. A Câmara de Itapemirim, que ocupa o segundo lugar neste ranking, apresentou um gasto per capita de R$ 217,14, o que não chega nem à metade do valor da primeira colocada.

O atual presidente da Casa, vereador Cléber Oliveira da Silva – o Cléber Pombo – afirma que não pode explicar os gastos admitidos pela administração anterior, que em 2017 chegaram ao total de R$ 13,469 milhões. Mas promete economizar o máximo a partir deste ano.

“Com material de limpeza e expediente, os custos foram reduzidos em torno de 40%. Na alimentação, somente café e água estão sendo comprados. Em 2017 foram gastos com publicidade R$ 417 mil e em 2018 mais R$ 393 mil. Já a nova gestão suspendeu todos os gastos com propaganda. Cinco linhas de celulares também foram extintas. Com o intuito de reduzir gastos com combustível, a Câmara de Anchieta doou o carro à Prefeitura. Os gastos com internet e manutenção do portal da casa também estão sendo reduzidos em torno de 40%”, pontuou a administração em nota.

Cleber Pombo ainda estuda a possibilidade de redução do valor do tíquete alimentação dos funcionários e pretende baixar o valor da conta de energia, atualmente de R$ 13 mil mensais.

Cortar na carne. Esta, segundo Ivan Carlini (DEM) é a receita para tornar os gastos do Legislativo municipal mais eficientes. A Câmara de Vila Velha, presidida por ele, ocupou o 72º lugar no ranking de gastos por pessoa, com uma despesa per capita de R$ 56,57 em 2017.

Carlini defende que ao longo dos anos as câmaras já tiveram que se adaptar a gastar menos, pois os percentuais da receita dos municípios aos quais têm direito diminuíram. “A partir desse ano, as câmaras perderam mais receita, pois agora a taxa de iluminação pública não entra mais no cálculo do duodécimo”, justifica.

Por outro lado, ele admite que sempre dá para enxugar mais. “Há 12 anos não damos aumento para vereadores. Eles não têm celular, carro, gasolina. Nós também diminuímos vários cargos. Já chegaram a 420 e hoje são cerca de 260”, elenca. Ele ainda afirma: “Na Câmara de Vila Velha quase não trabalhamos com empresa nenhuma, pois quanto mais contratos, mais gastos”.

CONTRATOS

Em Vila Velha, o contrato de valor mais alto da Câmara, de R$ 240 mil anuais, refere-se ao pagamento de serviços de limpeza. Em segundo lugar vem o contrato de manutenção de suporte de sistema informatizado, ao custo de R$ 204 mil mensais. As informações constam no Portal de Transparência da Câmara e foram confirmadas pela assessoria.

Já na Câmara de Cariacica, que em 2017 apresentou a menor despesa per capita da Grande Vitória (de R$ 43,13), um dos contratos mais robustos também é voltado para a prestação de serviços de tecnologia da informação. O pagamento anual é de R$ 190 mil. Já o aluguel de um outro prédio, onde fica a presidência e outros gabinetes, sai ao custo de R$ 23.500 mensais. Em 2018, o duodécimo executado pela cidade foi de R$ R$ 17.638 milhões.

Já na Serra, que nos últimos anos possui a câmara mais cara para os cofres públicos e em 2018 teve despesa total de R$ 32,45 milhões, o maior gasto com contratos vai para os tíquetes de alimentação, que custam cerca de R$ 3,3 milhões ao ano. A Casa tem 450 funcionários.

Entre os contratos mais caros da Câmara de Vitória estão a contratação de uma empresa de suporte de sistema informatizado (R$ 302.393,70) e de vigilância e segurança armada, cujo valor do segundo aditivo em 2019 é de R$ 342,9 mil.

ANÁLISES

Devemos questionar a despesa com as câmaras, sim

O que vemos hoje é que o orçamento dos Legislativos municipais não guarda relação com a atividade legislativa e sim com o volume da receita e o porte populacional dos municípios. Dois casos extremos são os municípios de São Paulo e Rio de Janeiro. Em ambos, o Poder Legislativo abrange, além da Câmara de Vereadores, um Tribunal de Contas, cada um. Isso custou, em 2017, R$ 880 milhões para a população do Rio de Janeiro, e R$ 700 milhões para a de São Paulo, cidades que acumulam problemas urbanos de toda a sorte. No Espírito Santo, um caso que chama a atenção é o da Câmara de Anchieta, município com apenas 28.736 habitantes (dado de 2018) e que gastou R$ 13,5 milhões, em 2017, montante próximo da Câmara de Linhares, que despendeu

R$ 14,5 milhões no mesmo ano, porém, a cidade conta com uma população 6 vezes maior, de 170.364 habitantes. Outros municípios recebedores de royalties apresentam a mesma característica de elevado gasto com a Câmara. Ao se pensar a eficiência do gasto, devemos questionar a despesa com as câmaras, sim, assim como as despesas com o Judiciário.

Tânia Villela, economista

Dever de todos

A situação fiscal do país é grave e o Legislativo é parte do problema. Essa situação deve ser enfrentada pelos três Poderes. Ainda que o Espírito Santo esteja em posição privilegiada na comparação com outros Estados, o Legislativo deve fazer os mesmos esforços no sentido do equilíbrio das contas públicas que faz o Executivo. Temos visto que essa situação da despesa do Legislativo, em muitos lugares, é decorrente de aumento de pessoal. Deve ser colocado de maneira clara para a sociedade quem está fazendo o esforço para o reequilíbrio fiscal e quem está puxando a corda para o outro lado.

Gil Castello Branco, fundador da associação Contas Abertas

ENTENDA O NOSSO TRABALHO

Por que fizemos esta reportagem?

Acompanhar o desempenho dos gastos públicos é um dever do jornalismo. Por isso, as câmaras municipais também merecem atenção.

Como apuramos as informações?

Os dados foram retirados do anuário Finanças dos Municípios Capixabas e avaliados por especialistas. A análise foi feita de 2014 – ano em que a crise atinge as contas – e 2017, que é a informação mais recente disponível.

O que fizemos para garantir o equilíbrio?

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Foram ouvidos especialistas e também gestores das câmaras.

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