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Cem dias: Bolsonaro entre a polêmica e a dificuldade de diálogo

Cem dias: Bolsonaro entre a polêmica e a dificuldade de diálogo

Gestão é marcada por recuos em série, brigas envolvendo filho do presidente, intrigas e falta de articulação política com o Congresso

Publicado em 10 de abril de 2019 às 01:01

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Jair Bolsonaro enviou ao Congresso proposta de reforma da Previdência, mas relação com deputados é tensa. (Antonio Cruz/ABR)

Desde outubro de 2018, as expectativas se voltaram para os rumos do governo de Jair Bolsonaro (PSL), que faria sua estreia no Executivo cercado por desafios, entre os quais o de emplacar a reforma da Previdência e o de agilizar a agenda da Segurança Pública, uma das bases de sua popularidade. Nesta quarta-feira (10), no entanto, o presidente chega ao centésimo dia à frente do país em meio a um cenário bem diferente do esperado.

Desentendimentos internos, recuos e dificuldades de diálogo com o Congresso têm estagnado o governo em áreas estratégicas como a educação e colocado em xeque sua aprovação social. Entre janeiro e março deste ano, o percentual de eleitores que consideram o governo bom ou ótimo caiu de 49% para 34%, de acordo com o Ibope, um número menor em relação aos últimos três presidentes em princípio de mandato.

A reforma da Previdência tramita a passos lentos na Câmara, assim como o pacote anticrime proposto pelo ministro da Justiça, Sergio Moro.

> Veja seis pontos dos 100 dias de governo de Bolsonaro no fim desta reportagem

FALTA DE TRAQUEJO

Mas para o coordenador do Centro de Pesquisa de Justiça e Sociedade da FGV Direito Rio, Michael Mohallem, a falta de traquejo para lidar com o parlamento é mais profunda.

“Há alguns dias a Câmara aprovou a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) do orçamento impositivo – que tira do governo o poder de remanejar despesas. Antes, os deputados derrubaram o decreto do governo que aumentava o número de servidores que poderiam transformar dados públicos em ultrassecretos”, lembra. Mohallem também destaca a agenda tímida do governo no Legislativo. Algo incomum nesta fase da gestão.

"Nos outros governos era comum que cada ministério apresentasse suas ideias no início, como projetos de lei. Há um esvaziamento", aponta. Uma das razões para isso seria o distanciamento de Bolsonaro e dos ministros diante das agendas.

Mas o cientista político da Manckenzie Rodrigo Prando ressalta também os conflitos que abalaram os Poderes: "Ninguém menos que o presidente da Câmara, que controla a pauta, começa a discutir com o presidente".

Prando refere-se a Rodrigo Maia (DEM). Insatisfeito com as críticas de Carlos Bolsonaro - vereador do Rio pelo PSC e filho do presidente da República -, que o acusou de integrar a "velha política", Maia sinalizou que se afastaria da articulação em prol da reforma da Previdência.

CRISES INTERNAS

"Quase todas as crises desse governo tiveram origem interna. Não foram provocadas pelo Ministério Público, pela imprensa ou pela oposição e sim pelo próprio Bolsonaro, por seus filhos ou por ministros que deram declarações desastrosas ou tomaram decisões discutíveis", reforça o professor.

No bojo das polêmicas, inclui-se a atuação do ex-ministro da Educação Ricardo Vélez, que foi exonerado do cargo esta semana após autorizar demissões em série. Vélez foi incapaz de controlar a crise interna vivida no MEC, que é alvo de disputas entre militares, técnicos e discípulos do guru de Bolsonaro, Olavo de Carvalho.

Em fevereiro, o então ministro da Secretaria Geral, Gustavo Bebianno, também deixou o cargo em meio a denúncias de supostas irregularidades no caixa do PSL, o qual Bebianno presidiu durante a campanha de 2018. Nos bastidores, porém, comenta-se que o afastamento do ex-ministro foi provocado por sua indisposição com Carlos Bolsonaro.

Para o consultor de marketing político Darlan Campos, o impacto das mudanças ministeriais nesta gestão foi muito maior se comparado ao de outros governos. "Outra diferença é que Bolsonaro permaneceu com o discurso de campanha. A tradição até antes dele era de que, apesar do acirramento do pleito, o ganhador migrar para o centro, baixando o tom com a oposição, tentando aglutinar. Bolsonaro mantém o acirramento. Isso sugere duas interpretações: uma de que ele precisa manter sua base mobilizada e por isso traz esses temas sensíveis. Outra é de uma imaturidade no trato político", diz.

O radicalismo do discurso também se transfere para as relações internacionais. Segundo Mohallem, a diplomacia brasileira no governo Bolsonaro abandonou a posição de mediadora para assumir um viés ideológico ao alinhar-se "incondicionalmente" com países como Estados Unidos e Israel. "Isso pode prejudicar relações comerciais com países em conflito", analisa.

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Por outro lado, os especialistas destacam um ponto positivo da atual gestão: a estabilidade gerada pelos ministérios assumidos por militares, que, segundo Darlan Campos, não têm sua capacidade técnica questionada. Já Prando destaca: "O vice-presidente Amilton Mourão mostrou-se muito mais preparado para a liturgia do cargo do que o presidente".

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