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Justiça eleitoral no ES: falta estrutura para julgar crimes comuns

Justiça eleitoral no ES: falta estrutura para julgar crimes comuns

Juízes e promotores querem mais suporte para investigações maiores. A Justiça Eleitoral, por entendimento do STF, tem a tarefa de julgar crimes conexos ao caixa dois

Publicado em 30 de abril de 2019 às 00:53

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( Vitor Jubini)

Com a nova tarefa de julgar também crimes comuns, como corrupção e lavagem de dinheiro, quando ligados à prática de caixa dois, juízes e promotores estaduais que atuam na Justiça Eleitoral defendem a necessidade de repensar a estrutura dos órgãos jurisdicionais para dar um bom suporte também aos casos criminais.

A Justiça Eleitoral, que é acostumada a lidar com delitos como boca de urna e compra de votos, passará a julgar, a partir de agora, processos que podem ter a complexidade e a envergadura da Operação Lava Jato. A alteração da competência dessas ações judiciais foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 14 de março.

Enquanto em algumas cidades, como em Curitiba e no Rio de Janeiro, há procuradores e juízes em dedicação exclusiva a processos da Operação Lava Jato – boa parte deles pelo crime de caixa dois conexo ao de corrupção –, no Espírito Santo não há nenhum processo em curso nessa situação, e que migraria da Justiça Federal para a Eleitoral.

Estrutura da Justiça Eleitoral e Federal para julgar crimes. (Genildo Ronchi)

No Estado, a Justiça Eleitoral é mais capilarizada: são 50 juízes e 50 promotores atuando nos cartórios eleitorais. Como acumulam o trabalho nas Varas e nas Promotorias em que estão lotados, eles têm que dividir o tempo, durante a semana, entre os despachos, processos e audiências dos dois locais. Pela função extra, recebem um adicional de R$ 5.390,26.

Já a Justiça Federal conta com três Varas com competência criminal, sendo duas em Vitória e uma em Cachoeiro de Itapemirim, e quem atua nos processos são procuradores do Ministério Público Federal (MPF).

Tanto na Eleitoral quanto na Federal, cada juiz possui dois assessores diretos para os processos eleitorais. Já os representantes do Ministério Público não dispõem de equipes extras de apoio para a função eleitoral.

Por esta razão, associações de classe que representam os juízes estaduais e os promotores de Justiça consideram necessária uma reestruturação desse ramo do Judiciário, e que Ministério Público e Polícia Federal também recebam investimentos para absorver a nova atribuição.

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Teremos que usar o aparato de investigação e de servidores do Ministério Público Estadual para atuar nas causas eleitorais. Será necessário melhorar a estrutura

Pedro Ivo de Sousa, presidente da AESMP
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"Há uma preocupação em relação aos aspectos práticos dessa decisão do STF. A Justiça Eleitoral é habituada com crimes de compra de votos, propaganda irregular, que geralmente são flagrantes. Crimes como corrupção ou lavagem de dinheiro nas eleições são mais complexos para a investigação e o processamento. Nossos profissionais são preparados, mas vão precisar de um melhor aparato para desenvolver o trabalho", afirmou o presidente da Associação Espírito-Santense do Ministério Público (AESMP), Pedro Ivo de Sousa.

Ele também lembra que juízes e promotores eleitorais são nomeados para ficar na função por dois anos, e esta rotatividade poderia prejudicar o processamento de casos mais complexos. A Lava Jato, por exemplo, já completou cinco anos e é conduzida pelas mesmas equipes.

O presidente da Associação dos Magistrados do Espírito Santo (Amages), Daniel Peçanha, acredita que não deve haver prejuízos na seara judicial, já que os magistrados estaduais estão acostumados às causas criminais. No entanto, ressalta que há diferença no trabalho desempenhado na Justiça Eleitoral que, por sua natureza, tem processos que demandam resolução célere, como pedidos de cassação de mandato.

A logística necessária para administrar as Varas de origem e o cartório eleitoral é uma preocupação.

"Geralmente o juiz tem que executar as funções eleitorais em horários alternativos, ter uma boa organização para gerenciar a pauta de audiências, pois não pode deixar sua Vara prejudicada. Em época de eleições, o volume de trabalho é muito maior, o que pode comprometer o andamento de uma eventual investigação de grande porte", disse.

ASPECTOS

Embora elogie a atuação da Justiça Eleitoral, o professor da USP e ex-juiz eleitoral em São Paulo, Paulo Henrique Lucon também prevê dificuldades.

Um fator é a própria composição da Justiça Eleitoral, que não tem membros fixos, mas magistrados "emprestados" de outros tribunais e advogados – que não são magistrados de carreira – integrando os Tribunais Regionais Eleitorais.

Ele lembra que além das dificuldades com o caixa dois, há o problema do "caixa um", que é o financiamento declarado pelo partido e pelo candidato, mas que é oriundo de verbas de corrupção ou ilícitas. "Como a fiscalização raramente vai a campo, não há um contraponto àquilo que é declarado na prestação de contas pelo partido, e quase todos têm as contas aprovadas", pontuou.

No mês passado, a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Rosa Weber, definiu a criação de grupo de trabalho para viabilizar julgamentos de crimes comuns com conexão eleitoral. A intenção é apontar soluções para a implementação do entendimento do STF.

Em cinco anos, 11 condenações por crime eleitoral no tribunal

Em cinco anos, a Justiça Eleitoral do Espírito Santo realizou 11 condenações por crimes eleitorais confirmados em segunda instância, ou seja, pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE).

Entre os casos, três deles foram pelo crime de "falsidade ideológica eleitoral", popularmente conhecido como caixa dois.

Em apenas um dos processos, cujo réu era o prefeito afastado de Itapemirim, Luciano Paiva (Pros), a acusação foi pelo crime eleitoral de caixa dois conexo a um crime comum – no caso, de apropriação indébita –, e que seria impactado pela decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF).

Além disso, houve ainda a condenação do ex-deputado estadual Almir Vieira (PRP), em 2017, que culminou inclusive com a cassação do mandato dele. No entanto, ele foi enquadrado na conduta de "captação ilícita de recurso para fins eleitorais", cuja punição máxima é a perda do cargo.

Já a "falsidade ideológica eleitoral" ou caixa dois, por ser crime, tem como pena até cinco anos de reclusão e multa. O delito, assim como todos os crimes eleitorais, são considerados como de menor potencial ofensivo, portanto, dificilmente alguém é preso. As penas quase sempre são substituídas por penas "restritivas de direitos", como prestação de serviço comunitário, multa e limitações de final de semana, por exemplo.

Os crimes eleitorais têm incidência restrita, porque, em geral, estão relacionados às eleições, ou seja, ocorrem basicamente a cada dois anos.

Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), entre os principais crimes eleitorais cometidos nas últimas duas eleições está a "corrupção eleitoral", que é diferente do crime de corrupção do Código Penal. O delito eleitoral consiste em dar, oferecer, solicitar ou receber dinheiro para conseguir votos.

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Também estão entre os mais praticados o crime de boca de urna, o de propaganda política no dia da eleição, o de fornecimento de transporte irregular de eleitores durante a eleição, o de inscrição fraudulenta de eleitores, e o uso de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar.

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