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Operação Lava Jato: combate à corrupção marcado por polêmicas

Operação Lava Jato: combate à corrupção marcado por polêmicas

Para analistas, força-tarefa cometeu excessos durante investigações

Publicado em 20 de abril de 2019 às 01:11

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Policiais federais durante o cumprimento de mandados de busca e apreensão da Operação Lava Jato. (Arquivo/Agência Brasil)

Com cinco anos de atuação e mais de 50 fases deflagradas, a Operação Lava Jato consagrou-se como um marco no combate à corrupção e à lavagem de dinheiro no Brasil. Por outro lado, não passou imune às polêmicas. Para além de seus méritos, especialistas também apontam um rastro de excessos que teriam sido cometidos por procuradores da República e juízes federais, que vão desde o desrespeito às garantias constitucionais até a politização das ações de investigação.

O debate foi reacendido no último mês após o ex-presidente Michel Temer (MDB) ser preso preventivamente. Acusado de comandar uma organização criminosa que atua há mais de 40 anos no setor público, Temer ficou detido por quatro noites na sede da Polícia Federal do Rio de Janeiro.

A determinação da prisão dada pelo juiz da 7ª Vara Federal do Rio, Marcelo Bretas, foi amplamente contestada por juristas. Primeiro, porque Temer não foi condenado. Segundo, porque não havia na decisão de Bretas elementos claros que justificassem a prisão preventiva, como a existência de risco concreto representado pela liberdade do emedebista.

O coordenador do Centro de Pesquisa de Justiça e Sociedade da FGV Direito do Rio, Michael Mohallem, não só reafirma tal análise como também chama atenção para o contexto em que a decisão foi tomada, no qual a Lava Jato vinha sofrendo sucessivas derrotas no Supremo Tribunal Federal (STF).

Cerca de uma semana antes da prisão de Temer, o STF decidiu que crimes comuns (como corrupção), quando associados a crimes eleitorais (como caixa dois), devem ser julgados pela Justiça Eleitoral, o que tira das mãos do MPF do Paraná processos importantes. Um dia depois, em 14 de março, o ministro Alexandre de Moraes suspendeu um polêmico acordo entre o MPF e a Petrobras para a criação de um fundo privado bilionário com dinheiro de multa que seria administrado pelos procuradores da Lava Jato.

"A leitura que se fez é que havia um momento de enfraquecimento da Lava Jato e nesse momento veio uma decisão muito forte e questionável daquele que se tornou o braço talvez mais notório da operação, que é o Bretas", argumenta.

Mohallem estabelece um paralelo com uma outra situação que também foi alvo de inúmeras críticas tanto por aspectos legais quanto por sua repercussão política. Em março de 2016, o então juiz federal Sérgio Moro – hoje ministro da Justiça – retirou o sigilo de interceptações telefônicas do ex-presidente Lula (PT), expondo um áudio entre o petista e a então presidente Dilma Rousseff (PT). No áudio, Dilma afirmava que mandaria a Lula o "termo de posse" para "caso de necessidade". A fala foi interpretada pela oposição como uma tentativa de Dilma de dar foro privilegiado a Lula.

"Além da ilegalidade da quebra do sigilo, aquela informação foi divulgada próximo a um processo de impeachment, e Lula havia acabado de ser nomeado ministro da Casa Civil. Não há como deixarmos de observar esse contexto político que a operação assume", pontua o professor, que completa: "A Lava Jato cometeu sim equívocos e abusos, embora seja uma operação com muito mais acertos do que erros".

O professor de Direito Constitucional da FDV Caleb Salomão segue a mesma linha de análise. "Foi o uso político de um instrumento processual obtido fora do prazo de gravação que havia sido permitido. Moro não foi juiz ali, foi político", afirma.

Para Salomão, a Lava Jato cometeu "erros técnicos, estratégicos e muitos deles lesando a Constituição da República".

No bojo das ações que considera abusivas, o professor também cita o episódio da condução coercitiva de Lula em 2016. "De novo a Lava Jato agiu politicamente para enfraquecer a figura de Lula. O ex-presidente nem foi convidado a prestar depoimento. Não houve intimação prévia", destaca.

Erika Chioca Furlan, professora de Direito Penal da Mackenzie Campinas, defende que os excessos ou abusos ocorreram no âmbito das prisões preventivas. "Muitas delas realizadas para conseguir provas, como a delação premiada ou a confissão. Alguns acusados tiveram a prisão decretada e revogada mais de uma vez."

A professora completa: "Ela desrespeitou e ainda desrespeita garantias constitucionais, a exemplo do estado de inocência, arduamente conquistado pelos brasileiros".

PRECIPITAÇÃO

No entanto, Ricardo Gueiros, professor de Direito Penal da Ufes, considera "precipitado" dizer que a Lava Jato cometeu abusos. Para ele, a legislação brasileira é o cerne do problema.

"Sem dúvida, as maiores controvérsias dizem respeito às prisões, sendo que ainda nem existe condenação em segunda instância. Mas é culpa da Lava Jato? É culpa do juiz? É culpa de quem? É difícil comprometer as partes porque a legislação usa termos muito vagos. O Código de Processo Penal diz que vai caber prisão provisória, por exemplo, para garantia da ordem pública. É um termo extremamente vago", pondera.

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Michael Mohallem acredita que os membros da operação poderão evitar erros futuros com base nos já cometidos. "É um aprendizado institucional. As delações premiadas, por exemplo, são bons instrumentos, mas que foram superestimados em alguns momentos. Mas hoje já é mais difícil fazer delação. Isso foi um avanço".

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