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Réu, conselheiro aposentado vai receber retroativos. Pode isso?

Réu, conselheiro aposentado vai receber retroativos. Pode isso?

Pagamento de férias-prêmio, como no caso de José Antonio Pimentel, é legal, mas situação levanta outros debates, como a própria existência do benefício

Publicado em 22 de maio de 2019 às 22:49

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José Antonio Pimentel aposentou-se antecipadamente em julho de 2018. (Guilherme Ferrari)

Além dos rendimentos de R$ 21,7 mil mensais, o conselheiro aposentado do Tribunal de Contas do Estado (TCES) José Antonio Pimentel vai contar também com valores retroativos referentes a férias-prêmio. O benefício, como o Gazeta Online mostrou, foi concedido administrativamente pelo próprio TCES e é legal, mas causa estranhamento.

Isso porque Pimentel é réu em ação penal, após ter sido acusado de crimes como corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

"Tem certas coisas que a gente estranha, mas o caso é de direito adquirido", destaca o advogado especializado em Direito Público Marcelo Zenkner. "Mesmo que ele já tivesse sido condenado, se já estivesse preso, teria direito a receber esses valores", acrescenta.

A Lei Complementar 234/2002, concede aos magistrados estaduais férias-prêmio de três meses a cada cinco anos de serviço público ininterrupto. Os conselheiros do TCES têm isonomia em relação à carreira dos desembargadores. Assim, também fazem jus ao benefício. Se as férias não são gozadas, podem ser pagas em dinheiro.

Para que Pimentel perdesse o direito ao pagamento, somente se fosse flexibilizado, por meio de alteração constitucional, o conceito de presunção de inocência. "O que não acho que seria adequado", pontua Anderson Pedra, doutor em Direito e professor da FDV. "O que se pode discutir é a existência das férias-prêmio", complementa.

POR QUÊ?

Afinal, por que alguns entre os quadros do serviço público teriam direito a mais férias ou valores em dinheiro a título de indenização somente por terem trabalhado por cinco anos na função que escolheram exercer?

"Antes de 1988, um juiz recebia três, quatro salários mínimos (de salário). Foram criando esses benefícios para a carreira ficar atrativa. Só que houve uma evolução na remuneração e os benefícios permaneceram. Não digo que deve ser extinto o benefício (das férias-prêmio). Mas vale uma discussão, assim como a respeito das férias de 60 dias (magistrados, membros do Ministério Público e conselheiros de contas têm direito a 60 dias de férias anuais e não 30)", disse Pedra.

Seja qual for o desfecho do caso em questão, para o professor de Ética do Departamento de Direito da Ufes, Júlio Pompeu, o problema maior, que é o que difere a situação toda de algo similar que poderia ocorrer na iniciativa privada é o fator tempo.

"Se você compara com alguém que não seja conselheiro do TCES, que seja um trabalhador do comércio, da indústria ... Se essa pessoa é mandada embora por cometer um furto na empresa, por exemplo, como ela contribuiu para o INSS, ela pode se aposentar, ela não perde isso. A aposentadoria está ligada ao tempo de contribuição e à idade. Acontece o mesmo no serviço público. Não é porque a pessoa cometeu um erro, ou um crime, que ela perde o que ela contribuiu. O que chama atenção no caso do Pimentel não é nem isso", avalia Pompeu.

"Numa empresa, quando se descobre um erro ou um crime, a pessoa imediatamente perde o emprego, não tem esse tempo entre começar a investigar um crime e você mandar a pessoa embora. E no serviço público esse processo demora. Enquanto é investigado, ou preso, situações jurídicas como essa ocorrem. A justiça tarda, mas não falha? Demorar já é falhar", vaticina.

O CASO

Depois de ter virado réu no STJ, quando estava afastado do cargo, Pimentel pediu aposentadoria antecipada. Ele teria mais oito anos como conselheiro. Na inatividade, perdeu o foro especial na Corte, o que foi definido em novembro de 2018. A ação, então, foi remetida à primeira instância da Justiça do Espírito Santo. A baixa definitiva, de acordo com o andamento processual no site do STJ, ocorreu em janeiro deste ano. A reportagem não conseguiu contato com a defesa de Pimentel na esfera penal. 

LEGALIDADE

Quanto à questão administrativa, o pagamento dos retroativos, o advogado Weber Campos Vitral afirma que "tudo que está sendo objeto de pleito administrativo tem expresso embasamento na lei".

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Por meio de nota, o Tribunal de Contas informou o seguinte: "No Espírito Santo, a Lei Complementar 234/2002 assegura o direito às férias-prêmio aos magistrados. Neste sentido, em julgamento nesta terça-feira (21), o TCES apenas reconheceu o direito trabalhista já garantido relativo ao período efetivamente trabalhado pelo conselheiro. Caso assim não fizesse, teria que pagar judicialmente o referido direito, com os devidos acréscimos legais, inclusive juros de mora e honorários advocatícios, gerando dano".

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