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Apesar da crise, sobram milhões no caixa dos Poderes no Espírito Santo

Apesar da crise, sobram milhões no caixa dos Poderes no Espírito Santo

Excluindo o Executivo, valor em 2018 chega a quase R$ 250 milhões. Em tempos de queda de receita, especialistas ouvidos pelo Gazeta Online defendem a devolução das sobras

Publicado em 29 de junho de 2019 às 21:50

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Assembleia registrou R$ 22,7 milhões livres em caixa em 2018. Já o Tribunal de Justiça teve sobra de R$ 130,5 milhões no ano passado. (Marcelo Prest)

Apesar da crise financeira que atinge o país desde meados de 2014 e que ainda hoje vem fazendo com que o governo do Estado adote uma postura no mínimo cautelosa em relação aos gastos e investimentos, tem sobrado dinheiro no cofre dos demais Poderes no Estado.

Nos últimos anos, Tribunal de Justiça, Tribunal de Contas, Assembleia Legislativa, Ministério Público e Defensoria Pública estadual têm registrado milhões de reais em caixa. Trata-se de um dinheiro livre e, portanto, sem vinculação a nenhuma despesa. Somente em 2018, a soma da disponibilidade de caixa líquida desses órgãos chegou ao patamar de quase R$ 250 milhões. Já em 2017, as cifras chegaram a mais de R$ 213 milhões.

Os dados foram obtidos por meio de um levantamento feito pelo

Gazeta Online

, que analisou os Relatórios de Gestão Fiscal dos Poderes entre os anos de 2015 e 2018.

Para o cálculo, foram subtraídos da disponibilidade de caixa bruta dos órgãos (referente a todo o dinheiro que sobrou em caixa ao final de cada exercício), recursos que já poderiam estar comprometidos com terceiros, como restos a pagar processados e não processados do ano em questão e de anos anteriores, além de outras obrigações financeiras.

Também foram subtraídos os recursos pertencentes a fundos especiais dos órgãos que os possuem. A exceção são os valores do Fundo Especial do Ministério Público Estadual (Funemp) e do Fundo Estadual de Reparação dos Interesses Difusos Lesados (FERIDL) – ambos ligados ao MPES – relativos a 2017 e a 2018, que não foram localizados no Portal de Transparência e não foram informados pela instituição.

CAMPEÃO

O capital livre em caixa diz respeito a tudo aquilo que restou dos recursos que foram repassados mensalmente aos Poderes por parte do Executivo. Trata-se do chamado duodécimo, cujos valores são definidos com base no orçamento anual que é elaborado por cada órgão e enviado ao governo estadual.

O campeão de recursos livres é o Judiciário. Desconsiderando-se os cerca de R$ 82 milhões vinculados ao seu fundo especial, o Tribunal de Justiça (TJES) fechou 2018 com um total de R$ 130,5 milhões livres em caixa. Já em 2017 foram R$ 105,3 milhões, enquanto em 2016 foram R$ 111,7 milhões e em 2015, R$ 19,2 milhões.

O Tribunal de Contas, que ao final do ano passado possuía R$ 64,1 milhões disponíveis, ocupa a segunda posição nesse ranking, seguido do Ministério Público, que contava com R$ 29,7 milhões (sem considerar o valor dos fundos especiais, que não foram informados) e da Assembleia, com R$ 22,7 milhões. Por último vem a Defensoria Pública, que contou com um superávit de R$ 2,77 milhões.

DESTINO

Conforme explica o economista Juliano César Gomes, para que o dinheiro que sobra seja utilizado pelos próprios Poderes, o governo do Estado precisa elaborar projetos de lei de abertura de créditos adicionais suplementares.

"Quando os Poderes fazem essa requisição, nós sempre mantemos um bom diálogo, pois temos uma preocupação muito grande com o cumprimento do teto de gastos. Então, essa abertura é muito bem articulada. Nós temos uma relação muito boa com os Poderes", garante o secretário de Estado da Fazenda (Sefaz), Rogelio Pegoretti.

Por outro lado, os montantes também poderiam ser devolvidos para o caixa do Executivo.

"Como os demais Poderes não podem determinar a finalidade de utilização desses recursos, eles voltariam para o governo sem amarrações, podendo ser usados em qualquer coisa", explica Juliano César Gomes.

A título de comparação, os quase R$ 250 milhões acumulados pelos demais Poderes no último ano são mais do que o orçamento anual estipulado para a Secretaria de Estado de Direitos Humanos para 2019, que, segundo a Lei Orçamentária Anual (LOA 2019), é de R$ 226,5 milhões. É também praticamente metade dos R$ 499,9 milhões que deverão ser destinados à Polícia Civil este ano por meio da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp).

No entanto, o titular da Sefaz defende que as cifras permaneçam sob os cuidados dos órgãos.

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Eu entendo que nós temos que respeitar a autonomia dos Poderes, que é garantida pela Constituição Federal. Cada Poder tem seu orçamento, tem sua receita de acordo com os duodécimos que eles recebem. Alguns têm fundos que possuem receitas próprias, como o Judiciário, e eles devem ser autônomos para gerir os recursos que são confiados a eles

Rogelio Pegoretti, secretário de Estado da Fazenda
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O secretário também destaca que o governo tem sido rigoroso em sua gestão fiscal, motivo pelo qual o Estado se encontra em boa situação financeira. Assim, reforça: "Esse recurso poderá ser muito bem aplicado nas funções institucionais de cada um dos Poderes".

Especialistas defendem devolução

Especialistas consultados pelo Gazeta Online defendem que o dinheiro livre no caixa dos Poderes no Espírito Santo deve ser devolvido ao Executivo. Para eles, em tempos de crise e queda de receita , todo recurso que sobra deveria ser aplicado em prioridades.

Advocacia-Geral da União: dispositivo para bloquear recursos de Poderes. (AGU/Divulgação)

Para o conselheiro do Conselho Regional de Economia (Corecon-ES) Juliano César Gomes, tal destinação seria "mais prudente" e "mais responsável", uma vez que os milhões poderiam ser utilizados no reforço de políticas públicas que impactam diretamente a qualidade de vida da população. "O Estado tem problemas em diferentes áreas, que precisam de recursos", pontua.

Da mesma forma analisa o também conselheiro do Corecon-ES, Sebastião Demuner.

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Não é que o Legislativo e o Judiciário sejam melhores ou piores que o Executivo. Mas nós passamos por uma crise violenta, talvez a maior dos últimos 100 anos. É uma questão de bom senso investir em prioridades

Sebastião Demuner, conselheiro do Corecon-ES
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Demuner cita como exemplo a área da saúde.

"Com a crise financeira, muitas pessoas perderam planos de saúde e agora utilizam o SUS (Sistema Único de Saúde). Essa é, então, uma área que certamente precisa de recursos", diz o economista.

Ele pondera que, para evitar a sobra de recursos, deveria haver uma revisão durante o planejamento dos orçamentos, a fim de que o duodécimo repassado aos Poderes diminuísse.

O doutor em Direito e professor de Direito Empresarial da Mackenzie Armando Luis Rovai também é a favor da devolução ao Executivo. Em sua avaliação, a sobra de recursos não deveria acontecer: "Parece que há má gestão para não gastar os recursos ou há um problema na origem, quando foi pensado um valor além do necessário. Ministério Público e Tribunal de Contas devem fiscalizar isso".

FRUSTRAÇÃO

As dificuldades financeiras enfrentadas pelos Executivos estaduais, que assumem sozinhos os ajustes nas contas, enquanto os demais Poderes são blindados dos apertos foi um tema levado recentemente pela Advocacia-Geral da União (AGU) ao Supremo Tribunal Federal (STF). Em documento enviado aos ministros, a AGU defende uso de um dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que permite aos chefes dos Executivos bloquear recursos dos demais Poderes, caso eles não adotem essa providência em situações de frustração de receitas.

Juliano César Gomes explica que tal dispositivo sofreu uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por, em tese, ferir o princípio de autonomia dos Poderes. Por isso, o tema é polêmico.

Já o secretário de Estado da Fazenda, Rogelio Pegoretti, destaca que este trata-se de um dispositivo previsto pela LRF como uma exceção e descarta a possibilidade de utilizá-lo no Estado.

"Não vislumbramos qualquer risco de isso ocorrer. Durante a transição nós revisamos o Orçamento do Estado e rebaixamos as expectativas de receita para evitar que haja frustração", disse.

Recursos para fazer investimentos e melhorias

Com exceção do Ministério Público Estadual (MPES), que não respondeu aos questionamentos do Gazeta Online, os Poderes afirmam que o dinheiro livre em seus caixas é fruto de sua própria economia.

A Assembleia Legislativa, por exemplo, sustenta que nos últimos dois anos, a Casa reduziu pela metade os valores pagos em gratificações, cortou custos com diárias, passagens e segurança, além de reduzir despesas com manutenções. O dinheiro poupado foi aplicado em melhorias internas, como a abertura do Procon da Assembleia e a reabertura do restaurante.

Já o Tribunal de Justiça (TJES) informou que além de ter sido impedido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) de dar reajustes e promoções a servidores e ter exonerado comissionados, o Judiciário vem promovendo a redução de despesas mesmo antes da crise financeira. O órgão diz que o superávit será usado para absorver despesas e fazer investimentos.

A Defensoria Pública afirma que houve racionamento de recursos em 2018 com o objetivo de empossar, este ano, os defensores aprovados em concurso. Seis deles já foram nomeados. Os valores de superávit do ano passado foram devolvidos ao Executivo, mas a Defensoria conseguiu reaver cerca de R$ 1,6 milhão para dar continuidade a projetos.

O dinheiro também retornou à instituição entre 2015 e 2017. "A retenção do superávit pelo Executivo prejudica ainda mais a prestação dos serviços da Instituição, uma vez que o nosso orçamento já é bastante enxuto", defendeu.

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O Tribunal de Contas também atribui o superávit à redução de despesas. Este ano, parte do dinheiro é investido em um projeto de energia fotovoltaica, além de outras reformas na sede da Corte de Contas.

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