Uma proposta de limitar os salários acima do teto constitucional, os chamados supersalários, pagos ao funcionalismo público, está sendo estudada pelo Ministério da Economia. A ideia é que a remuneração fique limitada à média salarial de funcionários que exercem função semelhante no setor privado.
A informação é da colunista Mônica Bergamo, da "Folha de S. Paulo". De acordo com o relatório do Banco Mundial de 2018, a folha de pagamento do setor público brasileiro consome em torno de 13% do PIB, fatia alta para padrões internacionais.
E ao considerar experiências profissionais e formações acadêmicas similares, e comparando carreiras nos setores público e privado, o estudo estimou que os salários são em média 96% mais altos no nível federal e 36% mais altos no nível estadual quando comparados ao setor privado. Somente os salários municipais estão, em média, alinhados com os equivalentes no setor privado.
O governo ainda não detalha de que forma esta equiparação entre o público e o privado seria posta em prática. O Ministério da Economia foi procurado, mas não comentou sobre a proposta.
Especialistas consultados pelo Gazeta Online defendem que as distorções provocadas pelos supersalários precisam ser enfrentadas e debatidas, mesmo que a nova proposta da equipe do ministro Paulo Guedes não prospere.
Isso porque dada a grande parcela do gasto público dedicada à folha de pagamento, nenhum ajuste fiscal será bem-sucedido sem um controle do crescimento salarial do setor público, como aponta o economista e representante da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco.
Ele também destaca que há inúmeras variantes legais e interpretações jurídicas que garantem supersalários, além dos reajustes. A fórmula para multiplicar a remuneração acima do teto é rechear o contracheque com indenizações, gratificações, verbas retroativas e abonos, que não se submetem ao teto constitucional.
O resultado disso é que hoje quase 70% dos servidores públicos federais estão entre os 10% mais ricos da população na distribuição de renda.
OS SUPERSALÁRIOS
- O que são?
Os chamados supersalários ocorrem quando as remunerações dos servidores públicos ultrapassam o limite máximo a ser pago ao funcionalismo, que equivale ao teto estabelecido pela Constituição Federal.
- O teto salarial
Pela Constituição, nenhum funcionário público pode receber acima do teto, que é igual aos salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que é R$ 39.293,32.
- Mecanismo
As verbas recebidas no serviço público podem ser remuneratórias ou indenizatórias. Caso as remuneratórias ultrapassem o valor do teto, incide o chamado abate-teto, que desconta o valor excedente.
- Indenizações
Há hoje diversos tipos de pagamentos que são consideradas verbas indenizatórias, e não se submetem ao corte do abate-teto, nem sofrem desconto da Previdência e do Imposto de Renda. Entre elas, benefícios como o auxílio-alimentação, auxílio-saúde e auxílio-moradia.
- Beneficiados
Servidores de carreiras que já ganham salário próximo ao teto, como auditores fiscais, juízes e promotores, por exemplo
DESIGUALDADE
Castello Branco também pontua que dentro do próprio setor público existe uma grande desigualdade salarial, principalmente levando em conta rendimentos dos Poderes Legislativo e Judiciário.
"Temos também salários muito baixos, como de policiais, professores e médicos. Vemos que isso não é decidido pelo mérito da função, mas por classes que têm mais influência na Câmara e no Senado. Estamos falando de pessoas que recebem mais de R$ 100 mil por mês", afirma.
Dados de um estudo do Ipea, do final de 2018, mostram que na esfera estadual, os membros e servidores do Executivo ganham, em média, 40% das remunerações do Judiciário e 51% dos salários do Legislativo.
Nesse contexto, economistas defendem a necessidade de reformas estruturais, a começar por adequar a remuneração de entrada às práticas do mercado. É o que destaca a doutora em Economia e professora da Fucape, Arilda Teixeira.
Adiar reajustes previstos, tendo em vista a situação orçamentária, também poderia frear esse tipo de gasto, conforme Arilda.
Ela acrescenta que é preciso simplificar as carreiras e consolidar as negociações salariais com um número menor de grupos, já que hoje cada carreira negocia separadamente suas progressões salariais e benefícios, complicando a definição de políticas consistentes para remuneração.
Entidades de servidores criticam proposta
A complexidade para estabelecer parâmetros de uma média salarial dos funcionários públicos, comparados ao setor privado, para evitar os supersalários, é alvo de críticas e questionamentos por parte de associações de classe que representam esses servidores.
Elas questionam a viabilidade da proposta que está em estudo pela equipe econômica do governo federal. Entre as carreiras em que é mais comum que os salários ultrapassem o teto constitucional, por já possuírem uma remuneração muito próxima ao limite, de R$ 39,2 mil, e por contarem com uma série de benefícios e bonificações, estão as dos magistrados, membros do Ministério Público e Tribunal de Contas, procuradores e auditores da Receita.
O presidente da Associação dos Procuradores do Estado do Espírito Santo (Apes), Leonardo Pastore, classificou a ideia como uma discussão rasa no contexto do problema dos gastos com pessoal.
"Como o governo vai calcular os valores de referência para chegar à média dos salários no setor privado? Vai considerar benefícios que eles possuem, como FGTS, participações nos lucros? Corre-se o risco de chegar a uma média mais baixa que o real, ou mais alta. Além disso, os regimes de contratação e de contrato de trabalho entre o setor público o privado são diferenciados, e isso deve ser levado em conta".
Ele acrescenta que é importante que o serviço público ofereça bons salários. "Conforme a natureza de cada cargo, as remunerações não podem ser tão baixas, que desprestigiem as funções públicas. E ainda para se ter as pessoas mais capacitadas para ocupar o cargo, que tenham a intenção de ficar nele por um longo prazo, para que haja a continuidade do serviço público", afirma.
O presidente da Associação dos Magistrados do Espírito Santo (Amages), Daniel Peçanha, também apontou que haveria a dificuldade de encontrar, no setor privado, uma função com similaridade à de um juiz.
"As funções de juízes, promotores, e advogados são completamente distintas, e a única coisa que há em comum é a formação jurídica. Há carreiras que são típicas de Estado e isso tem que ser preservado. E vale lembrar que a remuneração para várias carreiras já foi mudada, alterando-se para a modalidade de subsídio, que é o pagamento de uma parcela única, que deve ser reajustado anualmente, o que não ocorre", ressalta.
Para o presidente da Associação Espírito-Santense do Ministério Público, Pedro Ivo de Sousa, o governo também poderia priorizar a valorização de suas instituições. "Somos um órgão preocupado com o momento social e econômico, mas não pode haver uma quebra do pacto do estado para com seu servidor", considera.
No mesmo sentido opinou o presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual, Carlos Heugênio Duarte.
"Não estamos falando de cabides de emprego, estamos falando de quem fez concurso, que faz o estado funcionar", defende.
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