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'Vivemos a polarização afetiva', afirma o Sérgio Abranches

"Vivemos a polarização afetiva", afirma o Sérgio Abranches

Para cientista político, inimizade política na era Bolsonaro é de outro tipo, vai além da oposição que se deu no passado entre PT e PSDB

Publicado em 9 de junho de 2019 às 00:55

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Trinta anos após a publicação do artigo em que cunhou o termo “presidencialismo de coalizão”, o cientista político Sérgio Abranches vê um governo que tenta suplantar a lógica partidária – ainda que a fragmentação de legendas permaneça no Congresso – e agir a partir de um novo tipo de polarização, a afetiva.

Em entrevista para o Gazeta Online, ele avalia que a estratégia do governo de convocar seguidores às ruas “é uma forma despolitizada de fazer política”.

Não é de hoje que nós, imprensa e cientistas políticos, falamos de polarização. Antes era PT x PSDB, agora Bolsonaro x quem é contra Bolsonaro...

A polarização PT x PSDB tinha a ver com um processo eleitoral claro em que PT e PSDB eram os únicos que disputavam competitivamente a Presidência da República. Era uma polarização eleitoral.

Em 2018, a polarização foi superada, houve uma ruptura. Não é uma nova polarização entre PSL e PT porque o PSL não é um partido ainda, não deu demonstração de capacidade de sobreviver pós-governo Bolsonaro.

A polarização eleitoral em si acabou. A gente tem uma polarização de novo tipo.

Se não tem polarização partidária, qual polarização temos?

A que eu chamo de polarização afetiva. Vivemos a polarização afetiva, do tipo “eu os odeio e nos amo”. Começou nos movimentos de rua em torno do impeachment da Dilma. Essa polarização, essa inimizade política, que é diferente da competição, persiste nas redes sociais e na posição hostil do Bolsonaro a todo tipo de oposição.

E como podemos avaliar as manifestações pró e contra governo neste contexto?

É uma forma de despolitizar a política. Esse tipo de posicionamento não produz movimento político organizado, enraizado e pressão para que o Congresso opere de uma determinada maneira.

O presidente mesmo incentivou os atos pró-governo após a manifestação em defesa da Educação.

Eles inspiram, atiçam e depois repercutem. É uma forma despolitizada de fazer política, personalista, populista. Isso é efêmero, não produz um modelo sustentável. É uma onda.

Ou esses setores mais populistas aceitam as regras do jogo e passam a atuar com agenda ou serão varridos eleitoralmente em algum momento.

Mas e se, ao contrário, esse novo modelo, que tem até um viés autoritário, for bem-sucedido?

Esgarça o tecido democrático, a democracia entra em recessão. Há risco concreto, não só no Brasil, de recessão democrática. É a democracia líquida. A democracia é um sistema que abriga adversários, inclusive os antidemocráticos.

A democracia não consegue constituir instrumentos de autodefesa para expelir os que são contra a democracia. Porque se ela fizer isso se transforma no seu contrário. Tem que deixar que forças antidemocráticas operem livremente e apostar que as forças democráticas prevaleçam.

Apesar desse discurso do nós contra eles, houve recentemente um pacto, “com o Supremo, com tudo”

Escrevi muito contra aquela reunião (que tratou de um pacto entre Executivo, Legislativo e Judiciário). O Toffoli não poderia fazer um acordo com Executivo e Legislativo porque ele não faz parte da política majoritária, ele não foi eleito. Ele deve cumprir a Constituição. Não pode prometer não julgar uma causa inconstitucional ou acaba a democracia

Se o Supremo se volta contra a Constituição acabou a democracia. É para verificar a resiliência do regime democrático. A Corte vem se politizando por causa do excesso de judicialização

Mas a atitude do Toffoli atravessou a fronteira da forma como um presidente da Corte deve se comportar. Provocou desconforto nos setores democráticos

Apesar desse desconforto que o senhor citou, há setores fiéis a um grupo ou a outro. Fiéis seguidores e fiéis detratores, não importa o que aconteça. Há quem defenda as medidas mais polêmicas do governo, como o fim da multa para motorista que transportar crianças irregularmente

Quanto a essa questão da CNH vai ter oposição. Quando leva para questões concretas as pessoas não levam mais para emoção. Todo pai e mãe que sabe a importância da cadeirinha vai ficar contra isso.

Quando você desce ao concreto essa polarização emocionalizada é mitigada. Na questão das armas, por exemplo, as pesquisas mostram pouco apoio porque as pessoas sabem do risco. As pessoas apoiam coisas mais difusas

São dois movimentos, até psicológicos. Primeiro eu procuro um inimigo para situação em que me encontro, estou desempregado, preciso de um inimigo ou vou chegar à conclusão que o culpado sou eu. Uma parcela grande das pessoas, sobretudo da classe média, atribui a culpa ao PT.

Depois, quando tenho um culpado, preciso de alguém para combater o culpado. Vou lá na direita pegar um cara para derrotar o grupo culpado pelo meu infortúnio.

Isso só vale assim, reagindo com emoção. Mas quando eu penso "meu vizinho vai botar as crianças dele no carro e não vai usar a cadeirinha. Não pode!. Alguém tem que dizer que ele não pode, a lei tem que dizer, alguém tem que fazer alguma coisa”.

A não ser quem há desobedecia a lei, aí não vai se importar mesmo. São contradições típicas desse momento

Mas as pessoas, polarizadas ou não, reagem à agenda do governo

O governo não dá respostas boas a questões gerais, está preocupado só com miudeza. Coisa do Detran, das armas, ataque a unidades de conservação porque o presidente foi multado numa delas. É muito personalista e miúda a agenda do presidente diante dos problemas reais do país.

Não seria essa a agenda que os eleitores dele querem?

Quem gosta de miudezas é a base dele, os que já estão com ele, a base mínima. Um terço contra, um a favor e um esperando para ver. Todas as pesquisas estão assim, entre 33% e 35% nessas categorias.

O presidente em decadência no apoio popular. Quando está com popularidade consegue fazer as coisas. Queimou a lua de mel envolvido nessas miudezas

O próximo ciclo é o de fuga, as forças políticas começam a se afastar de um presidente impopular. Ele está caminhando para isso.

E um presidente fraco com mentalidade autoritária é um perigo.

Os protestos favoráveis ao governo, no último dia 26, foram uma forma de o governo tentar mostrar força. É uma saída para rebater esses dados de perda de popularidade?

É uma estratégia, mas efêmera. A capacidade de levar gente para rua vai ser declinante. Nem comparo as manifestações pró-governo com as pela educação. As manifestações nas quais surgiu a possibilidade Bolsonaro, foram as do impeachment (da então presidente Dilma). Eram muito maiores, ele já perdeu uma parte desse apoio. A tendência é que ele leve cada vez menos gente (às ruas)

A forma de responder a pesquisas e dificuldades no Congresso é chamar pessoas para a rua. Até o momento que elas não vão, como ocorreu com Collor. Essa tendência plebiscitária do populista é circunstancial.

Chávez (na Venezuela) levava maiorias avassaladoras para a rua. O Maduro leva cada vez menos. E a oposição já suplanta número de pessoas nos protestos.

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