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Análise: relatórios da Assembleia do ES eram para 'inglês ver'

Análise: relatórios da Assembleia do ES eram para "inglês ver"

Documento de controle de atividades, agora extinto pelo Legislativo estadual, servia precariamente para fiscalização de funcionários externos

Publicado em 18 de julho de 2019 às 01:54

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Assembleia Legislativa: fim dos relatórios de atividades externas de assessores. (Marcelo Prest)

A Assembleia Legislativa, por decisão da maioria, decidiu acabar com a exigência de relatórios para comprovar atividades de servidores que atuam fora da sede do Poder. A mudança pode abrir brecha para funcionários fantasmas.

Sejamos francos: a exigência de relatórios periódicos aos assessores de deputados que trabalham apenas nas bases eleitorais não servia ao seu propósito original, o de funcionar como controle das atividades de pessoas bem pagas para trabalhar nas bases eleitorais. O problema central está na maneira como o tema foi superado, enterrando a obrigação sem nenhuma medida alternativa.

A fiscalização por meio dos relatórios era apenas parcial por uma razão muito simples. Não havia uma regra sobre como as atividades deveriam ser reportadas. Então, para evitar aperreações, muitos relatórios eram feitos com descrições mínimas das tarefas diárias: "reunião com lideranças em Ibatiba". E as contas estavam prestadas da mesma forma, sem que ninguém pudesse dizer que alguma norma tivesse sido desrespeitada.

Também há relatos de que documentos eram criados sob medida por chefes, restando ao externo dar o autógrafo. Ou seja, os relatórios já eram um belo exemplo de papel "para inglês ver".

Motivos para suspeitar de fantasmas ou, no mínimo, de desvio de funções não faltam. As denúncias que chegam para a imprensa e para o Ministério Público corroboram a desconfiança. São investigações dispendiosas e, em muitos casos, infrutíferas.

Certamente, promotores de Justiça têm tarefas mais importantes do que a de acompanhar a rotina de cada funcionário de deputados, no varejo. O doloroso é que existem sinais inegáveis de que dinheiro público pode estar sendo usado para pagar (bons) salários a pessoas que trabalham conforme os interesses privados de alguns políticos.

Enquanto uma parte dos que faziam relatórios descreviam tarefas genéricas, os mais transparentes – ou menos "espertos" – colocavam coisas "demais" no papel. E aí vinham pérolas como a do assessor que teve como trabalho remunerado por mim e por você ir "pedir apoio" no comércio na véspera da eleição ou ir "levar o abraço do deputado" para um amigo do interior. Isso é inadmissível.

Ainda que as informações contidas nos documentos não fossem tão esclarecedoras, promotores de Justiça costumavam pedir acesso aos relatórios dos comissionados dos gabinetes para complementar apurações. Agora, os relatórios não mais existirão.

O projeto de resolução que acabou com a obrigatoriedade não trouxe nenhum outro compromisso com a fiscalização. A mensagem que passou foi a de interesse em diminuir a fiscalização, simples assim.

E o projeto partiu da mesma Assembleia que havia proposto um "cerco aos fantasmas" de todos os poderes, ao apresentar matéria que pretendia exigir relatórios de membros da esplanada capixaba inteira.

A justificativa oficial para a eliminação dos relatórios foi a de que "houve consenso" entre órgãos e Poderes que debatiam melhorias de transparência e de caça a fantasmas sobre os relatórios de atividades não ser "adequados" a nenhuma das instituições à mesa.

Ao apropriar-se desse consenso, a Assembleia nada mais fez do que admitir que o "cerco aos fantasmas" que ensaiou e aprovou em plenário – embora depois tenha aceitado o veto do governador à proposta – foi mesmo uma reação à Promotoria Cível de Vitória.

Um promotor de Justiça havia recomendado a divulgação semanal de relatórios dos assessores externos. E isso provocou grande irritação entre deputados.

A Assembleia gosta de ostentar o título de "mais transparente do Brasil". Ok, vamos dizer que seja difícil competir com Rio de Janeiro e Alagoas, por exemplo. Mas deixou uma série de perguntas em aberto.

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Quem garante que o dinheiro público gasto para pagar externos não está servindo a interesses privados? Como saber se um deputado quis remunerar um aliado que o ajudou na campanha e, para isso, fará vista grossa se aquele funcionário decidir atuar como bem entender? São dúvidas inconvenientes para quem quer ser exemplo. Não deveria haver espaço para retrocesso.

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