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Ataques de Bolsonaro constrangem aliados e podem prejudicar o governo

Ataques de Bolsonaro constrangem aliados e podem prejudicar o governo

Enquanto agrada a seus eleitores fieis, o presidente da República acaba afastando eleitores e políticos mais moderados

Publicado em 31 de julho de 2019 às 01:09

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Jair Bolsonaro fez live enquanto cortava o cabelo. (Reprodução/Facebook)

É raro encontrar uma data no espectro dos últimos dias em que as declarações polêmicas e nem sempre verdadeiras de Jair Bolsonaro (PSL) não tenham gerado repercussão nacional entre instituições, a classe política e os eleitores. Mas para além do tumulto, o verbo solto do mandatário da República poderá lhe custar um preço alto, que vai desde a perda dos aliados mais moderados até dificuldades de tocar seus projetos no Congresso Nacional, como a reforma da Previdência.

Nas últimas duas semanas, Bolsonaro atacou Míriam Leitão ao afirmar equivocadamente que a jornalista - que foi presa grávida aos 19 anos e torturada pelo regime militar, era integrante da luta armada.

No mesmo dia, 19 de julho, provocou os governadores nordestinos referindo-se a todos como “paraíbas” e ainda afirmou que não há fome no país, quando, somente no Espírito Santo, 75 mil pessoas se encontram em situação de insegurança alimentar grave, conforme mostrou o Gazeta Online.

A sucessão de polêmicas ganhou novas páginas nesta segunda-feira (29), quando o presidente ironizou o desaparecimento de Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira durante a ditadura. Ele era pai de Felipe Santa Cruz, atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Para o sociólogo Rogério Baptistini, embora tais falas agradem a parcela de eleitores fiel ao bolsonarismo, elas tendem a desagradar e constranger setores importantes da sociedade, assim como parte da classe política que o acolheu na campanha.

“Já vimos governadores que se aproximaram de Bolsonaro no segundo turno, como João Doria (PSDB - SP) e Wilson Witzel (PSC-RJ) reprovarem suas falas, assim como outros membros do espectro partidário e político e do Judiciário já o censuraram. Começamos a sentir que ele passou do limite do tolerável”, pontua o professor, que ressalta também o desgaste da imagem do governo em nível internacional.

“Ao olharmos os principais jornais do mundo hoje, vemos unanimidade no tratamento de horror ao massacre do sistema prisional no Norte do país. Ao mesmo tempo, tratam Bolsonaro como alguém que não é capaz de dar conta dessa tragédia”, afirma Baptistini.

Ele se refere à prisão de Altamira, no Pará, onde 57 presos foram mortos em uma rebelião. Questionado sobre o que acha de reforçar a segurança no presídio, Bolsonaro respondeu: “Pergunta para as vítimas dos que morreram lá”.

O cientista político da Mackenzie Rodrigo Prando reforça a análise. “Com esse tipo de comportamento, que não condiz com o de um presidente, Bolsonaro mantém o discurso eleitoral aceso para bolsonaristas, mas afasta os liberais, os antipetistas, que também ajudaram a elegê-lo”.

Para Prando, o discurso do presidente não chega a ser surpresa, tendo vista a postura assumida historicamente por ele enquanto deputado federal pelo Rio de Janeiro. No entanto, a situação política daqui para frente deverá se acirrar.

“O Congresso deve voltar mais eletrizado do que saiu. Se o governo não moderar, é capaz de o Congresso segurar a Reforma da Previdência. A bancada do Nordeste, por exemplo, pode voltar com mágoas e rusgas. A indicação de Eduardo Bolsonaro (para a embaixada de Washington) também pode ser afetada. Não há Rodrigo Maia (presidente da Câmara pelo DEM-RJ) que costure, articule, se o presidente não colaborar”, pontua.

Possíveis entraves no Congresso também são considerados pelo cientista político Adriano Oliveira, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que avalia a “irritação” de Bolsonaro como um erro estratégico. “Temos a liberação do FGTS, a aprovação da Reforma da Previdência, poderá haver sucesso no leilão do Pré-Sal, a inflação está controlada. Enfim, o presidente Bolsonaro poderia transformar seu mandato em uma agenda positiva, mas ele não transforma”.

ECONOMIA

A saída para conter os ânimos sem causar maiores danos ao governo, para Baptistini, está no surgimento de avanços no setor econômico. “Se não tivermos, sobretudo do ponto de vista da economia, indícios de melhora, as crises vão começar a explodir”, prevê.

Mas o futuro em relação a isso é incerto. É o que aponta a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif. Segundo ela, as polêmicas de Bolsonaro no primeiro semestre contaminaram em certo grau a confiança dos empresários. Por outro lado, não é possível dizer se a tendência se manterá. “Mas é claro que isso não ajuda. Estamos precisando de foco na agenda econômica”, pondera.

Para além das implicações sociais, políticas e econômicas, o professor de Direito empresarial Armando Rovai destaca as repercussões jurídicas que as falas de Bolsonaro podem ter. Segundo ele, a avaliação de possíveis casos de crime de responsabilidade deve ser feita em juízo. No entanto, o assunto merece atenção de instituições, como o Ministério Público.

“Foram falas fortes, que tem uma ressonância e merecem uma análise dos operadores do Direito. Não é comum um chefe de Estado fazer esse tipo de declaração. É preciso ter sensatez, equilíbrio”.

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