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Em carta, avó de presidente da OAB apelou a Geisel por paradeiro do filho

Em carta, avó de presidente da OAB apelou a Geisel por paradeiro do filho

Ao criticar o presidente da entidade, o presidente Jair Bolsonaro provocou ao falar do desaparecimento do preso político

Publicado em 29 de julho de 2019 às 23:15

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"Esta carta é um grito de desespero de uma mãe que há oito meses chora a perda de um filho e espera em vão uma solução para o seu angustioso problema". As palavras são de Elzita Santos de Santa Cruz destinadas ao então presidente do país, Ernesto Geisel (1974 - 1979), em 23 de outubro de 1974.

O filho dela, Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, estava desaparecido há exatos oito meses, após ser preso no Rio de Janeiro. Coube ao ex-delegado Claudio Guerra, como o próprio admite, dar fim ao corpo do preso político.

Fernando Augusto é pai de Felipe Santa Cruz, atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O assunto veio à tona nesta segunda-feira (29) quando o presidente Jair Bolsonaro (PSL) criticava a atuação da Ordem no caso do processo judicial que considerou o autor da facada contra o então presidenciável, Adélio Bispo, isento de pena em razão de doença mental.

Para responder Santa Cruz, Bolsonaro bateu na memória do pai do advogado, formalmente considerado foragido até hoje. "Se o presidente da OAB quiser saber como o pai desapareceu no período militar, eu conto para ele", disse o presidente. Mais tarde, Bolsonaro afirmou que Fernando Augusto foi assassinado por "grupo terrorista", em referência à Ação Popular do Rio de Janeiro, grupo clandestino contrário à ditadura militar.

Não é o que mostram documentos oficiais dos próprios militares. O pai do presidente da OAB foi preso em 23 de fevereiro de 1974, no Rio. Um documento secreto da Aeronáutica anexado ao relatório da Comissão Nacional da Verdade mostra que Fernando Augusto estava sob custódia do Estado brasileiro, dando-o como preso.

Em outra carta, ao general Golbery do Couto e Silva, datada de 27 de maio de 1974, Elzita relata que, em São Paulo, ouviu de um carcereiro a confirmação de que o filho dela estava no DOI do II Exército. Ela estava acompanhada, na ocasião, por Risoleta Meira Collier. Esta era mãe de Eduardo Collier Filho, que desapareceu junto com Fernando Augusto.

Ao contrário do que afirmou Bolsonaro, não há registros sobre ligação de Fernando Augusto com a luta armada. Quando foi preso e desapareceu, o pai do atual presidente da OAB tinha 26 anos, um filho de 2, era casado, cursava Direito e era funcionário público. Havia sido preso em 1966 por participar de uma passeata estudantil, no Recife, e indiciado por participar do XXX Congresso da União Nacional dos Estudantes, em 1968, o famoso "Congresso de Ibiúna".

Após o desaparecimento, dona Elzita iniciou uma peregrinação pelo país atrás do filho. "Já bati em todas as portas à espera de pelo menos ter uma notícia sobre o paradeiro de meu estimado filho. Certa de que só me resta a de Vossa Excelência, eu hoje venho cheia de esperança me pôr de joelhos aos seus pés", escreveu Elzita. As cartas são mantidas no Arquivo Nacional.

Na esperança de falar com alguém que entendesse o sofrimento de não ter o filho por perto, escreveu também à esposa de Geisel, Lucy Geisel, em 8 de abril de 1974. "Não preciso dizer que a cada resposta negativa minhas lágrimas correm sem cessar, só conseguindo suavizar meu desespero a grande fé em Deus que tenho", diz trecho da missiva.

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Em junho deste ano, aos 105 anos, Elzita Santa Cruz morreu, após 45 anos de espera por notícias sobre a morte do filho.

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