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Prefeito de Vila Velha com mandato cassado pela ditadura terá cargo devolvido

Prefeito de Vila Velha com mandato cassado pela ditadura terá cargo devolvido

Cassação de Hugo Ronconi ocorreu em 1969, durante o regime militar. Ele soube da notícia quando voltava para casa, ouvindo "A Voz do Brasil" no rádio do carro da prefeitura

Publicado em 2 de julho de 2019 às 01:25

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Hugo Ronconi foi prefeito de Vila Velha. (Acervo pessoal/Hugo Ronconi)

50 anos, quando retornava de um dia comum de expediente na Prefeitura de Vila Velha, o então prefeito Hugo Ronconi ouviu seu nome ser citado no rádio, no noticiário "A Voz do Brasil": ele era um, entre as dezenas de políticos que acabava de ter o mandato cassado e a suspensão dos direitos políticos, por força do Ato Institucional número 5, durante a ditadura militar.

Acusado de subversão, oficialmente, a justificativa foi de que ele não havia instalado postes de iluminação na entrada do 38º Batalhão de Infantaria do Exército. No entanto, Hugo sempre acreditou que seus discursos contra o regime militar também teriam motivado a decisão do presidente Costa e Silva.

Após ter recuperado os direitos políticos em 1980, na noite desta terça-feira (2), aos 84 anos, ele vai receber o mandato de volta, em uma sessão de comemoração na Câmara de Vila Velha. A restituição simbólica de Ronconi ao cargo, do qual foi cassado em 1969, não traz nenhuma aquisição de poder ou de direitos, mas serve como reconhecimento do trabalho de políticos eleitos de forma democrática.

Como o senhor iniciou a vida política?

Me elegi como vereador de Vila Velha em 1962, pelo PTB, e eu tinha reduto eleitoral na região do Ibes. Fui o segundo mais votado. Fui presidente da Câmara em 1963 e 1964, na época do golpe militar. No início do mandato de vereador, ficava um pouco "calado" por conta do AI-1, em que o presidente Castelo Branco tinha o poder de cassar mandatos. Quando Costa e Silva assumiu, não tinha esse poder, então comecei a fazer críticas ao regime. Fiz um importante pronunciamento em um comício em 13 de março de 1964, na Praça Costa Pereira, na presença de João Goulart. Naquele ano, também fui nomeado tabelião e registrador civil do cartório do Ibes. Na época, era uma decisão do governador, não havia concurso. Fiquei no cargo até 1967, quando me elegi prefeito. Venci uma eleição difícil, com apenas 32 anos, contra dois deputados: Tuffy Nader e José Teixeira Guimarães.

Como era a oposição que o senhor fazia ao regime militar?

Na época, a prefeitura tinha muita dificuldade financeira. Um certo dia recebi uma comitiva do Exército, pedindo para a prefeitura colaborar com a iluminação do 38º BI. Fizemos um levantamento, e vimos que todas as instalações elétricas precisavam ser substituídas. Mas seria um valor muito alto, equivalente a

toda a verba de iluminação que eu dispunha para a cidade. Deixei o projeto parado e respondi a eles que isso deveria ser custeado pelo governo federal. Os militares não me deram nem "até logo", viraram as costas e foram embora do meu gabinete. Esse fato os desagradou. Mas além disso, eu fazia muitos discursos contra o regime militar em comícios. Um deles chegou a ser cancelado pela polícia. Criticava o sistema de governo, a falta de liberdade de imprensa, a censura aos parlamentares, as eleições indiretas. Eu defendia o regime democrático.

Como ocorreu a cassação de seu mandato?

Eu estava voltando do trabalho, no carro da prefeitura, e estávamos ouvindo "A Voz do Brasil". O locutor começou a citar nomes de políticos cassados, e falou o meu. Cheguei em casa, e já mandei o motorista entregar a chave da prefeitura ao presidente da Câmara, Marcelo Mendes. Ao receber a chave, ele intimou o meu vice, Gottfrio Anders, para tomar posse. Duas horas depois, a Polícia Federal foi na minha casa. No dia seguinte, não cheguei a ficar preso, mas prestei depoimento de 9 às 17 horas. A partir de então, perdi o cargo e Gottfrio exerceu o mandato até o final. Também perdi o cargo de tabelião, porque a suspensão dos direitos políticos impede de exercer qualquer cargo público.

O que mudou na vida do senhor?

Passei muitas dificuldades nos dois primeiros anos, porque perdi meus vencimentos como prefeito e o que recebia no cartório. Passei a trabalhar como vendedor, por 10 anos. Até que em 1979, com a Lei da Anistia, pude requerer a reversão da minha punição. Fizeram vários levantamentos da minha vida pregressa, mas consegui o retorno ao cargo.

O senhor desistiu da política?

Sim, nunca mais atuei em partidos e nem disputei eleições. Meus aliados tentaram me convencer a retornar para a vida política, mas eu não quis. Aquela cassação me entristeceu muito. Mas faço questão de participar da política como cidadão, acompanhando, discutindo e votando.

O que representa para o senhor ter o mandato de volta?

Isso se trata de um resgate simbólico para mim e meus descendentes, é de um valor inestimável. Mostra que meu nome sempre foi honrado, jamais tive problemas com a Justiça. Hoje vejo alguns jovens defender a ditadura, mas jamais poderia admitir que ela ocorresse de novo no país. Por mais que haja militares nesse governo, acredito que essa é uma fase superada. A democracia está consolidada e é assim que tem que ser.

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