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Processo de Gratz prescreve e juiz lamenta: 'Estado falhou'

Processo de Gratz prescreve e juiz lamenta: "Estado falhou"

Caso é considerado o primeiro de prescrição em 70 processos relacionados ao ex-presidente da Assembleia e ao esquema das associações, do início dos anos 2000

Publicado em 24 de julho de 2019 às 22:35

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José Carlos Gratz e Valci Ferreira tiveram a prisão decretada pelo Superior Tribunal de Justiça, mas ainda estavam em liberdade. (Guilherme Ferrari/Arquivo A Gazeta )

A Justiça reconheceu a prescrição de crimes atribuídos ao ex-presidente da Assembleia Legislativa José Carlos Gratz em um dos cerca de 70 processos em tramitação referentes ao "esquema das associações". Entre 1992 e 2002, foram desviados R$ 26,7 milhões dos cofres do Legislativo, segundo as investigações. Essa está sendo considerada a primeira vez que o Estado "perde o direito" de punir o ex-deputado em processo do escândalo que marcou o Estado no início dos anos 2000.

A decisão é do juiz André Guasti Motta, responsável desde o ano passado pelos processos do ex-deputado na 5ª Vara Criminal de Vitória, e foi proferida em 12 de fevereiro deste ano. Na sentença, o juiz avalia que prescrições costumam ter "ares de impunidade" e lamenta o desfecho que representa falha do sistema de justiça.

"Pedindo vênia ao grande mestre, José Carlos Barbosa Moreira, que ensina, de forma muito acertada, que as sentenças não devem conter 'digressões sobre temas que não interessam diretamente ao julgamento', é fato que herdo a difícil tarefa de reconhecer que, para este réu (e para este caso), não haverá solução de mérito, admitindo, por isso, que o Estado (entendendo-o como o sistema de justiça, todo ele), falhou, na sua mais importante tarefa: a de dar a resposta efetiva ao caso concreto. Longe de acreditar que esta sentença é definitiva, porquanto caberia os mais variados recursos, é certo que a solução pela prescrição tem, na maioria das vezes, ares de impunidade", registou o juiz, que atua nos processos de Gratz há cerca de um ano.

O processo em questão atribui a José Carlos Gratz o crime de peculato - quando funcionário público desvia ou se apropria de recurso público em proveito próprio ou alheio. O juiz o absolveu do crime de ordenação de despesa não autorizada. Considerados os agravantes, a pena definitiva seria de 15 anos, seis meses e 20 dias de prisão, inicialmente em regime fechado. 

A prescrição se dá por conta do longo intervalo entre o recebimento da denúncia do Ministério Público Estadual e a sentença, somado à idade avançada de Gratz - hoje, ele tem 71 anos.

É que a denúncia foi recebida pela Justiça ainda no dia 13 de janeiro de 2009, há mais de dez anos, portanto. A sentença só saiu em fevereiro de 2019.

Ao declarar a prescrição na sentença, o magistrado explicou que quando a pena máxima supera os 12 anos, como era o caso, a prescrição ocorre em 20 anos. No entanto, o fato de Gratz ter chegado aos 70 anos de idade, em maio de 2018, faz com que o prazo prescricional seja reduzido à metade.

"Ressoa evidente que decorreu um lapso temporal superior a dez anos, sendo patente a perda do direito de punir estatal, sublevando-se a declaração da prescrição retroativa e, por conseguinte, a extinção da punibilidade", registrou o magistrado.

No mesmo processo, foram condenadas outras quatro pessoas. Segundo o MPES, elas se associaram a Gratz no esquema criminoso. Entre elas, o então diretor-geral da Assembleia na Era Gratz, André Nogueira, ligado à editora Lineart, empresa usada para desviar os recursos.

Com os agravantes, a pena de Nogueira pelo crime de peculato também foi estabelecida em 15 anos, em regime fechado. Ele recorre em liberdade.

O esquema consistia na simulação de pedidos de ajuda financeira à Assembleia por associações de moradores, comunitárias, fundações, clubes de futebol até igrejas. Os pagamentos eram autorizados, mas não iam aos supostos solicitantes.

"Restou mais do que comprovado, tanto pelos esforços da Receita Federal, quanto pela confissão de André Nogueira, que a Lineart foi usada como coração no esquema de desvio de dinheiro público da Assembleia Legislativa", escreveu o juiz.

OUTROS PROCESSOS

Segundo a defesa, é a primeira vez que a prescrição é registrada em processos relacionados a José Carlos Gratz relacionados ao esquema das associações. O escândalo marcou o Espírito Santo.

Além desta sentença, há outras três proferidas apenas nos últimos meses pelo juiz André Guasti Motta. Em todas elas houve condenações a Gratz e a outros envolvidos. Na mais recente, de 4 de julho, o ex-presidente foi condenado a mais de dez anos de prisão em regime fechado.

É possível que outras prescrições sejam reconhecidas nos cerca de 70 outros processos relativos ao caso, considerado delicado. Todos são parecidos, mas não idênticos, e envolvem réus distintos.

Diversos juízes se declararam impedidos de atuar nos processos. Também foram necessárias perícias grafotécnicas das assinaturas atribuídas a Gratz em diversos documentos. O ex-deputado alega que autógrafos dele foram falsificados.

O OUTRO LADO

Advogado de Gratz, Carlos Guilherme Pagiola entende que a prescrição deve ser aplicada em outros processos contra o ex-deputado e recorre para ela seja reconhecida.

"Os processos, e são vários, têm muitos réus. Cada um (réu) tem que ser notificado, uns não têm advogado. E o juiz só pode julgar com todos apresentando as defesas. Uns apresentaram em 2017, outros mais tarde. Isso acontece em processos complexos e com vários réus", disse, antes de prosseguir: "Nos processos que estão vindo sem o tema da prescrição a defesa está fazendo recursos ao próprio magistrado para requerer tal previsão legal".

PROVA LÍCITA

Embora o juiz de primeiro grau tenha asseverado que o entendimento não se aplica, o advogado de André Nogueira informou que vai apresentar recursos por considerar a sentença baseada em prova ilícita. Ele questiona o compartilhamento de informações financeiras da Receita Federal com o Ministério Público.

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"Todas as ações estão baseadas em prova declarada ilícita pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Isso transitou em julgado em um habeas corpus relacionado a um processo. Mas prova ilícita é prova ilícita", disse.

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