É enganoso um vídeo publicado no YouTube sobre um suposto clima de suspense no Supremo Tribunal Federal (STF) atribuído a um duro recado que o alto comando do Exército teria mandado aos ministros. Segundo o rumor, os militares teriam alertado os integrantes da corte para que não mexessem com o atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.
As informações foram checadas pelo projeto Comprova, coalizão que reúne 24 veículos de imprensa do Brasil para combater desinformações relacionadas a políticas públicas do governo federal. Participaram das etapas de checagem e de avaliação da verificação jornalistas de Band, Exame, Nexo e Jornal do Commercio.
O vídeo em questão é composto por uma sequência de fotos dos ministros do Supremo, de integrantes do governo, do presidente Jair Bolsonaro (PSL) e de militares fardados. As imagens são acompanhadas por um áudio no qual a narradora mistura fatos verídicos e falsos para construir a tese do recado.
O vídeo é favorável a Moro. Diz que ninguém mexe com ele por causa de sua autoridade, respeito, caráter e popularidade e que, se mexerem com Moro, a briga será grande e feia.
Esta verificação do Comprova investigou os dados do vídeo publicado no canal BR Notícias no YouTube.
COMO VERIFICAMOS
Para fazer esta apuração o Comprova entrou em contato com as assessorias de organizações e pessoas citadas no vídeo. São elas: o Exército, o STF, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB), e com o canal que divulgou o vídeo no YouTube.
A equipe também conversou com o ex-candidato a governador do Distrito Federal, general Paulo Chagas (PRP), com um advogado criminalista e consultou reportagens feitas sobre as afirmações que constam no vídeo.
Você pode refazer o caminho da verificação usando os links para consultar as fontes originais ou visualizar a documentação que reunimos.
O "RECADO"
A narradora do vídeo afirma que o alto comando do Exército mandou um duro recado para o Supremo e, a partir daí, um grande clima de suspense pairou no ar. De acordo com a narração, trata-se de uma notificação de um general para que ninguém mexesse com Moro na questão dos vazamentos das conversas entre ele e procuradores da força-tarefa da Lava Jato.
Ao Comprova, o coronel Guerra, chefe da assessoria de imprensa do Exército, disse por telefone que o duro recado citado no vídeo não ocorreu e é falso. Por meio de sua assessoria, o Supremo também negou ter recebido qualquer recado de integrantes do Exército.
MOURÃO
Além do rumor de origem não identificada, o vídeo também especula sobre o recado ter sido dado ao Supremo pelo vice-presidente da República, Hamilton Mourão (PRTB). A assessoria de imprensa do general da reserva nega que ele tenha dado qualquer recado à corte superior e afirma que os fatos descritos no vídeo são inverídicos.
É enganoso que Mourão tenha mandado qualquer recado aos ministros do STF caso eles interferissem a respeito das conversas atribuídas a Moro. A narrativa do vídeo mescla afirmações feitas pelo vice-presidente, como a defesa da operação Lava Jato, com o discurso falso que o militar teria ameaçado a Suprema Corte. O vice-presidente não deu declarações sobre interferências a serem feitas no STF caso os ministros mexessem com Moro, mas defendeu a operação Lava Jato publicamente.
Mourão também disse que Moro é de ilibada confiança do presidente Bolsonaro e defendeu a privacidade das comunicações do ministro.
FHC
Outra figura pública citada no vídeo por ter defendido Moro foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). A narradora diz que o tucano saiu em defesa de Moro e disse que o vazamento não passa de uma tempestade em copo dágua.
Ao Comprova, a assessoria do Instituto Fernando Henrique disse que o ex-presidente não saiu em defesa de Moro, o que ele fez foi comentar o caso ao ser questionado por um repórter.
PROCESSOS JULGADOS POR MORO
O vídeo afirma que alguns ministros disseram em off para a reportagem que nada poderia anular os julgamentos da Lava Jato. A expressão em off é utilizada no jornalismo quando o repórter não revela quem foi a fonte que lhe passou a informação isso é feito para preservar o informante.
De acordo com o vídeo, o pior que poderia acontecer seria Sergio Moro ser convidado à Suprema Corte para dar explicações ao Conselho Superior de Censura, já extinto. Para verificar esta afirmação, o Comprova entrevistou João Paulo Boaventura advogado criminalista, sócio do escritório Boaventura Turbay Advogados.
Boaventura disse que o Conselho foi extinto na Constituição de 1988. Hoje ele é aquele setor do Ministério da Justiça que faz classificação etária de programas de televisão, filmes, etc..
Apesar de Moro não ter de dar explicações ao Supremo, como afirma o vídeo, o ministro foi convidado e compareceu a uma sessão no Senado Federal, em 19 de junho, e a outra na Câmara dos Deputados, em 2 de julho.
LAVA JATO
O áudio do vídeo está correto quando afirma que o Ministério Público Federal (MPF) diz que a operação Lava Jato é o maior caso de lavagem de dinheiro já apurado no Brasil.
De acordo com o site do MPF, a investigação é realmente a maior deflagrada até hoje e mira um esquema de corrupção que já dura pelo menos 10 anos e envolveu grandes empresas como a Petrobras e a Odebrecht.
REPERCUSSÃO NAS REDES
Até o dia 15 de agosto, o vídeo postado no canal BR Notícias, do YouTube, foi visualizado por mais de 327 mil pessoas. De acordo com o Crowdtangle, uma ferramenta de monitoramento de redes sociais, a gravação obteve mais de 22 mil interações no Facebook até a mesma data.
CONTEXTO
Em 9 de junho de 2019, o portal The Intercept começou a divulgar conversas do aplicativo Telegram atribuídas ao ministro Sergio Moro. Nas mensagens, o ex-juiz teria orientado os membros do Ministério Público sobre como agir com relação à operação. Esse tipo de comunicação é considerada ilegal pela Constituição brasileira e pelo Código de Processo Penal.
Depois do vazamento, houve especulações sobre o que aconteceria com os processos julgados por Moro enquanto era juiz federal da 13ª Vara Federal em Curitiba antes de assumir o cargo no governo Bolsonaro. O pedido de suspeição contra Moro na condenação do ex-presidente Luiz inácio Lula da Silva (PT), apresentado ao STF em dezembro de 2018, ganhou força após as reportagens. A defesa do petista alega que Moro foi parcial no julgamento de Lula.
O vídeo enganoso foi publicado em 10 de agosto, em meio a uma campanha contra o STF que convoca um ato de protesto para o próximo dia 25, cujos alvos são os ministros da corte. Diversas postagens dessa campanha, detectadas no monitoramento do Comprova, pedem o fechamento do STF.
No fim do vídeo analisado, a narradora pede a intervenção militar e a imposição do artigo 142 da Constituição contra o STF.
A redação do artigo 142 é objeto de uma leitura enganosa por parte dos apoiadores de uma intervenção militar, segundo os quais as Forças Armadas poderiam fechar o Congresso ou Supremo e, ainda assim, estar dentro da lei. Ocorre, no entanto, que o artigo 142 da Constituição não permite tal ofensiva.
Uma ação desse tipo configuraria um golpe de Estado, pois, de acordo com a Constituição Federal, nenhum representante eleito pode ser destituído a não ser por deliberação da maioria absoluta do Poder Legislativo. Uma ação deste tipo configuraria um golpe de Estado, .
O artigo se restringe às diretrizes sobre o funcionamento das Forças Armadas. Esse artigo serve de base para a Lei Complementar 97, de 1999, e o Decreto 3897, de 2001, que regulam as chamadas missões de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). As GLOs são realizadas exclusivamente por ordem da Presidência da República e ocorrem nos casos em que há o esgotamento das forças tradicionais de segurança pública.
A intervenção federal, por sua vez, é um mecanismo previsto no artigo 34 da Constituição. Ela pode ser decretada pelo governo federal nos estados e no Distrito Federal e depende de autorização do Legislativo, ou seja, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. A medida, no entanto, não prevê o fechamento do Congresso. No caso do Rio de Janeiro, que passou por uma intervenção militar recentemente, a prerrogativa colocou os órgãos de segurança pública do Estado sob o comando de um general do Exército.
Um outro vídeo, publicado em março de 2019, adotou estratégia semelhante à utilizada no vídeo investigado nesta verificação fala em supostos avisos e ultimatos de militares ao Supremo.
Na ocasião, o recado não teria sido dado em defesa de Moro, mas sim para impedir a eventual soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O vídeo falava em um aviso final que o general da reserva Paulo Chagas, que se candidatou ao governo do Distrito Federal, teria dado ao STF.
Tal aviso envolveria o julgamento de mérito sobre a prisão em segunda instância, que estava marcado para 10 de abril de 2019. Uma mudança na jurisprudência (atualmente a favor do cumprimento da pena após sentença confirmada em segunda instância) poderia beneficiar Lula, até então condenado por Moro e o TRF-4. O ex-presidente só seria condenado em terceira instância no caso triplex em abril.
Ainda em abril, especificamente no dia 4, o ministro Dias Toffoli, presidente do STF, atendeu a pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e tirou o julgamento da prisão em segunda instância da pauta da Corte, sem data fixada para retornar até o momento. O assunto, no entanto, pode voltar a ser examinado em alguma sessão sem pauta definida.
A base do vídeo para a argumentar que os militares tinham ameaçado o STF é um texto publicado em 30 de março de 2019 por Chagas. Ao Comprova, o general disse que o post é uma adaptação de um texto originalmente publicado em 2017. O texto original é muito parecido com o replicado na corrente. No entanto, Chagas diz que a parte do aviso final ao STF foi inserida pelo autor do post que viralizou.
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