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Cota feminina está sob ameaça no Congresso. No ES, já houve denúncias

Cota feminina está sob ameaça no Congresso. No ES, já houve denúncias

Há propostas para reduzir ou esvaziar percentual de candidatas nas eleições parlamentares. A líderes partidário, Rodrigo Maia afirmou que tema entrará na pauta após a volta do recesso

Publicado em 2 de agosto de 2019 às 23:50

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Plenário da Câmara dos Deputados. (Luis Macedo/Câmara dos Deputados)

A cota de gênero, que faz os partidos buscarem candidatas mulheres para o preenchimento de 30% das vagas em disputa nas eleições parlamentares, pode deixar de existir como tal. Ao menos é o que pretendem lideranças na Câmara dos Deputados. Há projeto para deixar de punir as legendas que descumprirem a cota – o que, na prática, esvazia a regra – e até para reduzir o percentual.

De acordo com reportagem do jornal "O Estado de S. Paulo", o objetivo seria baixar a reserva de 30% para 10%. Para valer nas eleições de 2020 as medidas precisam ser aprovadas até o início de outubro. Alterações nas regras eleitorais precisam ser feitas até um ano antes da votação.

Proposta de Renata Abreu (Podemos), que já recebeu parecer favorável na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, é a que quer deixar os partidos livres de sanções.

"A presente proposição não culpa ou responsabiliza as mulheres, mas tenta sanar a situação enfrentada pelos partidos a fim de garantir o atendimento à regra eleitoral. Desse modo, buscamos afastar entendimentos equivocados, garantindo que os partidos mantenham a busca por candidaturas de cada gênero, mas que não sejam penalizados pelo quadro político que se apresentar em cada pleito", registrou a deputada, na justificativa do projeto.

Não é de hoje que a cota sofre críticas, mas elas foram acirradas após a descoberta de esquemas de candidaturas laranjas. As suspeitas recaem notadamente sobre o PSL do presidente Jair Bolsonaro. Além de registrar candidatas apenas para "cumprir tabela", os recursos destinados às candidatas acabam beneficiando outros nomes, de homens. O Gazeta Oline já mostrou que há indícios de que isso ocorreu em outras siglas também, aqui mesmo no Espírito Santo.

Via de regra, os críticos da cota dizem que é difícil encontrar mulheres para preencher as vagas e que esse "jeitinho" é o único possível para o registro das chapas. O presidente nacional do PSL, Luciano Bivar, foi além e disse que "(A política) não é muito da mulher".

Gabriela Rodrigues de Lima, professora, 27 anos: “As mulheres já são sub-representadas. Se diminuir a cota, a gente não garante a democracia, que é a representação das pautas e demandas da maioria da população, que são as mulheres”. (Annelise Soutto)

As mulheres ocupam 77 das 513 cadeiras na Câmara, o que corresponde a 15%. De acordo com o IBGE, a população brasileira é formada por 51,7% de mulheres.

Embora esse desequilíbrio de representatividade não incomode a alguns, a burla à cota ou mesmo o fim da regra não encontram eco em todas as partes.

Deputada federal pelo Espírito Santo, Norma Ayub (DEM) coloca-se frontalmente contra o fim da reserva de vagas: "Apoio a manutenção do percentual de 30% de candidaturas, já garantido em lei, como também a proporcionalidade de financiamento público reservado à mulher, em defesa do pleno exercício da presença da mulher na disputa eleitoral. Como membro da Comissão da Mulher, estarei não só defendendo como também articulando o direito de participação real da mulher na política", afirmou.

RECURSOS

Além da reserva de 30% das vagas, o mesmo percentual dos recursos do fundo partidário e do fundo eleitoral deve ser destinado às candidatas.

Lauriete (PL, novo nome do PR) diz que "preencher a cota das mulheres é trabalho que os partidos precisam desenvolver com competência e dedicação. Mas nós mulheres temos também que ocupar o nosso espaço e fazer nossa parte. Reduzir a cota é retrocesso".

Soraya Manato (PSL) avalia que a cota não é a melhor forma de inserir as mulheres na política. "Apesar de as cotas serem uma forma de igualar oportunidades, acredito que não seja a forma mais justa para garantir a presença feminina na política. Acho que o debate no Congresso é pertinente e este é o momento para entendermos a melhor forma de a mulher participar das atividades político-partidárias", afirmou.

Thayna da Silva Felipe, atendente de telemarketing, 23 anos: “A opinião masculina sempre foi predominante. Se é essa a obrigação, de ter 30% das vagas para mulheres, que seja cumprido. Nada de reduzir”. (Annelise Soutto)

Segundo contaram deputados do Novo ao "Estado de S. Paulo", o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que pretende colocar propostas de reforma política em pauta após a volta do recesso parlamentar. Na prática, as atividades legislativas devem ser retomadas no próximo dia 6.

PARTICIPAÇÃO

Em tese, a cota não obriga que 30% das vagas sejam preenchidas por mulheres e 70% por homens. Apenas que haja uma divisão por gênero. Poderiam ser 30% homens e 70% mulheres. Na prática, a minoria é sempre formada por mulheres. Para cada sete candidatos homens que o partido quiser lançar, por exemplo, tem que lançar também três candidatas.

PROBLEMA NO PAÍS VAI ALÉM DA LEGISLAÇÃO

Se a solução para a baixa representatividade das mulheres vai surgir de decisões do Congresso, não se sabe. Mas a socióloga Maria Angela Rosa Soares, professora da UVV, aponta que o problema vai além da questão legislativa.

"Nós, mulheres, não somos socializadas para entender a política como um espaço nosso e sim para ocupar espaços subalternos. O poder não é feminino", afirmou.

"As cotas são ações afirmativas, para fazer a fórceps a representação feminina, porque de outra forma a gente fica fora. Não porque a gente não quer ou por ser incapaz, mas por não entender que esses espaços de poder estão disponíveis também para nós", complementou.

"Começa na família com a subordinação da mulher, quando meninos podem tal coisa, meninas não podem porque são meninas. O que se faz agora é um jeito para remediar. Temos que partir para educação de igualdade de gênero, desde a família, religião, escola, e o Direito, que também é machista", alertou.

Brenda Ferreira de Oliveira, estudante, 21 anos: “Existem muitas mulheres que estão na política trabalhando duro. Com essa redução, (o trabalho) fica um pouco prejudicado. Não me representa”. (Annelise Soutto)

A diminuta representatividade nas cadeiras do parlamento pode ser detectada também na Assembleia Legislativa do Espírito Santo. Das 30 vagas, apenas três são ocupadas por mulheres.

Iriny Lopes (PT), que já foi deputada federal e ministra, desde fevereiro integra as fileiras do Legislativo estadual.

Iriny vê retrocesso na proposta de reduzir ou esvaziar a cota de 30%, mas avalia que os maiores culpados pela participação tímida das mulheres na política partidária são justamente os partidos.

"A dificuldade para encontrar candidatas é real porque não se faz investimento na participação feminina na política. Por que, da noite para o dia, as mulheres estariam prontas a participar?", questionou.

"Não tem curso de formação, os diretórios não garantem creche para abrigar as crianças enquanto as mães participam de cursos de capacitação na área da política, não há incentivo no mundo do trabalho que preparem a igualdade entre homens e mulheres para que isso se aplique no mundo da política", elencou.

Quanto ao argumento de que a cota "obriga" a prática de irregularidade para o preenchimento das vagas, a petista diz que a tese é encampada "por partidos controlados por homens brancos e ricos".

"Se países mais pobres conseguiram superar isso (a baixa participação feminina na política), por que o Brasil não vai superar? Porque é essencialmente machista", definiu.

A vereadora de Vitória Neuzinha de Oliveira (PSDB) avalia que não é coincidência que as críticas à cota de gênero tenham aumentado recentemente. "Quando viram que a gente conseguiu também 30% dos recursos para campanha, eles não quiseram. Só aceitavam quando a disputa era só para ter a candidatura e não o recurso", afirmou.

Em maio de 2018, o TSE decidiu que 30% do fundo eleitoral devem ser reservados a candidaturas femininas. Alguns partidos chegaram a recorrer da determinação.

O valor do fundo para cada partido é definido com base em alguns critérios, como o tamanho da bancada. Mas o repasse interno é vago, normalmente fica sob a discricionariedade dos caciques partidários, que podem ver na cota um entrave.

ENTENDA A COTA DE GÊNERO

Cota

A cota não obriga que 30% das vagas sejam preenchidas por mulheres e 70% por homens. Apenas que haja uma divisão por gênero. Poderiam ser 30% homens e 70% mulheres. Na prática, a minoria é sempre formada por mulheres.

Recursos

As mulheres, além de terem 30% das vagas, têm que contar com a mesma proporção de recursos dos partidos. Em março de 2018, o Supremo Tribunal Federal definiu que 30% do fundo partidário deve ir para candidaturas femininas. Em maio do mesmo ano, o TSE entendeu que o fundo eleitoral deve ser distribuído da mesma maneira.

Laranjas

Nas eleições de outubro do ano passado, há a suspeita de que além de candidaturas laranjas, somente para preencher a cota, ocorreu também o desvio de recursos. No registro oficial, a verba ia para as candidatas mas, na prática, tinha outro destino. O ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antonio (PSL), é até investigado por isso.

No ES

Candidatas já relataram à reportagem de A GAZETA terem sido usadas por partidos. Parte da verba eleitoral passou por elas, mas teve que ser "devolvida" aos dirigentes das legendas.

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Esta reportagem contou com a colaboração da residente Annelise Soutto.

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