Dez anos após ter sido apresentada ao Congresso Nacional, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 412, que visa promover a autonomia financeira e administrativa da Polícia Federal para além da autonomia investigativa, finalmente poderá ter um desfecho. O presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados, Felipe Francischini (PSL-PR), desengavetou a proposição no dia 22 de agosto e pretende concluir sua votação, em âmbito de colegiado, até o final deste ano.
A proposta retomada justamente no momento em que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) causou polêmica ao anunciar a saída do superintendente da PF no Rio de Janeiro, Ricardo Saadi, e tentou emplacar um nome de sua preferência no posto, além de dizer que não descarta remover até o diretor-geral da instituição. Posteriormente, disse que, se necessário, trocaria o diretor-geral da corporação, Maurício Valeixo.
Mas a discussão parlamentar em torno da medida promete continuar acirrada, já que dentro da própria Polícia Federal, a PEC não é uma unanimidade. Se por um lado ela é defendia pelos delegados da PF, por outro, é criticada com veemência por policiais federais que sustentam que a mudança poderá resultar até na extinção da instituição.
Em suma, a PEC 412 tem como objetivo substituir o texto do parágrafo primeiro do artigo 144 da Constituição Federal. Assim, a redação onde se lê atualmente "A Polícia Federal, instituída por lei como órgão permanente, estruturado em carreira, destina-se a", deixaria de existir, sendo substituída pela seguinte:
Neste caso, a estruturação da PF passaria a ser estabelecida por uma lei complementar. Conforme explica o atual presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Edvandir Felix de Paiva, o objetivo é quebrar todos os vínculos da instituição com os órgãos do governo, como o Ministério da Justiça, ao qual ela está submetida atualmente.
"Defendemos um modelo em que a PF seja um órgão autônomo e que seu diretor-geral seja nomeado pelo presidente, com mandato, e que tenha autonomia administrativa, orçamentária e financeira. Que ele possa montar sua equipe e administrar o orçamento. O que nós não queremos é que haja vinculação de subordinação à nenhuma área política do governo, nem mesmo ao presidente. Ele irá trocar o diretor na época que o seu mandato estiver se expirando, como é feito hoje com o Ministério Público", explica Paiva.
Um dos pontos centrais da discussão é permitir que a PF elabore seu orçamento. Hoje, ele é feito por áreas técnicas do governo e, depois, levado para apreciação do Congresso.
"Depois que esse orçamento é aprovado, ele é cortado, contingenciado. Esse ano foi um corte de mais de 20%. Temos que ficar parando obras, temos problemas na prestação de serviços, como o de passaporte, precisamos parar atividades para não deixar operações sem dinheiro. Em outubro, parte desse dinheiro é devolvido, mas aí já não dá mais tempo de gastar", critica o delegado.
Paiva aponta o que considera outra vulnerabilidade. "Todos os cargos acima de superintendente tem que passar pela aprovação da Casa Civil e são nomeados pelo Ministro da Justiça. Quando o governo não quer intervir, ele, na prática, deixa o diretor geral fazer indicações. Por isso, coloca-se a PF numa posição suspeita. Sem falar no problema prático que pode ocorrer de quererem colocar políticos ou pessoas ligadas a eles na Superintendência da PF. O superintendente é o ordenador de despesas. É ele quem decide também quais operações serão feitas."
POLÍCIA FEDERAL EM RISCO
Mas enquanto a PF 412 é encampada pelos delegados, a categoria dos policiais federais afirma que ela põe em risco a existência da instituição. Um dos pontos criticados é o fato de que termos que estabelecem que a PF é um "órgão permanente" e "estruturado em carreira" seriam retirados do texto constitucional.
"São retiradas da Constituição todas as garantias de sustentação do órgão. Se você tira isso, fica a 'bel prazer' de interesses e governos", contrapõe o presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Luís Antônio Boudens.
Segundo ele, a proposta foi desenvolvida e encampada por delegados da Polícia Federal sem que houvesse uma discussão mais ampla com os demais membros da instituição. "Não houve debate interno e por isso surgiu um texto tão frágil e equivocado", resume.
Boudens reconhece que as limitações orçamentárias impostas afetam os trabalhos, incluindo o pagamento de despesas básicas das unidades, como contas de água e de luz. No entanto, a Fenapef defende que haja um outro tipo de mudança.
"A solução para isso seria estabelecer por lei um limite para o contingenciamento, como já existe para saúde e educação. É só estender isso para a segurança pública como um todo e não só para a PF", sugere.
O delegado Edvandir Felix de Paiva, por sua vez, diz que os delegados estão dispostos a rediscutir o texto, fazendo alterações necessárias. No entanto, acusa a categoria de policiais de ter outros interesses. "Essa divergência ocorre porque os agentes têm um projeto de carreira única, que é basicamente transformar o cargo de delegado em um cargo de comissão e acham que a autonomia poderia prejudicar isso", aponta.
O QUE DIZEM OS PARLAMENTARES
Na opinião do líder da bancada, o deputado federal Josias da Vitória (PPS), a Polícia Federal deve continuar subordinada ao Ministério da Justiça.
"Até porque é função do ministério estabelecer estratégias e políticas de governo para o combate à criminalidade. Acredito que a hierarquia é o melhor para se ter uma boa gestão e resultados. E também acredito que as escolhas para comandar o órgão sigam critérios de meritocracia, que mantenham a imparcialidade e a autonomia nas ações", informou em nota.
Mas Sérgio Vidigal (PDT), que é membro da CCJ - comissão na qual a PEC 412 será discutida - demonstra um pensamento mais alinhado com quem defende a proposta.
"A autonomia financeira da Polícia Federal eu concordo plenamente. E sobre a questão administrativa, eu defendo que quem for indicado para ser superintendente ou diretor-geral tem que ter mandato."
Procurados pela reportagem, grande parte dos deputados federais que representam o Espírito Santo, como Felipe Rigoni (PSB), Helder Salomão (PT), Ted Conti (PSB), Amaro Neto (PRB), Soraya Manato e Lauriete (PL) não quiseram informar seu posicionamento diante da polêmica questão. Eles dizem que ainda precisam estudar a proposta para emitir opiniões.
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