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Cabo Camata quase virou governador do ES prometendo bater em bandidos

Cabo Camata quase virou governador do ES prometendo bater em bandidos

Discurso de combater violência com mais violência fez sucesso na década de 1990 no Espírito Santo e está de volta. Resultado, no entanto, não foi o esperado

Publicado em 14 de setembro de 2019 às 07:57

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Da tribuna da Assembleia Legislativa do Espírito Santo, um deputado admite, em discurso, que chegou a queimar "bandidos" pendurados em pés de eucalipto, com auxílio de pneus. Exalta uma chacina que deixou 21 mortos no Rio - nenhum deles com ligação com o tráfico. E, em uma figura de linguagem (ou não) ameaça usar vara de gurugumba, espécie de cipó, contra inimigos políticos. A vara poderia fazer as vezes de chicote. Ou de arma eleitoral.

E foi essa a opção de Cabo Camata, deputado estadual, candidato derrotado ao Palácio Anchieta e ex-prefeito de Cariacica. As palavras dele, na já longínqua década de 1990, no entanto, não soam tão diferentes da verborragia na linha "bandido bom é bandido morto" exibida em pleno 2019 na mesma Casa. Que o diga o deputado Capitão Assumção, que ofereceu R$ 10 mil a quem matar o suspeito de cometer um assassinato.

Camata levou a retórica às últimas consequências, acusado de vários assassinatos e condenado por contrabando de armas. A postura de "xerife" frente a uma população assustada com a violência urbana, no entanto, fez sucesso. Em 1994, ele disputou o governo do Estado contra nomes já consolidados ou em franca ascensão e chegou ao segundo turno contra Vitor Buaiz (então filiado ao PT).

A eleição foi conturbada. Buaiz venceu com apoio amplo de diversas forças políticas, até de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), diante da campanha de Camata, que já havia, inclusive, pertencido aos quadros tucanos.

Dois anos depois, Cabo Camata elegeu-se prefeito de Cariacica. A gestão foi marcada por denúncias de corrupção e greves. Ele morreu em um acidente de carro, no ano 2000, na BR 101 Norte. 

DISCURSOS

"O cabo Camata surge na política do Espírito Santo como presidente da Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar (e depois foi expulso da corporação), no final dos anos 1980. Teve uma passagem histriônica pela Assembleia, fazia aquelas falas tipo essa do Capitão Assumção", lembra o cientista político João Gualberto Vasconcellos

"A candidatura dele ao governo do Estado era muito improvável, mas cresceu durante a campanha. Fez uma campanha totalmente voltada ao combate à violência e com base no que hoje se chama de fake news. E com pouco dinheiro. Mas as pessoas gostavam de ver o programa eleitoral dele, achavam engraçado", complementa.  

Cabo Camata, quando prefeito de Cariacica, em 2000. (Fabio Vicentini/Arquivo)

"A passagem de Cabo Camata divide-se em três: a atuação polêmica na Assembleia, depois a candidatura ao governo marcada sobretudo pelo fenômeno de comunicação, com um discurso duro, violento e homofóbico. Já como prefeito, teve uma vitória fácil e uma gestão de pouca expressão e que terminou marcada por denúncias de corrupção", resume o cientista político.

VIOLÊNCIA E MEDO

O historiador Estilaque Ferreira dos Santos avalia que aquele tempo não destoa, mesmo, do atual. "O Espírito Santo já estava, naquela época, sensibilizado com a questão da violência. Foi nesse contexto que ele se popularizou. A população era muito sensível a esse discurso. A urbanização desorganizada, a ocupação desenfreada, na década de 1980 explodiu na década de 1990".

E os grupos de extermínio estavam em alta. "Cabo Camata marcou o início da manifestação política do crime organizado no Estado e quase venceu a eleição. Muita gente teve que fazer voto útil. Mesmo quem não era petista ou não queria votar no Vitor acabou votando, temendo que o governo caísse na mão do Cabo Camata. Era uma polarização parecida com a que há hoje", ressalta o historiador.

IDEOLOGIA

"A matriz ideológica que seduziu o capixaba a votar no Cabo Camata é a mesma que está presente na cena política hoje, é o que faz o deputado Capitão Assumção fazer uma declaração chamando para um assassinato e ter apoio de uma parcela de seus eleitores, tanto que ele não se arrepende. É a mesma que faz a população não ficar estarrecida ao ver o filho do presidente da República posar no hospital ao lado do pai com uma arma na cintura, algo impensável na democracia europeia, por exemplo", avalia João Gualberto Vasconcellos.

Mas os eleitores do Espírito Santo têm uma especial simpatia por discursos autoritários? Para João Gualberto Vasconcellos, não mais do que o restante dos brasileiros: "Não é uma particularidade nossa. A sociedade brasileira é muito violenta, estruturada na escravidão, no esmagamento dos indígenas. A urbanização inconsequente nessas cidades cheias de problemas. Isso não é um dado ocasional. É produto de uma sociedade marcada pela violência desde sempre. Pela violência de quem tem poder contra quem não tem".

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Já Estilaque destaca um fator histórico relacionado ao Estado: "É um Estado de formação com imigrantes, que se integraram mal no início. Mantiveram costumes machistas, paternalistas, ficaram muito isolados, desenvolveu-se uma cultura muito conservadora. No Espírito Santo houve muito fascismo. Até a década de 1960 havia políticos com origem nos integralistas. O fascismo interiorano sempre foi forte, assim como o machismo, a violência, o conservadorismo".

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