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'Incerteza é risco', diz procurador do ES sobre indicação de Augusto Aras

"Incerteza é risco", diz procurador do ES sobre indicação de Augusto Aras

Escolhido fora da lista tríplice, Aras já defendeu teses da esquerda, mas apresentou perfil conservador e pode adotar um "alinhamento" ao governo Bolsonaro

Publicado em 6 de setembro de 2019 às 23:09

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Subprocurador-geral Augusto Aras, indicado para ser procurador-geral da República. (ROBERTO JAYME/TSE)

Escolhido fora da lista tríplice, criticado à esquerda e à direita, mas do agrado do presidente Jair Bolsonaro (PSL), o subprocurador-geral Augusto Aras foi indicado para ser o procurador-geral da República. É o cargo máximo do Ministério Público Federal (MPF), define as prioridades no combate à corrupção e a formação de forças-tarefa como as da Lava Jato.  

O MPF não é um órgão do governo, é uma instituição independente, apesar de a indicação de quem o comanda caber ao presidente da República, com posterior chancela do Senado. No Twitter, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, afirmou que Aras "apresentou um programa que se alinha ao governo atual". E aí, mas não somente aí, que reside a preocupação com o ungido por Bolsonaro.

Procurador da República e delegado da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) no Espírito Santo, Malê Frazão diz que é difícil antever o que Aras pretende fazer à frente da Procuradoria-Geral da República, mas questionado sobre se há risco de retrocesso no combate à corrupção ou à Lava Jato, deixa um alerta:

Aspas de citação

Hoje, andando no escuro na indicação de um procurador-geral que não apresentou seu plano de atuação, que não se sabe o que pretende, não há como se medir se esse risco é grande ou pequeno. Mas a incerteza, por si só, agrava o risco

Malê Frazão - procurador da República
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Em entrevista ao Gazeta Online, ele falou sobre a lista tríplice, o que sabe sobre Augusto Aras e também respondeu a questionamentos sobre a atual procuradora-geral, Raquel Dodge, esta, sim, escolhida por meio da lista tríplice, mas que enfrenta resistência dentro do próprio MPF, inclusive com demissão coletiva.

A lista tríplice - três nomes eleitos pelos próprios membros do MPF e entre os quais o presidente pode escolher o chefe da instituição - tem sido defendida há anos como um avanço institucional. E agora um nome foi indicado fora da lista. Isso é um problema? 

A lista tríplice realiza duas grandes funções no MPF: a democracia interna e a transparência ao processo de escolha do procurador-geral da República. Expõe à opinião pública, à imprensa, aos atores políticos, ao povo, quem são os postulantes ao cargo. Permite questionar os candidatos, o que pensam sobre a instituição, como ele vai gerir o MPF. É uma função importante e estratégica. É o líder da instituição que estabelece prioridades no combate à corrupção, institui forças-tarefas, propõe ações no STF (Supremo Tribunal Federal) e a responsabilização de políticos que têm foro privilegiado no STF.

Infelizmente o subprocurador-geral Augusto Aras não passou por esse processo. Ele, inclusive, se disse contra o processo e decidiu disputar sem se submeter à verificação pelos pares sobre o que ele planeja e como planeja cumprir a missão constitucional.

Não sabemos nada sobre isso hoje. O que esperar do futuro procurador-geral? Não sabemos. Pode ser uma gestão excelente e pode ser uma gestão não tão excelente assim.

A atual procuradora-geral, Raquel Dodge, foi escolhida por meio da lista e enfrenta resistências, o que gerou críticas recentes ao próprio modelo de lista. Como o senhor avalia essas críticas?

A lista escolheu desde 2003 nomes que mudaram a história do MPF e do Brasil, Cláudio Fonteles, Antonio Fernando de Souza, que denunciou o esquema do mensalão, Antonio Gurgel, que sustentou a condenação dos membros da organização que comandava o mensalão, como José Dirceu, pessoa com grande influência na esfera pública, Dirceu era até presidenciável.

E, ao final, doutor Rodrigo Janot que, com as foças-tarefa empreendeu o combate à corrupção com um novo modelo, conseguiu a devolução de bilhões de reais e vários ex-governadores presos. Todos eles vieram da lista tríplice, é um avanço institucional. 

Teve também a doutora Raquel Dodge. Outros membros da sua equipe de apoio foram pedindo desligamento ao longo do tempo, desde os primeiros 120 dias do mandato, em razão de divergências, justificativa bastante semelhante à que o grupo realizou agora. As questões envolvendo o nome da doutora Raquel Dodge, muito ao contrário, reforçam a legitimidade da lista tríplice para se fazer o controle e promover a transparência. 

A opinião pública tinha em mãos as promessas da doutora Raquel Dodge ao se candidatar e, por isso, pode ver se ela as cumpriu ou não. Esse tipo de avaliação que a opinião pública e demais atores fazem da atuação da procuradora não poderá ser feita sobre Augusto Aras porque ninguém sabe qual a sua plataforma de atuação. As críticas à procuradora-geral reforçam a lista tríplice e não a deslegitimam.

O senhor conhece o subprocurador-geral Augusto Aras, da carreira no Ministério Público?

O subprocurador é coordenador da 3ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF (Consumidor e Ordem Econômica). Minha relação com o doutor Augusto sempre se deu institucionalmente, ao necessitar de entrar em comunicação com a Câmara. Várias das nossas diretrizes são dadas pelas Câmaras. Como coordenador ele comandava elaboração de manuais de atuação, de atuação junto ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), por exemplo.

O que eu conheço é isso, que é subprocurador, coordenador e suplente do Conselho Superior do Ministério Público Federal durante um período.

Além disso ele também é advogado. Membros do Ministério Público que ingressaram na carreira antes da Constituição de 1988 podem advogar. 

A classe e a ANPR veem com preocupação alguém que tem advocacia tão intensa ocupe um cargo que exige total dedicação e independência. É um cargo em que se pode desagradar pessoas físicas e jurídicas de grande poder econômico. Uma advocacia pode tirar o fôlego da atuação. Juridicamente, ele pode continuar sendo advogado (mesmo depois de assumir a PGR). Mas a ANPR se preocupa sobre como seria feita a conciliação dessas duas atividades e se isso não impactaria no trabalho na PGR.

E o alinhamento com o governo, que o presidente Bolsonaro e membros do governo já sinalizaram que seria desejável?

O presidente Bolsonaro tem, por ser presidente da República, legitimidade de emitir opiniões sobre a expectativa de um candidato a cargo que ele tem que indicar. Faz parte da dinâmica republicana. O MPF. no entanto, tem atuação independente e é constituído de cerca de 1,3 mil membros na ativa em diversos graus com independência funcional. 

Acredito que, diante da própria arquitetura que a Constituição dá, a independência é um fato, independentemente do pensamento do procurador-geral os colegas de primeira instância continuarão trabalhando naquilo que a Constituição diz que é o melhor bem servir ao povo brasileiro. 

Mas e a atuação da própria procuradoria-geral da República que, como o senhor lembrou, é responsável por casos envolvendo políticos com foro no Supremo Tribunal Federal?

A atuação do, caso confirmado pelo Senado, procurador-geral, não é possível de antever porque ele não se submeteu ao escrutínio público. A gente não sabe. 

A Lava Jato e o combate a corrupção estão em risco?

Um dos alicerces da Lava Jato era justamente o processo transparente e o reforço na ideia de independência que a lista conferia, havendo qualquer tipo de divergência em relação ao combate à corrupção e na interação com as forças-tarefas, a opinião pública e a imprensa em geral de posse das promessas do procurador candidato poderia fazer essa avaliação.

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Você tinha uma previsão sobre os eventuais riscos a uma operação como essa. Hoje andando no escuro na indicação de um procurador-geral que não apresentou seu plano de atuação que não se sabe o que pretendem não há como se medir se esse risco é grande ou pequeno. E a incerteza, por si só, agrava o risco.

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