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O que os políticos ganham presidindo órgãos técnicos

O que os políticos ganham presidindo órgãos técnicos

É possível administrar esses órgãos mantendo olhos nas eleições. Quando o político que os preside faz um bom trabalho ele pode sair ganhando nas urnas

Publicado em 25 de setembro de 2019 às 19:26

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Sede do Detran, um dos órgãos técnicos com gestor político. (Divulgação/Secom)

São órgãos essencialmente técnicos e, diferentemente das secretarias de Estado, sem muita margem para influenciar amplamente as políticas públicas do Estado. Mesmo assim, são comandados por políticos ou dirigentes partidários. E há algumas razões que justificam o interesse em repartições como as do Departamento Estadual de Trânsito (Detran-ES) e da Junta Comercial do Estado.

O que os políticos ganham presidindo órgãos técnicos

Ambos os órgãos são controlados, hoje, respectivamente, pelo ex-deputado federal Givaldo Vieira (PCdoB) e pelo presidente do PSB estadual, Carlos Rafael. O primeiro não conseguiu a reeleição à Câmara. O segundo lidera o partido do governador Renato Casagrande.

A reportagem colheu análises de figuras atuantes do meio político para entender as razões que fazem essas estruturas costumeiramente não serem geridas por técnicos. Eles falaram sob a condição de anonimato.

O imaginário popular pode até sugerir que o interesse de políticos em órgãos técnicos é o de oferecer e levar vantagens espúrias. Mas a colheita pode ser ainda mais frutífera se o gestor imprimir uma agenda oposta a essa, destacaram pessoas consultadas.

Se determinado político, no comando de algum órgão, realizar uma boa gestão, cortar gastos, melhorar os serviços públicos prestados e, ainda, comunicar bem os resultados aos eleitores, poderá se beneficiar daquilo na próxima eleição. Terá um trabalho a mostrar, ao contrário do adversário que permaneceu no ostracismo da vida pública.

Outra chance de colher louros é mais fria. Presidir qualquer autarquia da máquina pública significa deter poder. E por poder leia-se gerir orçamentos milionários, escolher comissionados e mudar regras internas de funcionamento. Segundo o Portal da Transparência, o Detran tem 162 funcionários efetivos e 364 de livre indicação.

Um outro ponto lembrado por políticos consultados é servir como fonte de renda de pessoas que dedicam a vida a disputar eleições. Quando estão fora de cargos eletivos, precisam manter padrões de vida, pagar contas e, claro, sem deixar de fazer política.

Alguns órgãos da administração pública estadual, como Detran e Junta Comercial, têm seus conselhos. E os conselheiros recebem jetons de até R$ 2 mil por reunião.

Junta Comercial do Espírito Santo tem chefe político. (Leandro Nossa)

PROGRAMA SOCIAL E INFORMAÇÕES

O Detran tem um orçamento de R$ 190,8 milhões para 2019. A Junta Comercial, de R$ 13,9 milhões. Sob o guarda-chuva do órgão de trânsito está, por exemplo, o programa CNH Social. É uma forma de a autarquia e seus dirigentes se apresentarem sobretudo à população mais pobre.

"No Detran, dá para fazer política e ter uma renda. A capilaridade do órgão é absurda. Milhares de pessoas dependem daquele serviço. Se o executivo for um político, pode dizer que ajudou para uma carteira de motorista, por exemplo, mesmo que não tenha ajudado em nada", comentou uma fonte que conhece o funcionamento do órgão.

No passado, destacaram as fontes, as chances para agir de maneira pessoalizada eram ainda maiores. As normas de controle para emplacar carros e liberar documentos eram menores.

"Hoje a legislação é muito rígida. No passado, poderia ajudar um eleitor a tirar uma carteira, não tinham autoescolas. Hoje é praticamente impossível um político ajudar um aluno a passar em prova de legislação de trânsito", disse um experiente político. 

A capilaridade da Junta Comercial é muito menor, com atribuições bem menos populares que as do Detran. Consequentemente, o interesse político-eleitoral no órgão é reduzido. Tem 100 funcionários, dos quais 29 são comissionados. Mas políticos reconhecem que a Junta tem, sim, utilidade política.

Trata-se de um departamento estratégico pelo qual passam interesses de todos os empresários com negócios no Espírito Santo. Seu dirigente, portanto, tem, no mínimo, agilidade para acessar e monitorar alguns tipos de dados de empresas.

"Isso pode ser útil para, na eleição, lembrar a situação das empresas, saber quem é sócio de quem. Na Junta, pode-se saber isso de um jeito mais rápido. E pode-se acelerar ou não a aprovação de atas", diz um político que frequenta o órgão.

PROBLEMAS

Para o Antonio Cecílio Moreira Pires, professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, as indicações políticas para órgãos técnicos é um problema da gestão pública.

"Os órgãos técnicos deveriam ser chefiados por pessoas com habilitação técnica, competência devida. Infelizmente, essa visão não retrata a realidade", destacou.

O professor salientou como funciona a escolha dos cargos. "O que acontece é que nesses órgãos de caráter técnicos os cargos de direção, o diretor-administrativo, o diretor-presidente, são cargos de comissão como outro qualquer. Acabam não tendo respeitados os requisitos técnicos, podem ser providos por qualquer pessoa. E claro que a indicação política vai funcionar. Logicamente, se a pessoa forma mal intencionada pode agir indevidamente diante de um orçamento considerável", assinalou.

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"Se o órgão técnico não é conduzido adequadamente, quem sofre é o usuário do serviço público, que terá um serviço prestado de maneira ruim, sem falar em eventual desvio de recursos públicos", completou.

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