Entrevista

Marina Silva: "PT quer apagar a História e esconder governo Dilma"

Em entrevista ao Gazeta Online, candidata afirma ainda que "Bolsonaro é risco em muitos níveis, por ser um "saudosista da ditadura" e só querer governar para os mais fortes

Vitor Jubini

Uma Marina Silva afiada foi a que veio ao Espírito Santo em campanha neste sábado (15). A candidata da Rede Sustentabilidade à Presidência da República não poupou críticas a ninguém: nem a Jair Bolsonaro, nem ao PSDB, nem ao PT, nem a Dilma… nem a Lula e aos “amigos do rei”. Em entrevista ao Gazeta Online e à Rádio CBN Vitória, ela chegou a citar o fascismo e o stalinismo ao analisar, respectivamente, as posturas de Bolsonaro e do PT.

Para a candidata, assim como os fascistas, Bolsonaro propõe-se governar só “para os mais fortes e os mais poderosos”. Enquanto isso, avalia ela, o partido de Lula tem procurado não apenas reescrever a História – como fazia o regime stalinista na União Soviética –, mas apagá-la completamente.

É uma alusão ao que Marina observa como esforço por parte do PT para jogar o governo Dilma/Temer para um “buraco negro”, como se só tivesse existido o governo Lula, e dali tivéssemos saltado diretamente para 2018. É uma narrativa que, segundo ela, não será possível se manter. Para a candidata, agora que Fernando Haddad entrou oficialmente no páreo no lugar de Lula, o ex-prefeito de São Paulo terá a obrigação de dar muitas explicações para os brasileiros.

Marina classifica o candidato Bolsonaro como um “risco em muitos níveis”, não só a princípios democráticos, mas à concepção de que é preciso governar para todos, inclusive – e principalmente – para os mais fracos e que mais necessitam do Estado.

“Ele é um saudosista da ditadura militar e representa um risco à defesa dos direitos humanos, ao combate ao preconceito. É um risco em muitos níveis. (...) Eu nunca vi alguém se colocar para ser presidente da República dizendo que vai governar para os que podem, para os que têm dinheiro, para os que são fortes. Isso não existe na história. Até mesmo os que vão fazer isso dizem outra coisa. Escamoteiam a verdadeira intenção."

As últimas pesquisas do Ibope e do Datafolha, divulgadas nesta semana, indicam que a senhora tem sofrido uma queda nas intenções estimuladas de voto. Na última do Datafolha, divulgada nesta sexta-feira (14), a senhor aparece com 8%. A que fatores atribui isso?

 Agora começa um novo tempo no jogo. Enquanto não estava em cena a candidatura do PT, nós tínhamos ali uma situação de pessoas que estavam oscilando para essa ou aquela candidatura. Eu sempre mantive uma base inicial de 8%. Agora vamos começar uma outra disputa. E estamos apresentando as nossas propostas, viajando o país inteiro e, claro, tentando superar as dificuldades estruturais. É uma campanha que enfrenta campanhas muito poderosas em dinheiro e que têm tempo de televisão. Mas, do ponto de vista político, temos um acolhimento muito grande da sociedade brasileira. E sabemos que a pesquisa é apenas a fotografia do momento: este momento em que temos agora uma linha de largada com todos que estão disputando. E o candidato do PT foi blindado durante esse tempo todo de explicar por que nos governos Dilma/Temer o Brasil foi perdendo tudo de bom que havia no governo Lula e aprofundando tudo de ruim que lá também existia, a ponto de entregarem o país agora incomparavelmente pior do que encontraram. E o candidato do PT agora vai ter que se explicar, da mesma forma que o candidato do PSDB tem que explicar por que é ele agora quem está com os aliados de Dilma sobre o seu palanque.

E a senhora pretende cobrar o Haddad sobre isso, exigir que ele dê ao povo brasileiro essas explicações necessárias mencionadas pela senhora?

Com certeza. Independentemente de quem fosse o candidato, o PT é obrigado a explicar para a sociedade o que aconteceu com o país do pleno emprego que agora tem 13 milhões de desempregados. O que aconteceu que o país que antes se orgulhava de ter tirado 40 milhões da pobreza agora devolveu todos para a pobreza? O que aconteceu com o discurso da ética e combate à corrupção e ter desviado, para os amigos do rei, dinheiro público que poderia ser usado para saúde, educação e segurança pública. Foi mais de R$ 1 trilhão em recursos do BNDES. O Bolsa Família custa 0,5% do PIB. O “Bolsa Empresário” custa 5%. O PT tem que explicar. E tem que explicar também por que eles estão colocando num buraco negro o governo da Dilma e do Temer. É como se tivesse terminado o governo Lula e pula para 2018. Se eles não reconhecem nenhum dos erros, nada, não teve problema nenhum? Não existiu o governo da Dilma? Eu já vi muita gente no stalinismo reescrevendo a história. Agora, apagando completamente a história é a primeira vez. Eles têm que explicar o governo Dilma/Temer.

A senhora teme uma derrota acachapante? E de que forma isso poderia prejudicar o projeto da Rede?

Impossível uma derrota acachapante. Estar concorrendo, apresentando as propostas, propostas que são coerentes, com a defesa do meio ambiente, com a educação, que cria igualdade de oportunidades, que prioriza a primeira infância (de 0 a 4 anos de idade), ampliando mais de 2 milhões de cagas em creches, para que nossas crianças não sejam abandonadas, isso não tem como ser uma derrota acachapante. Acachapante seria se omitir. Acachapante seria deixar, depois de tudo o que aconteceu em nosso país, apenas as candidaturas que estão comprometidas em acabar com a Lava Jato. Só o fato de estar aqui dizendo que eu defendo a Lava Jato já é uma vitória. É uma vitória porque PT, MDB, PSDB, DEM, estão todos mancomunados para acabar com a Lava Jato. Já é uma vitória eu estar aqui para ser uma alternativa para a sociedade brasileira, alguém que tem compromisso com os pobres pela própria trajetória de vida, alguém que fala a verdade, não inventa qualquer história para poder ganhar a eleição. Isso não tem como ser uma derrota acachapante. Acachapante é fazer o jogo perverso que está aí e deixar tudo como está.

As pesquisas mais recentes indicam Jair Bolsonaro na dianteira, seguido por um grupo de quatro candidatos que formam um segundo pelotão…

Vários candidatos, inclusive eu. Aliás, a imprensa, quando eu fiquei durante oito meses no segundo lugar, não considerava tanto. Nem analisavam. Me consideravam “inviável”. Era como se eu não existisse. Agora que teve uma pequena oscilação, todo mundo fala das pesquisas. É engraçado. Então, estamos empatados no segundo lugar.

É exatamente esse o ponto. Há uma disputa dura pelo segundo lugar, portanto por essa segunda vaga para o segundo turno. O Alckmin mais do centro para a direita; mas a senhora, o Haddad e o Ciro, os três estão mais à esquerda. Quais são as diferenças essenciais entre a senhora e esses dois concorrentes do ponto de vista político-ideológico?

Eles são desenvolvimentistas. Eu sou sustentabilista progressista. Defendo o desenvolvimento econômico com justiça social, mas com o profundo compromisso de criar um novo ciclo de prosperidade, onde economia e ecologia caminhem juntas. Essa é a principal diferença. Do ponto de vista ético, tanto eu quanto o Ciro graças a eu não fomos pegos no “doping da Lava Jato”. Então já tem uma outra diferença aí. Mas eu defendo a lava Jato. Fui a primeira a ir à Transparência Internacional e recebi mais de 70 medidas para prevenir, combater, punir a corrupção e promover uma gestão pública sem compromisso com a corrupção. Existem diferenças nas propostas e nos propósitos. Agora, eu tenho como escolha não fazer campanha destruindo biografias. As críticas que eu faço não são a pessoas. São críticas políticas, com base numa visão de política que não faz qualquer coisa para ganhar uma eleição. Diferentemente da Dilma, que disse que juntava-se com o diabo para ganhar, eu não quero me juntar com o rabudo. Então vou fazer uma disputa limpa, sem fazer a campanha do ódio. Tem muito chão pela frente. Estamos vendo o eleitor brasileiro tendo que direcionar a sua frustração com PT, MDB e PSDB para algum lugar. Ainda é muito cedo. Até porque a população já está descobrindo que a política do ódio não leva a lugar nenhum. Que a visão de segurança que acha que vai defender a vida das pessoas com uma arma não vai a lugar nenhum. E não vai a lugar nenhum porque foi desmoralizada num ato. O candidato Bolsonaro, que diz que para se proteger você tem que ter uma arma e não uma política pública onde o Estado é que defende a sua vida, a sua casa e a sua propriedade, ele não conseguiu defender a própria vida. Ele estava com vários policias federais, com um contingente enorme de PMs, um monte de seguranças todos armados, e um homem com uma faca quase cometeu uma desgraça. Graças a Deus ele não estava com uma arma de fogo, que o Bolsonaro advoga que esteja na mão de todo mundo. Eu espero que a sociedade brasileira abra os olhos, principalmente as mulheres. A gente cria um filho, tem tanto trabalho para educar um filho, tudo o que a gente quer ver é uma família unida. Agora vem alguém dizer que teremos um país desunido, um país que se movimenta pelo ódio. Eu nunca vi nenhum governante, a não ser no fascismo, dizer que vai governar para os poderosos, para os ricos, ser contra os negros, ser contra os índios, ser contras as mulheres, ser contra as minorias. A que absurdo nós chegamos? De um lado, um que diz que vai governar para os que podem contra os que não podem. Do outro, alguns dizendo que não tem problema a corrupção. Quem vai resolver quem estará no segundo turno é a consciência dos brasileiros.

A gente observa hoje um país radicalizado politicamente, o que pode ou tende a piorar. A senhora teme que isso se acentue num eventual segundo turno entre o candidato da extrema direita e o do PT? E outra: como diminuir esse nível de radicalização política e conciliar o país?

Eu estarei no segundo turno para manter o equilíbrio. Eu sou a pessoa mais preparada para unir o Brasil, porque não tenho o ódio como prática política. Isso não é um discurso oportunista para tentar mostrar aos brasileiros que tenho capacidade de unir. Isso é o que eu faço ao longo da vida. E, se Deus e o povo brasileiro quiserem, eu estarei no segundo turno para manter o equilíbrio na política, na ética e na vida das pessoas. Essa política do ódio não vai levar a lugar nenhum. A defesa do equilíbrio apenas como estratégia de marqueteiro é uma vergonha. A defesa do equilíbrio e da união tem que ser um princípio, o propósito de uma nação. E isso eu sei que ajudarei a construir.

Como a senhora avalia a recente declaração do general Mourão, vice de Bolsonaro, defendendo uma Constituinte formada por pessoas não eleitas pelo povo?

Uma Constituinte feita sem pessoas eleitas pelo povo é golpe. Numa democracia, a Constituição é feita por mandatos escolhidos para fazer uma Constituinte. Os saudosistas da ditadura militar podem inventar todo tipo de ilusionismo para tentar enganar o povo. Mas quem passou o trauma da ditadura não vai se enganar. Constituinte é feita por quem é eleito com mandato constituinte, que acaba após fazer a Constituição.

Que país é pior, de acordo com sua concepção de Brasil, seus valores e princípios? Um país que volte às mãos de um defensor da ditadura ou um país de volta às mãos do governo populista do PT?

Prefiro um país que elege nem que é protoditador nem populista. Um país que elege quem tem compromisso com a democracia, com a ética na política, com a saúde dos brasileiros, com a retomada do crescimento para recuperar os empregos dos brasileiros, com a proteção do meio ambiente. O melhor caminho é esse. Nós não podemos ficar entre a cruz e a espada, entre o anzol no beiço e o anzol no olho. O Brasil tem que escolher. Nós não estamos presos a optar entre o sujo e o mal lavado. Nós podemos transformar o Brasil.

E, num eventual segundo turno que reúna Jair Bolsonaro e qualquer candidato democrata, que pode ser a senhora, a senhora acredita que os democratas terão que se unir para derrotar Bolsonaro?

A população brasileira vai ter que se unir a favor do Brasil. Agora não é uma questão de ficar mobilizando as pessoas para ser contra alguém. É mobilizar para ser a favor da democracia. A favor do uso correto do dinheiro público. A favor de transparência. A favor do respeito às minorias. A favor de ter um país justo, que seja bom para todos. A favor de índios, a favor de negros, a favor de quem não crê, de quem não crê. A favor do Brasil.

A senhora acredita, então, que Bolsonaro representa um risco à democracia?

Ele é um saudosista da ditadura militar e representa um risco à defesa dos direitos humanos, ao combate ao preconceito. É um risco em muitos níveis. Eu nunca vi alguém dizer que vai governar para ser contra os mais fracos. O Bolsonaro diz que, se for eleito, não vai se criar mais um centímetro de terra indígena. Eu nunca vi isso. Eu sou uma mulher de fé e fico pensando. O livro de Provérbios diz: “Abre a tua boca e julga retamente. Abre a tua boca a favor dos pobres e dos necessitados”. Eu nunca vi alguém se colocar para ser presidente da República dizendo que vai governar para os que podem, para os que têm dinheiro, para os que são fortes. Isso não existe na história. Até mesmo os que vão fazer isso dizem outra coisa. Escamoteiam a verdadeira intenção. E a população agora está dizendo que agora nós vamos cultivar uma prática política em que valores como respeito, amor ao próximo, solidariedade, nada disso vale? Que país é esse? Como é que a gente vai deixar que alguém diga que estamos construindo alguma coisa ensinando uma criança a apontar uma arma, ao invés de fazer um gesto de amor com um coraçãozinho na mão? Essa é uma escolha que a população brasileira tem que fazer. Isso é uma escolha mais do que política. Isso é uma escolha moral, é uma escolha ética. E, para alguns, é uma escolha até espiritual. Estão querendo voltar ao “olho no olho, dente por dente”. Isso já foi revogado pelo Novo Testamento.

Ver comentários