Sistema de votação brasileiro

Especialistas e TSE garantem segurança das urnas eletrônicas

Desde sua implementação pelo Tribunal Superior Eleitoral, o modelo eletrônico jamais registrou fraudes

Maira Mendonça

Publicado em 21/10/2018 às 22h43

A votação para o primeiro turno das eleições ainda acontecia, em 7 de outubro, quando um vídeo (hoje já atestado pela Justiça Eleitoral como falso) que mostrava uma urna completando automaticamente o número do presidenciável Fernando Haddad (PT) tomou conta das redes sociais. Em pouco tempo, boatos acerca de fraudes nas urnas se espalharam, alimentados pela desconfiança de parte do eleitorado e por declarações de candidatos.

Os questionamentos quanto à lisura das urnas brasileiras, implantadas nas eleições para prefeito de 1996, não são novidade, mas em meio ao clima de acirramento político que domina este pleito, tomaram dimensões até então inalcançadas. Na contramão de tudo isso, especialistas e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) garantem: o sistema é seguro.

Secretário de Tecnologia da Informação do Tribunal Regional Eleitoral do Estado (TRE-ES), Danilo Marchiori, afirmou que a idoneidade e transparência do processo é assegurada por uma série de testes públicos, que são iniciados um ano antes das eleições.

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O objetivo é que especialistas e representantes de universidades e de órgãos, como Ministério Público e Polícia Federal, além dos próprios partidos, possam verificar o sistema desenvolvido pelo Tribunal Superior Eleitoral. A intenção é de que eventuais problemas sejam apontados e corrigidos.

Um dia antes do pleito, algumas urnas são sorteadas e levadas às sedes dos Tribunais Regionais Eleitorais de cada Estado. Lá, em uma sala com câmera e na presença de representantes de partidos, é realizada uma simulação de votação. Depois, compara-se os votos em papel e os digitados. "Desde 1996, quando o sistema começou a ser utilizado, nunca houve divergências", assinalou Marchiori.

"Não existe nenhum sistema 100% seguro. O que existe é um conjunto de mecanismos de proteção, que compensam eventuais falhas", explicou.

MECANISMOS

Entre os recursos utilizados para barrar as fraudes está a tabela de correspondência. Com ela, os resultados recebidos somente são processados se houver a correspondência entre a urna e a seção para a qual foi preparada.

Ao final da votação, cada urna imprime uma publicação que contém os votos computados de cada sessão. Os chamados boletins de urna podem ser comparados com os resultados do TSE. Outro detalhe: durante a votação, a Justiça Eleitoral se desconecta da internet, impedindo assim possíveis invasões de hackers.

O diretor da área de inteligência da empresa Cipher, Fernando Amatte, que entre 2009 e 2012 participou dos testes públicos das urnas, destaca as assinaturas digitais contidas em cada equipamento. "As urnas precisam dessa assinatura para funcionar. Se houver qualquer suspeita de desvio ou fraude, ela é cancelada e os votos não são reconhecidos. É um controle rigoroso de urna a urna".

Quem critica o sistema afirma que ainda há pontos obscuros principalmente ao final do processo, quando as urnas são fechadas. Os vários especialistas que defendem a urna eletrônica apresentam seus argumentos. "Basta olharmos as pesquisas de boca de urna, feitas no dia da eleição. Se houvesse problema nas urnas, haveria distorção", sublinha Otávio Figueiredo, estatístico da UFRJ.

Amatte destaca que a redução do nível de desconfiança dos eleitores depende de uma maior participação no processo: "A população deveria fazer fila no TSE quando os testes públicos são abertos, mas hoje poucas pessoas participam. Os especialistas em programação do país podem auxiliar, encontrando falhas e ajudando a resolver. É hora de arregaçarmos as mangas".

COMO SÃO FEITAS AS URNAS

Hardware

Trata-se da parte física da urna. Ela é projetada pelo Tribunal Superior Eleitoral em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e o Centro Técnico da Aeronáutica. A produção é feita por empresas licitadas. No Brasil, as urnas já foram produzidas pela Unisys (americana), Procomp (brasileira) e Diebold (americana).

Software

O sistema interno das urnas é desenvolvido pela Justiça Eleitoral. Equipes de profissionais do TSE se especializam em uma parte do sistema para elaborá-lo. Nos TREs, o sistema é testado e homologado para que haja controle interno.

Defensores do voto impresso querem "garantia" para eleitor

Em meio às dúvidas lançadas sobre as urnas eletrônicas, clamores pelo retorno do voto de papel surgem entre eleitores e parte da classe política. Um dos defensores é o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) – o mesmo que há 25 anos defendeu publicamente a informatização do voto, conforme aponta uma reportagem do "Jornal do Brasil" da época. Após a apuração das urnas, Bolsonaro chegou a dizer que poderia ter sido eleito no primeiro turno caso não houvesse fraude no sistema.

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Mas para o historiador Rafael Simões o sistema eletrônico, que é utilizado há 22 anos no Brasil, não só deu mais agilidade à apuração (que antes durava até semanas) como também tornou o processo mais transparente e democrático.

"Até 1930, o voto era aberto no Brasil e o eleitor já levava a cédula de casa. Isso permitia que os coronéis da época controlassem quem votava neles ou não. Já a partir da eleição de 1933 implantamos o voto secreto. Mas ainda assim as fraudes podiam ocorrer durante a apuração. Por exemplo, se o papel estava em branco, era possível escrever o nome ou marcar um X referente a algum candidato, ou ainda trocar a cédula", lembrou.

O professor continuou: "O sistema fica cada vez mais seguro, inclusive com a implantação da biometria. Esses protestos de hoje não fazem sentido. Tanto é que com a urna ganham os mais diferentes candidatos, desde os políticos tradicionais até os recém-chegados".

Laura Chinchilla e integrantes da OEA conheceram  o sistema com urna eletrônica
Laura Chinchilla e integrantes da OEA conheceram o sistema com urna eletrônica Foto: Roberto Jayme/Ascom/TSE

Este ano, o processo eleitoral no Brasil foi acompanhado de perto por membros da Organização dos Estados Americanos (OEA). Foram visitadas 390 sessões em 130 postos de votação e nenhum indício de fraude foi encontrado. A chefe da missão para avaliação eleitoral da OEA, Laura Chinchilla, destacou o "profissionalismo e perícia técnica" da Justiça Eleitoral durante o primeiro turno do pleito.

CREDIBILIDADE

Referência internacional quanto ao sistema de votação eletrônica, o Brasil possui acordos de cooperação firmados com outros países, a fim de que conhecimentos sejam trocados. De acordo com o TSE, nas eleições municipais de 2016 mais de 30 nações enviaram autoridades para conhecer o sistema, como Angola, Bolívia, Coreia do Sul, Estados Unidos, França e México.

Contudo, a ideia da impressão do voto é defendida por especialistas. Mario Gazziro é professor da Universidade de São Paulo e coordenador do Comitê de Tecnologias Eleitorais, que é vinculado à Sociedade Brasileira de Computação. No ano passado, ele apresentou um protótipo de urna eletrônica de terceira geração, no qual é possível ver o voto sendo impresso, mas de um modo avançado: com um código de barras e o nome do candidato escolhido, sem a identificação do eleitor.

Estamos há anos pedindo pela implementação do voto impresso, uma forma de garantir a conferência entre o resultado eletrônico e a real escolha do eleitor. Mas não acreditamos na existência de fraudes generalizadas, cometidas por quadrilhas ou pela autoridade eleitoral
Mario Gazziro, professor da USP e coordenador do Comitê de Tecnologias Eleitorais

O secretário de Tecnologia da Informação do TRE-ES, Danilo Marchiori, afirmou que o órgão está pronto para utilizar o voto impresso, que inclusive já foi aplicado em 1996 e em 2002. "Seria mais uma forma de passar confiança para as pessoas. Mas não cabe à Justiça Eleitoral decidir isso e sim ao Supremo Tribunal Federal (STF)", disse.

ANÁLISE

Otávio Figueiredo Estatístico e professor associado da Escola de Negócios da UFRJ.

Movimento tem objetivo de criar desconfiança

Se houvesse mesmo fraude nas urnas, como algumas pessoas sustentam, haveria distorções entre as pesquisas de boca de urna, que são realizadas no dia das eleições, e o resultado do TSE. A metodologia das pesquisas de intenção de voto é estática, enquanto o eleitorado é muito dinâmico. Por isso, acontecem divergências entre os resultados de pesquisas realizadas anteriormente e os resultados do pleito. Por isso, algumas pessoas podem levantar a suspeita. Mas os resultados obtidos no primeiro turno não fugiram à margem de erro das pesquisas que foram feitas em 7 de outubro. Há quatro anos, quando Dilma Rousseff (PT) ganhou no segundo turno com pouco mais de 1% de diferença em relação a Aécio Neves, o PSDB pediu uma auditoria das urnas eletrônicas. Trata-se, agora, de um movimento para a geração de uma desconfiança, a fim de que ela possa vir a ser usada em ações futuras.