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Rio Itapemirim: 15 anos depois, nova expedição mostra desafios

Rio Itapemirim: 15 anos depois, nova expedição mostra desafios

Reportagem registrou o percurso em que pesquisadores mapearam a situação do rio 15 anos depois. Há muitos problemas, mas também um caminho de soluções num acordo que será assinado por governo e sociedade civil

Publicado em 5 de julho de 2019 às 22:50

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Nova expedição mostra desafios para salvar rio. (Marcel Alves | TV Gazeta Sul)

Há 15 anos, uma expedição foi a campo para conferir a situação da principal bacia do Sul do Estado, a do Rio Itapemirim. O resultado acendeu um alerta para a baixa no volume de água, o uso desordenado do solo e a falta de cobertura florestal. Neste ano, a incursão promovida pela TV Gazeta Sul refez os passos e constatou que o cenário pouco mudou, que há muitos desafios para salvar o Itapemirim e seus afluentes. Os pesquisadores da Expedição Científica do Rio Itapemirim também buscaram soluções.

No mês passado, durante uma semana, ambientalistas e técnicos de diversas áreas – cerca de 20 pessoas – saíram de Cachoeiro de Itapemirim e percorreram mais de 700 quilômetros ao longo dos principais afluentes da bacia para registrar e reavaliar as mudanças no ecossistema ao longo dos 17 municípios abrangidos por ela. No trajeto, foram coletados materiais, como amostras da água, para serem analisados. A partir do próximo dia 15, uma série de reportagens na TV Gazeta vai mostrar os resultados da expedição.

Nova expedição mostra desafios para salvar rio. (Marcel Alves | TV Gazeta Sul)

Mesmo 15 anos depois, um grande vilão da poluição continua presente na água: o esgoto. A falta de saneamento básico no campo e nas cidades ainda coloca em risco a vida do rio e a saúde da população. O problema nem sempre está ligado à responsabilidade do poder público. Apesar de muitos municípios contarem com estações de tratamento de esgoto, nem todas as casas estão ligadas à rede.

“Nos entristeceu a ausência de políticas públicas para o tratamento de esgoto das cidades. O problema é considerado, hoje, o maior poluidor dos centros urbanos. Em geral, em todos os municípios há lançamento de dejetos nos rios, até naqueles que dizem ter tratamento de 100% de esgoto”, conta o agente do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) Justino Marques Marquezini, que participou da expedição.

Nova expedição mostra desafios para salvar rio. (Marcel Alves | TV Gazeta Sul)

Inclusive, depois da expedição sair de Cachoeiro, não foi preciso ir tão longe para encontrar o primeiro flagrante. No interior de Castelo, cidade vizinha, foi identificado um vazamento ao lado de uma estação de tratamento de esgoto.

“Ficamos abismados. Registramos quatro situações que devem ser apuradas em delegacias de cidades por onde passamos. Dessas, três foram de lançamento de esgoto na água. Também vimos pesca e extração de areia irregulares”, ressaltou o sargento da Polícia Militar Ambiental Sebastião José Silva, que acompanhou a equipe na expedição.

Volume

Além dos problemas na qualidade, a pouca quantidade de água chamou a atenção. O Rio Itapemirim, que já teve grande importância econômica e foi navegado por grandes embarcações, reduziu de volume nos últimos 15 anos. “Percebemos que a quantidade de ‘ilhas’ de areia é imensa e elas continuam se formando por conta do assoreamento. Em alguns pontos, o volume diminuiu cerca de um metro e meio em relação a 15 anos atrás”, contou a ambientalista Dalva Ringuier, que também participou da primeira expedição.

O assoreamento, apontam os expedicionários, continua ligado ao uso irracional do solo por conta da monocultura (plantação de um único produto agrícola) e muitas áreas de pastagem. Para esse tipo de atividade ser realizada, é preciso retirar uma enorme área de cobertura vegetal nativa. Com isso, não é preservada a mata ciliar, vegetação nativa que deve ficar às margens do rio para evitar que a chuva carregue material do solo para o afluente.

Com essas práticas, o terreno fica empobrecido de nutrientes e há perda da biodiversidade, prejudicando a capacidade de armazenamento de água pelo solo em lençóis freáticos – que fazem parte das chamadas áreas de recarga, onde é “produzida” a água que abastece os rios.

Por outro lado, há quem esteja reflorestando, mas da maneira errada, segundo a ambientalista Dalva Ringuier. “Houve aumento de cobertura florestal nas áreas de preservação, mas na maior parte da extensão da bacia não houve avanço. Às vezes, há cultivo de apenas uma espécie de planta, o que não contribui para a biodiversidade e o enriquecimento do solo”, conta.

Produção

A bacia do Rio Itapemirim tem afluentes em uma área de cerca de 5.952 km2 e abrange os municípios: Alegre, Atílio Vivácqua, Cachoeiro de Itapemirim, Castelo, Conceição do Castelo, Ibitirama, Jerônimo Monteiro, Muniz Freire e Venda Nova do Imigrante em sua totalidade, e parcialmente os municípios de Ibatiba, Iúna, Irupi, Itapemirim, Marataízes, Muqui, Presidente Kennedy, Vargem Alta e uma pequena parte de Lajinha (Minas Gerais).

A abrangência implica em grande demanda sobre o uso da água. As responsabilidades, além da população, recaem em diversos setores, da produção cafeeira – que precisa ter tanques para decantação da água residuária do café – às empresas de beneficiamento de rochas, que têm forte polo na região.

O desafio, para Marquezini, agente do Iema, é aumentar a fiscalização sobre o uso da água.

Pontos críticos

Degradação do solo

Uso inadequado da terra

Uso irracional da terra (com pecuária e cultivo de café) levando ao esgotamento dos minerais do solo. Nas áreas de pastagem, a média seria de um animal por hectare. Hoje, há áreas com cinco ou mais.

Falta de saneamento

Qualidade da água

Ambientalistas apontaram que em grande parte da bacia há ausência de coleta e tratamento de esgoto, jogado in natura no rio. A qualidade da água é ruim perto das sedes municipais.

Impacto de resíduos industriais

Poluição

Descarte irregular dos rejeitos ao final dos processos das empresas.

Falta de cobertura florestal

Reflorestamento

Baixa variedade e quantidade de vegetação de origem natural ou plantada que recobrem uma área, principalmente de mata ciliar

Falta de assistência ao produtor rural

Informação

Produtores encontram dificuldades no acesso à informação e técnicas de manejo de solo e recursos naturais.

Assoreamento

Ilegal

Os leitos dos rios possuem acúmulo de detritos, lixo, entulho e ou outros materiais jogados irregularmente. A quantidade de "ilhas" de areia no meio da bacia aumentou.

Fiscalização

Denúncia

Crimes ambientais chegaram à Polícia Ambiental por meio da população.

Bacia do Itapemirim: Pequenas ações  nos municípios fazem a diferença

Em Iúna, grupo adotou área usada como ponto de descarte de lixo e a reflorestou

Apesar de pequenas, há boas ações pela preservação e recuperação em diversos municípios às margens da bacia do Rio Itapemirim. São iniciativas de pessoas que degradaram o solo ao longo dos anos, mas entenderam que viveriam melhor e que impactariam menos se mudassem o manejo do solo, ou seja, a maneira de cultivar suas produções agrícolas.

“Proprietários de terra e empresários investiram na restauração de áreas de recarga (com lençóis freáticos, capazes de abastecer o rio) e matas ciliares (vegetação às margens do rio), e na mudança no manejo das lavouras. Isto, por exemplo, foi observado em propriedades cafeeiras na região de nascentes do Rio Castelo, que integra a bacia e está em Castelo e em Cachoeiro do Itapemirim”, disse o biólogo Helimar Rabello, participante da expedição.

Ele citou ainda a formação de sistemas agroflorestais – que combinam o cultivo agrícola com espécies de árvores frutíferas e madeireiras – em áreas de mata ciliar, na mesma região.

“Outro ponto foi a recuperação de áreas ciliares no Rio Castelo, e depois de Cachoeiro de Itapemirim. São áreas pequenas quando comparadas ao total, mas observamos aumento de fauna nativa nestes locais”, pontuou.

Árvores

Em Iúna, no Caparaó, outra iniciativa de destaque. Uma área pública de um hectare ganhou 3 mil árvores às margens do Rio Pardo. “Há 15 anos, esse terreno só tinha lixo, carrapatos, mosquitos da dengue. Com o projeto, valorizamos o espaço com vegetação”, disse Fábio Ferreira de Paula, membro da Organização Não Governamental (ONG) Amigos do Verde.

A ONG criou o projeto e atua há mais de 10 anos na preservação do meio ambiente, focando no Rio Pardo, que banha Iúna. Ela iniciou suas atividades em 2003, após uma ação entre iniciativa privada, órgãos ambientais e a comunidade. Na ocasião, foram plantadas mais de mil mudas de várias espécies ao longo da margem do rio.

A partir daí, um grupo de amigos se uniu pela causa e, desde então, vem atuando na conservação das mudas, com ações de replantio, construção de cercas, retirada de lixo e instalação de placas educativas.

Proposta é recuperar 5 mil hectares

Em busca de soluções para os problemas encontrados durante a expedição pela bacia do Rio Itapemirim, o governo do Estado vai assinar um termo de cooperação técnica para a recuperação das áreas degradas da região, com plantio de espécies nativas em cinco mil hectares. O projeto será denominado Pró-Águas Bacia Hidrográfica do Rio Itapemirim.

Vão firmar o documento a Secretaria de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag), a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama), além dos institutos Pacto pelas Águas e Espinhaço - de atuação nacional -, com o apoio da Rede Gazeta e do Movimento Empresarial Sul do Espírito Santo (Messes).

O pacto dá início ao projeto que deve promover o plantio nos cinco mil hectares e o termo será assinado no seminário “Rio Itapemirim: Cenários, Desafios e Oportunidades para a Revitalização de sua Bacia e o Desenvolvimento Sustentável de seu Território”, que acontece na próxima quinta-feira, em Cachoeiro de Itapemirim.

Durante o evento, que deve reunir quase 200 convidados, também serão apresentados os resultados da expedição e serão discutidos em painéis os desafios para mudar o cenário atual, as iniciativas em curso e as soluções a médio e longo prazo.

O diretor-presidente da Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh), Fábio Ahnert, disse que o órgão vai apoiar toda iniciativa de recuperação de bacias. “Nós precisamos, no Espírito Santo, de um programa efetivo de revitalização de bacias. Apesar de termos elaborado os planos de ações emergenciais para cinco bacias, esse novo termo é mais direcionado à recuperação do solo e pode ajudar a aumentar a disponibilidade hídrica”.

O mesmo prevê o diretor técnico do Instituto Pacto Pelas Águas Capixabas, José Arnaldo de Alencar, que atua com ações no Sul do Espírito Santo. “Essa articulação com o Instituto Espinhaço, que atua em outros locais do país, nos deixou mais otimistas para fazer esse arranjo, trazendo a Secretaria Estadual do Meio Ambiente, que já possui, na região, um importante programa, que é o Reflorestar”, afirmou Alencar.

A diretora regional da TV Gazeta Sul, Maria Helena Vargas, destaca que a Rede Gazeta vem mostrando ao longo dos anos a deterioração das bacias hidrográficas do Sul do Estado, procurando chamar atenção da sociedade para a necessidade de recuperar e preservar os recursos naturais fundamentais para o desenvolvimento sustentável da região.

“O acordo que será celebrado na próxima quinta-feira tem como objetivo unir a sociedade civil organizada e o poder público para viabilizar um programa de intervenção na Bacia do Rio Itapemirim para que, daqui a alguns anos, possamos retornar e encontrar um cenário mais positivo, de preferência com oferta de água em maior quantidade e com mais qualidade”, pontuou Maria Helena Vargas.

Presenças

Estão confirmados para o evento o governador Renato Casagrante; o superintendente do Ministério da Agricultura, Aureliano Costa; o diretor-presidente da Agerh, Fábio Anerth; o diretor de Recursos Hídricos e Revitalização de Bacias Hidrográficas do Ministério de Desenvolvimento Regional, Renato Saraiva Ferreira; e o diretor-presidente do Instituto Espinhaço, Luiz Cláudio Oliveira; além do chefe da divisão de Engenharia em Saúde Pública da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Noel Carlos Fernandes Freire.

Ideias de sucesso serão a inspiração e apoio de peso para o desenvolvimento do termo de cooperação para a recuperação da bacia do Rio Itapemirim. O diretor-presidente do Instituto Espinhaço, Luiz Claudio Oliveira, que participará do seminário “Rio Itapemirim: Cenários, Desafios e Oportunidades para a Revitalização de sua Bacia e o Desenvolvimento Sustentável de seu Território”, na próxima quinta-feira, reforça a importância emergencial em dar início ao projeto.

“Nosso objetivo é recuperar as áreas de preservação permanente e áreas de recarga hídrica para ‘produzir’ em qualidade e quantidade água no Rio Itapemirim, em parceria com o produtor rural por adesão”, revela.

O instituto, entre outros projetos, desenvolve um trabalho tecnológico de melhoramento de mudas e sementes da Mata Atlântica e Cerrado. São cinco unidades de produção de mudas, com uma produção de seis milhões ao ano de 175 espécies nativas.

Prova do resultado positivo é seu histórico da colheita de bons frutos em reflorestamento de mata nativa em larga escala: foram mais de 70 hectares recuperados no Distrito Federal com índice de sobrevivência do plantio que chega a 90% e 2,5 mil hectares em Minas Gerais, em 61 municípios em apenas 2 anos.

“A proposta do projeto Pró-Águas Bacia Hidrográfica do Rio Itapemirim não é de substituir os programas existentes, mas cooperar com essas iniciativas para fortalecer e gerar maior escala de resultados”, conclui Luiz Cláudio Oliveira.

A partir da assinatura do termo de cooperação técnica, o instituto fará, sem custo, a programação conceitual do processo. O documento será a base para elaboração do projeto executivo, que definirá noções exatas de tempo e custo do reflorestamento. A expectativa é recuperar as áreas de preservação permanente em oito anos.

Para o presidente do Comitê da Bacia do Rio Itapemirim, Paulo Breda, o termo atende objetivos importantes já traçados. “Ele vem com importância muito grande, em primeiro lugar para atender aos anseios da sociedade quanto à questão da recomposição florestal. E, em segundo lugar, em atendimento ao plano de bacias realizado pela comitê da bacia do Rio Itapemirim. Esse programa vai, com certeza, ajudar a atender às metas de proteção de topos de morro, de nascentes, de uma maior vegetação no Rio Itapemirim”, ressaltou.

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