E jornalista e cronista

Cada vez que um artista se vai, uma morte invisível nos puxa a perna

Perder não é verbo pra se conjugar quando a derrota é definitiva e o jogo é sem revanche

Publicado em 18/07/2019 às 16h58
A morte nos puxa a perna. Crédito: Amarildo
A morte nos puxa a perna. Crédito: Amarildo

A morte, na chorosa cultura ocidental, nunca foi assunto a se adicionar aos favoritos das páginas da vida. O chavão “é a única coisa na vida da qual temos certeza” só serve pra encerrar a conversa, nunca encompridá-la. É mais apropriado esquecer feridas ainda em convalescença pra não ver emergir na lagoa o monstro da dor.

Quando morrem pessoas que amamos e fazem parte da convivência diária, a intensidade da dor aperta com mãos de ferro o coração, machuca, morremos um pouco. Mesmo quando o convívio é distante, regrado, a dor se impõe do mesmo modo na plateia dos vivos se elas nos inspiram admiração.

Perder não é verbo pra se conjugar quando a derrota é definitiva e o jogo é sem revanche. Como a morte. Se morre um artista como Wilson Nunes, que se foi esta semana, com ele se vai um pedaço enorme da cultura capixaba, uma força da natureza a menos para aconchegar nossas fraquezas. Foi sem se despedir, como se o adeus fosse demais pro que nele era desejo de vida, corpo vivo no palco dos dias.

Wilson era um dos responsáveis pelo acervo artístico deixado pelo amigo irmão Milson Henriques, outro mestre de gerações que nos deixou e sempre cutuca com vara curta a nossa saudade. Mais que o buraco da ausência física, são dois artistas (e temos tantos outros) que ao morrer levam consigo o que já anda escasso: o senso de humanidade, a imensidão de talento e a porção de generosidade que havia nesses espíritos de luz.

O que me põe aos pés da tristeza é que sem eles, as portas da mediocridade podem perder as chaves e qualquer aventureiro há de entrar na casa, ladrão de gentilezas, gatuno de liberdades. Wilson e Milson levam um pouco da minha liberdade porque comungávamos juntos esse desejo de amplidão. Quando morrem pessoas desse naipe, há uma morte invisível nos puxando a perna. O que vai junto são virtudes não mais encontradas nas prateleiras do varejo, perfumes que o olfato não alcançará no atual mercado das desumanidades.

A vaga do estado de espírito dos dois artistas não será preenchida, mas sabê-los vivos em nós, em alguma profundeza, será o bálsamo pra amaciar a saudade.

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