Gabriel Tebaldi

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Era das crises

Confira a coluna Outro Olhar deste sábado, 24 de outubro


Na Grécia antiga, enriquecendo o Tempo de Apolo estão inscritas palavras preciosas: “Conhece-te a ti mesmo”. Os sábios gregos já sabiam que o grande passo da vida consistia em descobrir-se por dentro, em essência. Só assim o homem podia ser completo. Do contrário, torna-se-ia um ser vazio, superficial e inútil.

Contrariando o esperado, a humanidade nem sempre evoluiu com o passar dos anos. Na verdade, desde os gregos, muitas mudanças representaram retrocessos sem fim. Sob o pretexto do desenvolvimento, inchamo-nos de tecnologias, otimizamos o tempo e alcançamos um nível extremo de informação. Porém, os efeitos desse “progresso” rumaram pelo caminho inverso.

O que se vive hoje é o isolamento pessoal e a violência virtual, na qual absurdos são cuspidos amparados pela fragilidade da lei. Todo tipo de ignorância, preconceito e doença encontra livre espaço, tornando as redes sociais o ninho da perversidade.

A facilidade de informação nos encheu de dados, acontecimentos e notícias que são apenas assistidas e pouco absorvidas. O livre acesso ao conhecimento não nos garantiu o saber; pelo contrário: a infinidade de conhecimento gastou nossas energias e diminuiu nossa capacidade de interesse por algo muito além de 140 caracteres.

Assim, vazios e sem conhecer a si mesmos, os indivíduos de nosso povo vivem uma era de crises. Muito além da economia ou da política, temos feridas profundas e de improvável solução, sobretudo por se tratar de um povo indisposto a reinventar-se.

Uma das marcantes crises é o descrédito das instituições. Segundo a FGV, o Congresso Nacional é a instituição de menor credibilidade com o povo, sendo seguido pelo governo federal e as emissoras de televisão. A descrença e a desconfiança são as marcas do momento, uma vez que a política tornou-se lugar de interesses particulares e certas mídias vendem a verdade por anúncios e conveniência.

As versões fabricadas dos fatos nos leva à crise cultural. Vivemos a era do efêmero, na qual músicas, artistas e até pensadores produzem conteúdo enlatado para o mercado em busca de 15 minutos de fama, curtidas e explosão instantânea. No lugar de conhecimento, reflexão e crítica, recebemos ostentação, caricaturas e apelo sexual. Assim a cultura brasileira é reduzida a meia dúzia de “famosos” e a futilidade nossa de cada dia.

Algo é certo: quem não sabe para onde ir, vai a qualquer lugar; quem não tem no que se embasar se apega a qualquer coisa. Ao ignorarmos as palavras do Templo de Apolo, abrimos as portas para a intolerância e todo tipo de preconceito, ignorância e extremismo. Aquele que não conhece a si mesmo busca encontrar-se onde quer que seja, e, curiosamente, acha no fanatismo e na cegueira intelectual fontes sedutoras.

O radicalismo político também é fruto do vazio de quem precisa de uma bandeira para se auto-afirmar. Na falta de concepções e certezas próprias, jovens e adultos lançam-se como marionetes nas massas militantes, defendendo bandidos até o fim. A intransigência é marca registrada desse atraso, desprezando o debate e personalizando o poder em quem sequer tem capacidade para governar.

Tal realidade nos leva à profunda crise intelectual do país, presente em universidades que, embora possuam verba de sobra, altos títulos docentes e todas as contas pagas pela população, ainda mantém-se distante da realidade popular. Por lá é comum ver a radicalização das opiniões calouras com um fervor que beira o fundamentalismo. Triste situação de gente vazia.

Ao resgatarmos o aforismo grego, vale lembrar Platão: “Tudo o que engana pode ser dito que encanta”. Por trás das crises institucionais, culturais e intelectuais existem uma enorme ausência de sentido e muita gente buscando seu lugar no mundo. Conhecer a nós mesmos significa não ficar à mercê de governos, tendências ou lideranças exóticas.

É assim, no silêncio da Filosofia, que se encontram os caminhos para a vida plena que se almeja. Lá, em meio às crises, Platão é contemporâneo ao definir a realidade: “A maior pena da maldade é crescer na semelhança de homens maus”.

Gabriel Tebaldi, 22 anos, é graduado em História pela Ufes

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