Gabriel Tebaldi

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Explosão de extremos

Confira a coluna Outro Olhar deste sábado, 31 de outubro


No Brasil de nossos tempos, basta uma faísca para que grandes explosões ocorram. Vivemos num barril de pólvora repleto de polêmicas para todos os gostos, sejam sociais, ideológicas, políticas ou econômicas. O radicalismo parece ser a marca registrada do século e, parafraseando a literatura de Shakespeare, andamos fazendo “muito barulho por nada”.

Era mais um dia normal de aulas na Ufes, em 2012, quando um grupo de estudantes pediu para dar um recado em minha turma. Representando o Movimento Negro, 5 ou 6 jovens posicionaram-se à frente da sala e, após cumprimentar-nos como “camaradas”, iniciaram o discurso.

Numa turma formada por mestiços, os jovens falaram da “dívida histórica que os brancos carregam no Brasil” e ainda que “no fundo, todo branco tem vontade de ter um escravo”. Após cinco minutos de jargões e proselitismo ainda não era possível saber a razão daquela fala.

Na semana passada, agora na USP, foi a vez da estudante Poliana Kamalu e seus colegas adentrarem em sala. Com xingamentos e intimidações, o recado dispensava a educação: “Pode engolir o choro. O povo é preto e vai tomar todos os espaços. Toda vez que vocês virem uma cara preta, é pra sentir medo”.

Vendo os vídeos de Poliana lembrei-me de Arthur, o líder daqueles estudantes da Ufes, em 2012. O passar do tempo em nada alterou o teor dos discursos, que chegaram à seguinte máxima: “os brancos nos devem até a alma”. Juntos, também, Poliana e Arthur esquecem que o radicalismo e o discurso de ódio nada constroem.

Mais responsável que pregar o revanchismo histórico seria envolver-se de fato na luta contra a violência, na construção de melhores condições de vida, estudo, trabalho, e lembrar que preencher espaços de poder com grupos étnicos nada resolve, pois o problema é justamente a existência de espaços de poder.

Como dito, o extremismo brasileiro é diverso a todos os públicos e até questões do Enem viraram tema de debates acalorados. De um lado, a tropa liderada por Bolsonaro e Feliciano acusavam o exame de doutrinar ideologicamente a juventude devido à fartura de textos de amparo com visões marxistas. Esqueceram, porém, de ler as questões de cunho religioso e até conservador que caíram na prova.

Do outro lado, organizações feministas vibravam com o tema “violência contra a mulher” na redação e repetiam: “Machistas não passarão”. O calor das discussões confirma que, também ali, as participantes enxergam revanchismo numa mera prova de vestibular.

Enquanto Arthur e Poliana pregam, e Bolsonaro e as feministas brigam, o povo mantém-se alheio. No mundo real, as pessoas conversam sobre suas rotinas e as dificuldades sociais práticas de todo cidadão no Brasil. Impostos, corrupção, salários, esforço, dívidas, dedicação e, principalmente, muito trabalho: essa é a rotina em pauta na vida real.

Talvez por isso a população veja com descrédito as instituições representativas no Brasil, pois muitas estão repletas de quem legisla em causa própria e está distante da vivência popular. É preciso encontrar-se com urgência com o mundo real.

Se saíssem da universidade, os estudantes veriam que a luta de etnias e o discurso de ódio só levam a caminhos recheados de conflitos. Fora dos muros da universidade não há dívida de alma ou outro jargão. É na dificuldade do dia a dia que brancos, negros e todo tipo de etnia constroem a vida, sem a necessidade de autoafirmar ideologias .

Se os discípulos da estupidez deixassem de ter Jair Bolsonaro como referência intelectual, haveria, no mínimo, um lugar reservado para o bom senso na história. Se as feministas saíssem do radicalismo e buscassem meios mais eficazes que o grito, entenderiam que nem tudo se trata de discussão de gênero. De nada adianta banalizar algo tão precioso quanto os ideais.

Assim como está hoje, a era dos extremos sairá do nada para levar-nos a lugar algum, nesse barril de pólvora é preciso aumentar o pavio da tolerância, pois, em caso de explosão, todos sairão feridos.

Gabriel Tebaldi, 22 anos, é graduado em História pela Ufes

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