Gabriel Tebaldi

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Carta ao ministro

Confira a coluna Outro Olhar deste sábado, 7 de novembro


Caro ministro Joaquim Levy,

O senhor é surpreendente. Quando seu nome foi apresentado para substituir o caricato Guido Mantega, pensei que não fosse aceitar o convite. O que Dilma lhe oferecia era um país em crise após 13 anos de desgoverno econômico e uma série de gastos suicidas para sustentar demagogia e populismo.

A proposta da presidente era dar-lhe uma economia quebrada, com bolsa de valores sempre em baixa, desemprego crescente, desaceleração industrial e recessão à porta. Considerando seu currículo, pensei que não fosse entrar nessa roubada. Foi aí que o caro ministro surpreendeu-me pela primeira vez e passou a integrar o governo mais impopular da história da Nova República.

Para um doutor em economia pela Universidade de Chicago, confesso que esperava maior discernimento. Sua experiência profissional é invejável: professor da Fundação Getúlio Vargas, vice-presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento, economista do Banco Central Europeu, chefe no Ministério do Planejamento de FHC, secretário do Tesouro Nacional com Lula, secretário da Fazenda de Sérgio Cabral e diretor-superintendente do Bradesco Asset Management. Algo era evidente: sua competência técnica era incompatível com a politicagem da gestão Dilma.

Mesmo assim o senhor lançou-se ao desafio e, como previsto, iniciou os ajustes fiscais. Nesse ponto não houve surpresa alguma. Era óbvio que as medidas seriam mal vistas pela população, afinal, ninguém gosta de pagar impostos. Contudo, o mínimo que se esperava em situações do tipo era um relacionamento respeitoso e inteligente com a população. Mas aí, caro ministro, o senhor surpreendeu pela indelicadeza, pelo deboche e pela incapacidade de comunicar-se.

Logo em janeiro, após as alterações feitas nos direitos trabalhistas, sua excelência teve a infelicidade de dizer ao Financial Times que “o seguro-desemprego é completamente ultrapassado”, propondo severas mudanças na legislação. Vale lembrar, porém, que o governo do qual participas elegeu-se jurando jamais alterar tais questões. Não seria interessante seu ministério alinhar o discurso com a presidente?

Já em fevereiro o digníssimo ministro referiu-se ao descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal como sendo uma “escorregadazinha” do governo, o qual, em suas palavras, é “responsável e comprometido” no trato com a economia. Nesse caso, parece que seu pudor técnico foi deixado de lado, uma vez que o governo registrou, em 2014, o primeiro déficit em 18 anos e gasto recorde de

R$ 1,03 trilhão. Isso significa dizer que só o governo gastou 21,3% do PIB brasileiro! O aumento dos gastos foi três vezes maior que o crescimento das receitas. Isso não lhe parece irresponsável?

Dentre as várias declarações polêmicas de seu ministério, algo rondou o segundo semestre: o deboche diante das críticas populares. Como pode um ministro de Estado afirmar que “todo mundo está disposto a pagar um pouquinho a mais de impostos”? Sabe, caro Levy, ninguém se importaria, de fato, se não tivéssemos uma das maiores cargas tributárias do planeta e o pior retorno de impostos do mundo, segundo o IBPT. Nossos serviços públicos são uma aberração e de um custo bilionário. Como pode?

Um governo que está a 13 anos no poder não pode agir com incompetência e cobrar a conta do povo, como se tudo fosse acaso. Para piorar, na última terça o senhor extrapolou quando propôs ironicamente “uma enquete para saber por que as pessoas são contra a CPMF”, alegando que os cidadãos não sabem a razão de serem contra o retrógrado imposto. Será que percebe o quão absurda é sua colocação?

Ministro, nós precisamos de segurança, não de piadas; de estabilidade, não de remendos e ajustes; de crescimento, não de deboche. Aqui entre nós, o melhor programa social de um governo é uma economia forte, crescente, com poder de compra.

Lembre-se, excelência: por trás dos números e das medidas fiscais existem pessoas e todo um povo cansado de desrespeito. Portanto, desejo que o senhor continue surpreendendo-nos, mas agora pela educação, sensibilidade e pelo indispensável bom senso.

Com carinho,

Gabriel Tebaldi, 22 anos, é graduado em História pela Ufes

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