Paulo Bonates

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Nota de falecimento

A Praça Costa Pereira morreu. Morreu a sapataria, antes bar, antes terra. Morreu a primeira lanchonete do mundo, a Sete e seus sanduíches marcianos


*Paulo Bonates

Morreu de amor a Praça Costa Pereira, não pulsa mais. Morreram os habitantes, que simplesmente iam para lá, para nada, para o Clube da Madrugada. Morreu o Carlos Gomes, não o homem, mas o teatro. Morreu Jorcel, a barbearia e sua rima Garcia, um toque de “elegância” sem o mínimo acento circunflexo. Os caldos de cana pararam de jorrar sabor e vender o mais precioso vento comestível. Sucumbiu e saiu do seu canto o derradeiro lugar popular da classe média elegante e musical.

Morreu a escadaria da Catedral, a Rua do Mijo inconfundível, e claro. Morreu a Galeria do Café endinheirado e seus donos passeando ali entre os mortais e as óticas na maior simplicidade. Morreu a sapataria, antes bar, antes terra. Morreu a primeira lanchonete do mundo, a Sete, e seus sanduíches marcianos que subiam com alunos escadinha acima para ensinar capixabês no Ibeuv. Verdade, Nalim?

Morreram os peixinhos do mar que ficavam bem no meio da praça e iam à calçada sambar sob a orquestra filarmônica do Américo Rosa, a única pessoa de cabeça boa do Britz Bar para onde ia depois de benzer a turma de O Diário, na Sete. Depois, ia para a praça.

Havia uma sapataria e uma fábrica de dourados superfacilitados. O Hotel Império de priscas eras onde estive hospedado da primeira vez que me perdi. Os estudantes iam distribuir panfletos de protesto e deixaram o lote entre o banco e o vento. Era um tal de policial disfarçado correndo atrás dos papelotes... Papelotes no mau sentido.

Os evangélicos promoviam o céu para quem quisesse. Às prostitutas, o inferno. Os católicos davam uma passada nos dois. Houve o bonde que circulava e oferecia o balaústre. Além do micro-ônibus do Délio Delmaestro que voava para a Praia do Suá.

Cadê as casas lindas e grandes, com seis quartos ali por perto ou as ladeiras que estavam na área de influência da Praça: a da Odontologia e a da Favela de Ouro?

Os pontos de encontro morreram também: “A gente se encontra no chafariz”. Não tinha erro. Até consertador de relógio se escondia do ladinho do teatro.

No centro engoliam fogo, não engolem mais. Levavam tostões, não levam mais. E o vendedor de amendoim vendendo fiado, um cruzeiro, nem um cruzado. Saiu batido está calado e amoado.

E as meninas que nem olhavam, tão bonita que ela é, cabelos lisos, camisa esporte sobre a calça Lee, com ar esnobe de quem nada quer. Lá vai ela e pensa que é mulher.

Boto a mão no peito, busco o baticum do meu coração, não acho mais. Cadê o Costa, querido Zé Costa, não acho mais.

*É psicanalista, médico e jornalista

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