Rondinelli Tomazelli

[email protected]

  • Últimas da coluna

E o parlamentarismo salvaria o Brasil?

Confira a coluna Praça Oito deste domingo em A Gazeta


O colapso político ameaçando derrubar o segundo presidente da República em pouco mais de um ano revela que, na prática, o sistema presidencialista brasileiro funciona à base de matrizes do parlamentarismo europeu. A diferença é que entramos num abismo sem fim por não dispormos das alças salvadoras que aquele sistema oferece. Em crises como a que atingiram Dilma Rousseff e seu sucessor Michel Temer, novas eleições gerais seriam convocadas, elegendo-se um novo Parlamento – que designa um primeiro-ministro capaz de estancar a sangria e administrar o país. O presidente da República seria uma espécie de poder moderador eleito pelo povo, mas quase decorativo no trono.

“Os pedidos de impeachment de Dilma Rousseff (PT) foram tão extemporâneos quanto os pedidos de impedimento feitos pelo PT quando fazia oposição ao governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Racionalizando a decisão que afastou Dilma, interpreto que os deputados leram a lei do impeachment como um voto de desconfiança e, para isso, encontraram o delito dela no caso das pedaladas ficais”, observa o cientista político Jairo Nicolau (UFRJ).

Com mais de 20 anos de estudo e radiografias de partidos, eleições e sistemas eleitorais no Brasil e no mundo, Jairo avalia que a reforma política – cobrada há anos, mas sempre engavetada ou distorcida no Congresso – deveria implementar o semiparlamentarismo. Neste caso, mantém-se o presidente da República e troca-se o premiê. “A lição institucional e política que fica para o Brasil, com a queda de Dilma, é que precisamos de uma lei que ofereça ao presidencialismo a possibilidade de afastar governos que não conseguem mais processar suas políticas”, salienta o estudioso.

Numa espécie de crise de consciência por alimentar crises recentes, como a que derrubou a ingovernável gestão Dilma num traumático impeachment, o PSDB reformula estatutos sugerindo a implantação deste modelo no Brasil. Também por reconhecer a inviabilidade do balcão de negócios do presidencialismo brasileiro, os tucanos tiram esse coelho da cartola com aval de seu novo presidente, Tasso Jereissati. Escolado e calejado em terremotos na Nova República, o senador reconhece que o Congresso também provoca crises políticas, mas nada acontece com os parlamentares: o inquilino do Planalto paga o pato sozinho.

Todavia, essa “bandeira oficial” do PSDB reinventado é vista com reservas por outros especialistas. Para o cientista político Ricardo Caldas, do núcleo de pesquisas de corrupção da Universidade de Brasília, pode passar impressão de solução casuística – mesmo que Tasso admita que o modelo não é solução para a crise atual e defenda-o como sistema definitivo a partir de 2022. “Só sou contrário a esses parlamentarismos de arremedo, quando você implanta não porque acredita nele, mas para resolver um problema imediato. Não acho que seja o caso agora, mas, para não ser, tem que ser muito bem discutido, não pode ser feito de qualquer maneira”, frisa Caldas.

Verdade, também, que o parlamentarismo pode virar um tampão, uma solução para todo problema de governabilidade. “Se você pensar nos dois processos de impeachment dentro do mesmo mandato (Dilma e Temer), o parlamentarismo teria resolvido essa crise política com menos traumas, sem gerar passivo grande. A gente teve dois extremos recentes: um impeachment e um presidente com acusações pesadas que não quer ir embora. Não sei qual é menos pior”, argumenta Caldas.

O modelo parlamentarista, de fato, escala um primeiro-ministro que pode ser destituído a qualquer momento, enquanto o presidente da República monta novo gabinete a partir de negociações com o Parlamento. Adotado brevemente no Brasil na crise que permitiu a posse do presidente João Goulart (1961), o sistema foi novamente rejeitado em plebiscito de 1993. O grande problema é deixar o país sob comando de um Congresso cada vez menos qualificado, sob domínio do baixo clero e controlado por cúpulas partidárias envolvidas até o pescoço na Lava Jato e em outros escândalos de corrupção.

Entrevista

Jairo Nicolau, cientista político (UFRJ)

"A melhor solução é o semi-presidencialismo: afasta-se o 1º ministro"

Este momento de desgoverno e de crise de representação parlamentar exige reforma da Constituição?

Nosso sistema funcionou bem até a primeira crise grave, que aconteceu logo após a Assembleia Nacional Constituinte. O país ainda estava consolidando suas instituições democráticas, após o fim da ditadura militar, quando viveu a crise econômica dos anos 1990, durante o governo Fernando Collor (que renunciou em meio ao processo de impeachment). Mas passamos dessa. Após duas décadas de democracia que funcionou muito bem, os problemas políticos mostram que, ou a lei de impedimento do presidente da República, ou o nosso sistema de governo presidencialista, precisa ter canais para processar melhor as crises.

O que o impeachment de Dilma ensinou ao país? E o que melhorou e piorou após esse processo duro?

Nosso sistema deveria incorporar um modelo semipresidencialista. Seria necessário redefinir a lei do impeachment ou implementar um sistema semipresidencialista. A derrubada de Dilma foi um “voto de desconfiança” dos parlamentares ao governo dela. Foi uma decisão parlamentarizada diante de um impasse político muito grande. Dilma não conseguia mais governar o país, e os instrumentos para vencer a crise eram o caminho da renúncia ou do impedimento. E encontraram o delito dela, que acho em alguns aspectos até grave, mas, se o país estivesse com a economia no azul, e Dilma controlando a base de sustentação, o impedimento seria evitado.

O impeachment não é adequado? Que canais seriam melhores?

A solução melhor seria o semi-presidencialismo francês ou português: afastar o primeiro-ministro. Dilma continuaria presidente e cairia o premiê, um deputado que tocasse a gestão econômica. Mas isso está muito longe de acontecer no Brasil.

Há problemas de funcionamento da nossa democracia?

Não vejo. Fico preocupado é com o enriquecimento pessoal de políticos antes admirados, com o favorecimento de seus partidos. Fico frustrado com as manobras, preocupado vendo a taxa de votos brancos e nulos e a abstenção eleitoral aumentarem muito nas grandes cidades. Fico triste de ver o PT, principal partido do país nos últimos 50 anos, passar pelo que está passando. O PT é fundamental para a democracia brasileira. Tudo isso, no computo geral, causa perplexidade. Independentemente da conclusão sobre investigações de fulano ou beltrano envolvido, fica mais ou menos óbvio isso.

Quem é Raquel Dodge

Ex-parceiro de Raquel Dodge na missão especial de combate ao crime organizado no Espírito Santo, o hoje advogado Henrique Herkenhoff é só elogios à nova procuradora-geral da República e prevê que será tão dura quanto Rodrigo Janot na condução da Lava Jato: “Raquel sempre se revelou uma mulher muito corajosa, muito comprometida com o Ministério Público, muito competente. Acho que ela vai fazer um excelente trabalho”.

Lava Jato preservada

Herkenhoff não crê em reviravoltas na Lava Jato e entende como “cautela natural” o silêncio da nova PGR antes de tomar posse, embora haja dúvidas sobre seu perfil: “Raquel tem que primeiro assumir o cargo, tomar pé das coisas. Acho que ela vai imprimir o ritmo dela, mas dando continuidade a tudo. Não estou antevendo nenhuma grande guinada, não”. Ambos mantêm relação de amizade, embora sem convívio diário.

O noivado do DEM

Presidente nacional do DEM, Agripino Maia faz ressalvas a filiações após o banho de loja da sigla: “Na medida em que dissidentes de partidos, como o PSB ou outros, procurem diálogo conosco e tenhamos aceitação plena por quem está nos Estados, o diálogo se inicia. Sem conflitos de ideias e de formulação programática, o namoro vira noivado”.

Governistas minimizam o desgaste de Hartung por estar no PMDB. “É mais fácil o ônus de ser do PMDB de Temer cair no colo de Lelo Coimbra, que é presidente regional”, avalia um palaciano.

Ver comentários