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O faro de Luciano Huck

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Na televisão, já dizia Chacrinha, nada se cria, tudo se copia. Será que na política também? Pelo menos no que se refere à ideia de lançar uma celebridade da TV e do cinema como rosto novo na política, parece que sim. Esse é, aliás, o truque mais velho do manual. Nos Estados Unidos, deu certo com Ronald Reagan, Schwarzenegger e, em 2016, com Donald Trump. No Brasil, em 1989, Silvio Santos por muito pouco não encarnou a mesma estratégia, refugando, no último momento, o salto dos programas de auditório para os debates políticos televisionados. Agora, quem parece prestes a reeditar (ou copiar) o velho truque é Luciano Huck, um candidato bastante promissor, mas que, a preço de hoje, está mais para um caldeirão de incertezas.

Um quadro no estilo “Qual é o valor dentro do envelope?” ou “O que há atrás da porta?” não existe no programa de Huck – aliás, ainda não existe, pois o marido de Angélica está aí para confirmar a máxima de Chacrinha: seus quadros mais exitosos são adaptações de outros já existentes em outros países. Mas, se o Huck potencial candidato pudesse ser definido em uma imagem, seria esta: ninguém sabe o que sairá desse envelope, ou o que a Porta da Esperança, quando aberta, revelará para o público. Ora era uma ótima surpresa, ora uma decepção.

Comecemos pela pergunta elementar quando pensamos nos pré-requisitos básicos que se imaginam em um presidente da República: Huck é um autêntico líder político? Não. É, no máximo, líder de audiência em sua faixa. Lidera algum movimento social? Representa alguma comunidade? Algum segmento da sociedade? Alguma categoria profissional? Tem histórico de lutas por alguma causa? Reúne conhecimentos específicos de macroeconomia? Entende de políticas públicas? Aliás, tem alguma noção de gestão pública? Já demonstrou habilidades políticas indispensáveis a qualquer governante? Guardadas as enormes diferenças, o Brasil elegeu, nas duas últimas campanhas, uma liderança política artificial. Vejam aonde isso nos levou.

O que se sabe efetivamente sobre Luciano Huck? Primeiramente, o óbvio: que é um apresentador de TV dos bons, simpático, carismático, voz marcante, boa presença no vídeo. Por acaso isso basta para fazer dele um grande gestor público? Acaso o torna apto para ser “O” Presidente da República? É muito pouco.

Outra faceta de Huck menos conhecida do grande público, mas igualmente importante: em paralelo ao trabalho na TV, ele também é um empresário muito bem-sucedido, com grande senso de oportunidade (em alguns casos, oportunismo mesmo), faro empreendedor e participação em múltiplos negócios bem rentáveis, que vão de hotéis a sociedade em uma grife e em uma rede de academias de ginástica a “preços populares”. Muito bem, por acaso ser um grande homem de negócios, na iniciativa privada, é o bastante para fazer dele um grande homem público, um exímio administrador dos interesses coletivos? É o bastante para podermos concluir que está pronto para liderar os destinos de toda a nação, ainda mais neste momento tão crítico e decisivo para os brasileiros? Há controvérsias.

Luciano Huck é craque em fazer negócios revestidos de uma aura de filantropia e de marketing do bem. O público deve estar atento para ver se fará o mesmo na política

Pegue-se o exemplo de João Doria. A análise do que sucedeu com o prefeito de São Paulo inspira no mínimo cautela antes de se saltar para esse tipo de conclusão. Também empresário e também apresentador de TV, Doria deitou e rolou na eleição em 2016. E parece ter achado que a missão estava concluída, quando na verdade estava apenas começando. Vendeu-se como “grande gestor”, mas ignorou que, uma vez eleito, precisava prová-lo antes de pensar em qualquer outra aspiração. Juntou frases de efeito, ações de puro marketing político – aliás, não ia varrer as ruas uma vez por semana? – e começou a percorrer o país em pré-campanha, a ponto de vir a Vila Velha receber homenagem no meio da semana, esquecendo que tinha uma cidade, a maior do país, para governar. Não deu outra: despencou nas pesquisas de avaliação.

Enfim, a esta altura, qualquer especulação acerca de uma candidatura Huck requer a máxima prudência. Cercado de um time de grandes conselheiros, ele pode até surpreender positivamente. Porém esse caldeirão pode servir a nova versão (ou cópia) de uma ideia política velha e requentada para um freguês cada vez mais exigente, que merece mais em 2018.

Verdade ou mito?

Um dos quadros que Huck ainda não importou, mas que fazem muito sucesso na TV a cabo, é o “Verdade ou Mito?”. Antes de qualquer coisa, é preciso desconstruir certo mito que começa a rodear a sua possível candidatura: a de que, se ele vier, virá simplesmente porque quer “ajudar o país”, “dar a sua contribuição”, “devolver tudo de bom que o Brasil lhe deu”. Essa é uma visão ingênua.

Caminhão recauchutado

Também é ingenuidade achar que o “desejo de ajudar o próximo” é só o que move os quadros assistencialistas que ele promove em seu show, realizando sonhos de pessoas escolhidas a dedo pela produção, cuja história de modo geral contém alto grau de dramaticidade. De novo, tudo se copia: trata-se de uma Porta da Esperança com nova fachada, um Caminhão do Faustão com nova lataria.

Faz parte do meu show

Ótimo para quem recebe a ajuda e também para o público. Mas ótimo sobretudo para quem investe nos quadros. Aquilo não é filantropia desinteressada, determinada pelo “enorme coração” do apresentador. É entretenimento com alta dose de merchandising. Não há nada errado nisso, e Huck talvez seja mesmo um grande cara. Mas, se os mesmos quadros não dessem audiência e retorno financeiro, seriam mantidos no ar? Isso é showbiz, e é assim que funciona o show.

“Fundo Huck”

De igual modo, é preciso mais clareza sobre o “Fundo Cívico para a Renovação Política”, lançado por empresários e apoiado por Huck para financiar pré-candidatos à Câmara com bolsas de até R$ 8 mil. No lançamento do projeto, citaram “movimentos inovadores” – entre eles, o MBL (?). Não existe almoço grátis. É óbvio que vão selecionar e custear os nomes identificados com as ideias dos empresários ali reunidos, para que as defendam no Congresso. De novo: não há nada errado nisso. Cada um tem o direito de bancar seus candidatos. Só não vale dizer que a motivação dos “patrocinadores” é “renovar a política brasileira”.

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