Jornalista de A Gazeta desde 2008 e colunista de Política desde 2015. Publica aqui, diariamente, informações e análises sobre os bastidores do poder no Espírito Santo

Na Assembleia, se quiserem, os fantasmas podem se divertir à vontade

Desde julho, os tais "assessores de gabinete externo" não precisam mais provar nada a ninguém. Fica valendo a palavra do deputado. E, com muita boa-fé, a gente precisa acreditar que eles trabalham de verdade

Publicado em 27/08/2019 às 19h13
Coluna Vitor Vogas - 28/08/2019. Crédito: Amarildo
Coluna Vitor Vogas - 28/08/2019. Crédito: Amarildo

Na Assembleia, mais que nunca, os fantasmas se divertem. Ou pelo menos têm o caminho liberado para se divertirem, se assim quiserem. Referimo-nos à porteira escancarada para a existência de fantasmas, na forma de “assessores externos”, vinculados aos gabinetes dos deputados estaduais. São os assessores que têm autorização para trabalhar o tempo todo fora das dependências da Assembleia, “junto às bases” dos deputados.

Ora, mas dizer que são fantasmas, ou que podem ser fantasmas, é pura ilação do colunista. Sim, é verdade. Ninguém pode provar, a priori, que eles não trabalham. Mas ninguém também pode provar, nem eles mesmos, que trabalham. E esse é exatamente o ponto: desde julho, os tais “assessores de gabinete externo” não precisam mais provar nada a ninguém.

Fica valendo a palavra do deputado. E, com muita boa-fé, a gente precisa acreditar de olhos fechados na lisura da atividade de servidores pagos com nosso dinheiro – uma atividade sobre a qual não há a menor transparência e agora, definitivamente, o menor controle interno. Então fica combinado assim.

A novela dos “assessores externos” na Assembleia é, na verdade, uma crônica de como um Poder, agindo com empenho e diligência, pode sempre tornar ainda pior o que já era muito ruim. Foi o que fizeram os deputados no dia 16 de julho, ao aprovarem o inacreditável projeto de autoria da própria Mesa Diretora, presidida por Erick Musso (Republicanos), que acabou de uma vez por todas com o já duvidoso “relatório de atividades” que esses “assessores externos” deveriam produzir e apresentar semanalmente aos respectivos chefes de gabinete.

Em vez de dar mais transparência a tais relatórios, projetar luz sobre eles, decidir publicá-los no site da Assembleia, criar outros mecanismos de controle mais modernos e confiáveis ou simplesmente acabar com essa modalidade de assessores de necessidade tão questionável, o que a Mesa Diretora decide fazer? Acabar com o relatório de atividades, o único, embora fragilíssimo, instrumento de controle que ainda existia e que ainda poderia permitir a mínima fiscalização externa (por parte do MPES, da imprensa, da sociedade em geral).

Oficializaram assim a caixa preta, tornando perfeitamente obscuro aquilo sobre o qual só pairava um filete de luz. Pioraram de vez o que já era terrivelmente ruim. Como explicar?

De uma vez por todas, ficou claro, com essa medida, que “fiscalização externa” é algo que os deputados jamais quiseram sobre o trabalho (ou não trabalho) de seus assessores de gabinete, desde que essa figura foi oficialmente instituída no Regimento Interno da Casa, em 2011.

Não é diferente na atual legislatura, nem muito menos na gestão da atual Mesa Diretora, apesar de todo o discurso oficial construído em direção contrária. E é exatamente este o detalhe que torna o último episódio praticamente um flerte com o surrealismo: aprovado sem o menor debate e sem a menor dificuldade em plenário, o projeto de resolução da Mesa beirou as raias do absurdo porque surgiu na contramão do que a própria Mesa havia indicado quatro meses antes.

No dia 26 de março, em movimento liderado por Erick Musso, os deputados chegaram a aprovar projeto de lei de autoria da mesma Mesa, batizado de “projeto da supertransparência”: ousado, o texto não só determinava a publicação dos relatórios de atividades dos assessores externos dos deputados no site da Assembleia como se debruçava sobre os outros Poderes, inclusive o MPES, exigindo que todos fizessem o mesmo.

Após incômodo geral e um princípio de crise institucional, o governador Casagrande vetou o projeto, e os deputados, antes tão ávidos em mostrar sua preocupação com a transparência nos atos dos Poderes, mudaram de repente de posição e mantiveram o veto do governo.

Aí, quando se achava que o assunto tivesse morrido e que tudo continuaria como antes (transparência mínima nos serviços dos assessores externos, com aqueles relatórios pró-forma, mas pelo menos obrigatórios), o que a Assembleia faz? Consegue se superar, extinguindo em 16 de julho a necessidade dos relatórios e regredindo em matéria de transparência, em vez de evoluir.

É um contrassenso estarrecedor e escarnecedor. E a prova definitiva de que o “projeto da supertransparência”, celebrado inicialmente até por nós neste jornal, nunca passou de um grande blefe da Assembleia para reagir contra o MPES, que então, por meio da Promotoria Cível de Vitória, vinha cobrando a publicação dos tais relatórios no site da Casa.

Mais uma vez, o discurso segue em uma direção, mas a prática vai pela outra. Em artigo publicado no dia 6 de agosto em A GAZETA, Erick Musso destacou iniciativas adotadas por sua gestão para a Assembleia ser “a casa legislativa mais transparente e a primeira totalmente digital do Brasil”. Na volta do recesso de julho, anunciou um pacote de medidas, como “a configuração da Diretoria de Controle Interno, que passa a se chamar Diretoria de Controle e Transparência e será ainda mais vigilante”. Palmas.

Mas aplausos de pé mesmo ganhará o presidente que peitar o corporativismo dos pares, enfrentar de verdade essa questão que apequena a Assembleia e fechar esse portal para fantasmas que só tem se alargado nos gabinetes. Esse presidente está para nascer. Ou talvez, se quiser mesmo fazer isso, jamais chegará à Presidência.

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