O elogio feito por Hamilton Mourão (PRTB), em visita ao Espírito Santo, ao programa Estado Presente, reforça duas percepções: 1) O vice-presidente da República, definitivamente, é um líder político muito mais aberto ao diálogo político do que Jair Bolsonaro (PSL); 2) Ao contrário do que Bolsonaro sinaliza desde a campanha, o combate à violência não tem cor ideológica. E não pode admitir demagogia.
Na última quinta, o governador Renato Casagrande (PSB) apresentou a Mourão o programa que é seu carro-chefe, desde seu governo anterior (2011-2014), na área de segurança pública. O vice-presidente afirmou que "o Espírito Santo, pela forma como vem conduzindo isso [a integração de ações e entes envolvidos no combate ao crime], é mais uma vez exemplo para o restante da federação".
É muito difícil, praticamente impossível, imaginar uma declaração como essa, sobre o programa do governo Casagrande, na boca de Jair Bolsonaro.
O Estado Presente se sustenta sobre dois pilares, isto é, dois eixos estratégicos complementares. O primeiro é o da proteção policial. O segundo, e talvez mais importante, é o da proteção social. A lógica é simples e correta: enquanto houver crime, não se pode abrir mão da ação repressiva do Estado e de uma polícia eficiente e bem equipada; mas, quanto mais o governo investir em ações preventivas nas comunidades mais vulneráveis, menos chances a violência terá de prosperar ali, logo menos necessária será a ação repressiva com o tempo.
"Ações preventivas" compreendem políticas de proteção social e de garantia ampla dos direitos básicos, especialmente para os mais jovens: saúde, moradia, cultura, esporte, educação de qualidade etc. São direitos sociais, mas também – e aí as palavrinhas tão desagradáveis aos ouvidos de Bolsonaro – são direitos humanos.
Diga-se de passagem, o eixo de proteção social do Estado Presente acaba de ser lançado pelo governo estadual, na última segunda, quatro dias após a visita e a declaração de Mourão, englobando 36 projetos a serem desenvolvidos nos territórios de atuação do programa.
Decididamente, não se assemelha em nada à visão do presidente como estratégia de enfrentamento ao crime. No plano de governo do então candidato, apresentado em 2018 ao TSE e intitulado "O Caminho da Prosperidade", há o tópico "Segurança e Combate à Corrupção".
As poucas páginas dedicadas ao tema são eivadas de "viés ideológico". Além de palavras abertas de "combate à esquerda" e associação do aumento da criminalidade com o "Foro de São Paulo", a peça traz oito propostas concretas. Estão lá "prender e deixar preso!", a redução da maioridade penal, a ampliação do "excludente de ilicitude", a reformulação do Estatuto do Desarmamento e o "redirecionamento da política de direitos humanos".
Não há uma só linha sobre qualquer política de proteção social como possível contribuição no combate à violência. Se concordasse com o que está escrito ali – logo, com Bolsonaro –, Mourão jamais poderia ter tratado como "exemplo" um programa como o Estado Presente, baseado justamente numa rede de proteção.
OS NÚMEROS
Mas o Estado Presente tem sido mesmo exitoso? A análise desapaixonada dos números não permite dúvidas: sim, tem sido, assim como o Ocupação Social, programa mantido pelo governo PH (2015-2018), com concepção semelhante.
De 2009 a 2018, a taxa de homicídios no ES por grupo de cem mil habitantes caiu a menos da metade: de 58,3 para 28,1. Já neste ano, o Estado fechou o 1º semestre com queda de 18,2% em relação ao mesmo período do ano passado. Pela primeira vez na série histórica, iniciada em 1996, o ES terminou um semestre com menos de 500 homicídios.
A propósito, o plano de governo de Bolsonaro também trazia um mapa com a variação das taxas de homicídios por Estado de 2006 a 2016. A conclusão: "Onde participantes do Foro de SP governam, sobe a criminalidade".
Os números não confirmam isso. Há erros crassos na premissa de que a explosão da violência está necessariamente associada a administrações de governantes de esquerda. O exemplo mais óbvio: o RN, um dos seis Estados onde a taxa mais subiu no período, foi governado pelo DEM e pelo PSD de 2011 a 2016. São partidos de centro-direita, que hoje inclusive cogitam se fundir com o PSDB, formando um partidão nesse campo.
O que o plano de Bolsonaro não diz: de 2006 a 2016, PE, ES e DF, três das sete unidades federadas que mais reduziram o índice, tiveram governadores de esquerda (inclusive do PSB). Casagrande é PSB até o último fio de cabelo, branco ou ruivo. Hartung nunca foi de direita e, por suas críticas a Bolsonaro, voltou a ser chamado de "comunista" por aí. Ambos conseguiram resultados no tocante à questão.
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Em julho passado, pelos números atingidos na área, secretário do ES e de Pernambuco (ambos sob governos do PSB) foram convidados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (Moro) para apresentarem seus modelos, que podem servir de base para a construção de uma política nacional de segurança.
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