> >
Transexual pode jogar com mulheres?

Transexual pode jogar com mulheres?

O caso da jogadora de vôlei transexual Tifanny, que tem despertado reações até agressivas dentro e fora de quadra sobre a permissão ou não de jogar com as mulheres, não é só um debate de gênero, mas de inclusão social

Publicado em 17 de fevereiro de 2018 às 02:33

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura
(Amarildo)

 

Muita calma nessa hora

Eduardo Oliveira | Médico, especialista em Medicina Esportiva

Vivemos um momento de transição social em várias áreas no mundo inteiro, em que as mudanças acontecem numa velocidade às vezes maior que nossa capacidade para processá-las em todas as suas complexidades. O debate sobre a presença da jogadora transexual Tifanny na Superliga Feminina de Vôlei reflete bem esse momento, com argumentos contra e a favor igualmente fortes.

Em relação às questões fisiológicas, parece inaceitável que uma pessoa com genética masculina, e que tenha passado décadas com o corpo sendo moldado principalmente pela ação hormonal da testosterona em doses elevadas, esteja competindo “de igual pra igual” com mulheres que sempre tiveram os níveis desse mesmo hormônio monitorados ao extremo.

Seria muito tranquilo se fosse só isso, porém, não podemos analisar esse caso apenas pela questão fisiológica. As próprias definições de “masculino” e “feminino” estão em constante transformação e, ao que tudo indica, caminham para uma possível neutralidade. Além disso, existem exemplos dentro do próprio esporte que indicam que é possível sim a competição entre pessoas com cargas genéticas sexuais diferentes, como no caso do biatleta Chris Mosier, que ser tornou o primeiro homem trans a fazer parte da equipe olímpica dos Estados Unidos.

Outro exemplo é o famoso jogo de tênis ocorrido em 1973, que ficou conhecido com “batalha dos sexos”, em que a tenista Billie Jean King, então com 29 anos, derrotou o tenista Bobby Riggs, com 55 anos na época. Apesar da diferença da idade, o jogo ficou marcado como uma das maiores vitórias na luta das mulheres pela igualdade de gêneros, provando que a diferença genética não impede a competição entre homens e mulheres, desde que sejam respeitadas regras que regulamentem essa disputa.

Algumas reações me chamaram a atenção, como da jogadora Tandara Alves Caixeta, que disse não concordar com a participação de Tiffany na Superliga após ter jogado apenas uma partida contra ela. A ex-jogadora Ana Paula Henkel chegou a falar do medo da perda de espaço para transexuais e de uma seleção brasileira formada apenas por elas, esquecendo que o COI e o mercado publicitário que financia o esporte profissional jamais permitiriam que isso acontecesse, afinal, se a questão fosse apenas de desempenho, teríamos somente a categoria masculina, ou uma categoria livre única, mas a verdade é que tanto para o esporte como para os patrocinadores, a identificação do publico com o atleta também é fundamental para a definição das regras das competições.

Ser taxativo sobre a participação de atletas trans em competições femininas tomando como base uma única atleta, e que por enquanto não disputou nenhma competição inteira, é no mínimo precipitado. Tenhamos calma, o COI e seus patrocinadores estão tão atentos que já no próximo dia 25 haverá uma reunião para reavaliar a participação de transexuais no esporte.

A verdade é que estamos numa época de transição, e que ainda demoraremos algum tempo até acharmos uma solução que satisfaça a todos.

Regras precisam ser revistas com urgência

Paulo Christo | Doutor cardiologista do Esporte

A contratação de uma jogadora de vôlei transgênero para competir pelo time Vôlei Bauru, de São Paulo, na Superliga de Vôlei Feminino, tem causado muita polêmica. Tiffany Pereira de Abreu tem 33 anos, nasceu do sexo masculino e se chamava Rodrigo. Rodrigo foi jogador profissional de vôlei masculino, tendo competido na Superliga de Vôlei Masculino no Brasil e por alguns times da 2ª divisão na Europa quando, em 2012, iniciou diversos tratamentos para a mudança de gênero. Estreou no início de 2017 pelo Golem Palmi da segunda divisão do vôlei feminino na Itália e, no fim do ano, fechou com o Vôlei Bauru para disputar a Superliga Feminina aqui no Brasil.

No caso de Tiffany, é preciso salientar, as regras foram devidamente cumpridas, portanto, a permissão de ela atuar como atleta profissional de voleibol feminino foi devidamente autorizada pela maior entidade que regula esse esporte no mundo, a Federação Internacional de Vôlei à qual Federação Brasileira de Vôlei. Ela preenche o critério: testosterona abaixo de 10 nanogramas/ml no sangue. Mas se ela cumpre as regras, por que tanta polêmica?

Porque seu desempenho é fora da curva em relação ao das jogadoras de vôlei que não são transgênero. Como explicar, então, que Rodrigo, que apenas atuava em times pouco expressivos, muitos de 2ª divisão nacional, agora é o maior pontuador da Superliga de Vôlei Feminino? Mesmo com sua testosterona nos limites preconizados, Tiffany é muito mais alta que as demais jogadoras e a rede feminina é mais baixa que a masculina. Mesmo que ela tenha perdido um pouco de força e potência musculares devido o processo de mudança de gênero, os seus resultados são superiores aos das melhores jogadoras, jogadoras de Seleção Brasileira. Não somente em testes de força, mas especialmente em número de pontos.

Este vídeo pode te interessar

A Sociedade Brasileira de Endocrinologia recentemente fez um posicionamento oficial: no caso de homens que se submetem a tratamentos para mudança de gênero, o efeito dos hormônios masculinos que circularam durante a infância, adolescência e idade adulta pode durar naturalmente por 10-15 anos. Portanto, fica fácil entender porque um jogador que não era destaque no masculino esteja apresentando tanta performance no vôlei feminino, mesmo com níveis de testosterona na faixa solicitada. Na minha opinião, e na de muitos outros profissionais que atuam com atletas, a regra atual não se mostra suficiente para avaliar com propriedade todas as valências físicas alteradas dos atletas transgênero e a regra necessita ser rediscutida urgentemente.

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais