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Acabar com foro reduz impunidade?

Acabar com foro reduz impunidade?

Com o foro privilegiado, questiona-se a desigualdade de tratamento dado a quem ocupa cargo que goza da prerrogativa. Uma PEC quer acabar com o benefício, mas o STF pode apenas restringi-lo. O debate está aberto

Publicado em 28 de abril de 2018 às 20:13

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Discussão sobre o foro privilegiado

DESAFORADOS

 Adriano Sant’Ana Pedra é doutor em Direito Constitucional (PUC/SP) e professor da FDV 

O foro especial por prerrogativa de função – ou foro privilegiado – diz respeito ao juiz ou tribunal competente para processar e julgar criminalmente determinadas pessoas em razão do cargo que ocupam. A nossa atual Constituição, mesmo pretendendo ser republicana, estabeleceu o foro privilegiado para milhares e milhares de autoridades, eleitas ou não.

Procura-se justificar esse tratamento especial e distinto em razão da dignidade da função exercida por certas autoridades, e para que não haja eventuais pressões exercidas pelos réus sobre os órgãos judiciais inferiores. Mas tais questões podem ser superadas com o respeito às garantias dos juízes, um sistema recursal eficiente e um controle firme que impeçam ações temerárias, com litigância de má-fé ou ainda abusos de autoridade.

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Pode-se alegar que apenas o foro é privilegiado e a mesma lei vale para todos. Mas, na prática, o que se verifica é um tratamento desigual

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O Supremo Tribunal Federal tem apontado uma tendência de firmar o entendimento de que o foro privilegiado só deve prevalecer quando o réu tiver cometido o crime durante o exercício do cargo e relacionado com este. Já é um avanço, mas apenas isso não resolve. Desde que o Supremo cancelou a súmula 394, passou a vigorar o entendimento de que a competência especial por prerrogativa de função somente se aplica enquanto o agente estiver na titularidade do cargo ou no exercício da função. Assim, eventuais mudanças na situação do réu (eleição, renúncia, nomeação a alto cargo, exoneração) modificam o foro e retardam o processo. Tal situação afeta a credibilidade do sistema penal e não pode continuar.

Enquanto isso, tramita na Câmara dos Deputados a PEC nº 333/2017, já aprovada pelo Senado. Esta proposta de emenda constitucional tem maior impacto porque prevê que apenas o presidente e o vice-presidente da República, os presidentes da Câmara, do Senado e do STF manteriam o foro privilegiado para crimes comuns. É difícil crer na sua aprovação, mas essa alteração constitucional aperfeiçoaria muito o nosso sistema penal.

Pode-se alegar que apenas o foro é privilegiado e a mesma lei vale para todos. Mas, na prática, o que se verifica é um tratamento desigual. É evidente a inadequação e a falta de estrutura das altas instâncias do Poder Judiciário para processar e julgar crimes comuns. O STF, por exemplo, gasta em média muito mais tempo para receber uma denúncia do que um juiz de primeiro grau.

No contexto brasileiro, o bom senso recomenda a extinção do foro privilegiado para crimes comuns. Somado a isso, o sistema jurídico penal precisa de eficiência e celeridade que permitam o desfecho dos processos em prazo razoável, sempre com garantias aos réus, para que não mais restem prescrições e impunidades.

FALSA SOLUÇÃO E NOVOS PROBLEMAS

 Ludgero Liberato é mestre em Direito processual pela Ufes. Advogado nas áreas criminal e eleitoral 

Nesta semana, o STF provavelmente concluirá o julgamento no qual se pretende reduzir o alcance do foro de prerrogativa de função. A decisão, contudo, não trará benefício ao combate à corrupção nem reduzirá a impunidade. Seu único efeito será reduzir a carga de trabalho do STF e do STJ. Trata-se, enfim, de decisão firmada em premissas equivocadas, feita pela via inadequada e que complicará o sistema processual.

Com efeito, a realidade brasileira da 1ª instância não é a 13ª vara federal de Curitiba. O juiz dela possui uma estrutura ímpar: adequado número de assessores, competência para um número limitado de crimes e que foi reduzida desde 2014 para que somente apreciasse feitos da Lava Jato. Além disso, dispõe de um dos melhores sistemas de processo eletrônico do país, o que reduz o tempo perdido em cartórios, o chamado “tempo morto” do processo. Ademais, a estrutura dos procuradores da Lava Jato também não é comparável com a dos promotores e procuradores que atuam pelo restante do país.

Dados estatísticos sobre o tema escondem mudanças importantes dos últimos anos. Os principais fatores que levavam à impunidade do foro deixaram de existir. Até meados dos anos 2000, exigia-se autorização do legislativo para processar um parlamentar, que raras vezes era concedida. Depois, a partir de 2009, permitiu-se aos tribunais a convocação de juízes de primeira instância para auxiliar os relatores, o que permitiu dinamismo. O resultado disso foi o aumento de condenações pelo STF e pelo STJ, a exemplo do mensalão e de outros casos.

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Os principais fatores que levavam à impunidade do foro deixaram de existir. Outro equívoco é achar que a redução do foro trará maior efetividade no combate à corrupção

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Outro equívoco é achar que a redução do foro trará maior efetividade no combate à corrupção. Desde a Ficha Limpa, o foro tornou-se grande problema aos políticos. Basta uma condenação colegiada para se estar fora da vida pública. Com o redução do foro, ganha-se mais tempo para tramitar com o processo pelas instâncias judiciárias.

Por fim, importa relembrar que embora o número de beneficiários do foro sejam elevado, grande parte dele é composto por juízes (mais de 18.000) e promotores (mais de 12.000).

Destaca-se, ainda, que a via utilizada pelo STF é equivocada. Alem de usurpar a competência do Legislativo, utiliza-se de procedimento em que não cabe a participação popular.

Em verdade, a tese proposta pelo Min. Barroso é repleta de hipóteses que permitirão longas discussões sobre a competência e, por vezes, a anulação de operações inteiras, pela inobservância do juiz natural.

Somente o debate, pela via Legislativa, é capaz de criar soluções legítimas.

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