INTERNET USADA DE MANEIRA COMPLEMENTAR
Maria Carolina Fonseca Barbosa Roseiro é presidenta da Comissão de Orientação e Fiscalização (COF) do Conselho Regional de Psicologia do Espírito Santo (CRP-ES)
No último dia 11 de maio, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) publicou a Resolução 11/2018, que regulamenta a atuação dos psicólogos por meio de tecnologias da informação e da comunicação. Entre os serviços previstos estão consultas e/ou atendimentos psicológicos para avaliação, orientação e/ou intervenção em processos individuais e grupais e processos de seleção de pessoal, assim como supervisão técnica. Além disso, o documento prevê a utilização de instrumentos psicológicos regulamentados, com normatização e padronização específica.
É preciso destacar que o Conselho Regional de Psicologia do Espírito Santo (CRP-ES) recomenda que os atendimentos em psicoterapia sejam realizados presencialmente e que as plataformas de comunicação online sejam utilizadas de maneira complementar. Vale ressaltar que essas ferramentas já fazem parte do dia a dia de muitos profissionais e a Resolução busca estabelecer regras para esse uso. Por isso, o CRP-ES e os demais conselhos regionais em todo o Brasil iniciarão debates com o objetivo de estabelecer quais tecnologias são as mais adequadas e poderão ser utilizadas para esse fim.
Além disso, os conselhos regionais definirão os critérios para o cadastramento dos profissionais que desejam prestar serviços psicológicos por meio da internet. Por isso será importante que a população capixaba entre em contato com o CRP-ES para verificar se o psicólogo possui essa autorização.
Contudo, a Resolução do CFP, que entrará em vigor 180 dias após a data da sua publicação, já apresenta algumas determinações prévias. O psicólogo deverá especificar ao seu paciente os recursos tecnológicos que serão utilizados no serviço que será prestado, sendo imprescindível o sigilo das informações.
Está proibido o atendimento on-line em situações de violação de direitos humanos ou de violência, casos de transtorno psíquico grave e risco de suicídio. Nestas situações, o psicólogo deverá encaminhar o paciente para o atendimento presencial. Quanto ao atendimento a crianças e adolescentes, é indispensável que haja autorização expressa de ao menos um dos responsáveis legais. Em relação às pessoas com deficiência, o profissional deverá respeitar as especificidades e a adequação dos métodos e instrumentos, de acordo com legislação vigente.
Como em qualquer outro tipo de atuação profissional em Psicologia, os serviços prestados devem ser realizados com qualidade e em condições de trabalho dignas com a utilização de técnicas embasadas na ciência psicológica. Os atendimentos sempre devem observar os princípios do Código de Ética Profissional do Psicólogo.
EXISTEM "CONDIÇÕES" PARA CHEGAR AO OBJETIVO
Alcione Vasconcellos é psicanalista, analista Membro da Escola Lacaniana de Psicanálise de Vitória
Diante da regularização por parte do Conselho Federal de Psicologia (CFP) das ditas terapias on-line e da crescente oferta desse tipo de serviço, também nós, psicanalistas, precisamos nos questionar se tal instrumento poderia ser utilizado pela psicanálise.
A única regra na psicanálise é a associação livre. E ela está do lado do analisando: falar o que vier à cabeça, sem censurar nada, mesmo que seja algo desagradável. Podemos argumentar que a regra fundamental da psicanálise pode muito bem ser cumprida em um tratamento on-line!
No entanto, existem condições para que uma análise chegue a seu objetivo que é a passagem do sujeito da posição de analisando para a posição de analista de seu próprio sintoma. Essas condições não devem ser elevadas artificialmente ao estatuto de regras, mas têm suas bases inscritas na economia psíquica.
Nas sessões presenciais tudo o que se passa no setting analítico é importante: se o analisando se atrasa ou se adianta, a atitude corporal com que entra na sala, seu gestual enquanto fala... Esse tempo é fundamental para estabelecer a confiança e a ligação do inconsciente do analisante com seu analista. Fico me perguntando se diante de uma pequena tela seria possível captar essa riqueza de detalhes. Como operar o desvio de olhar oferecido pelo uso do divã numa videochamada?
Outra condição é o trabalho com o tempo. A frequência das sessões, o tempo de cada sessão e o tempo do próprio tratamento é variável para cada sujeito e determinado pela própria fala do analisando, uma vez que o inconsciente é estruturado como uma linguagem. Nesse sentido, me assusta ver nos anúncios de terapias on-line a promessa de que o analisando poderá falar com seu terapeuta a hora que quiser, sem necessidade de marcar previamente horário! Já imagino o analista fazendo compras no supermercado, atendendo seu paciente ao telefone ou numa videochamada enquanto pega uma lata de atum! E sendo consumido como gotas de Rivotril às quais se lança mão, como é comum se fazer hoje em dia, infelizmente, em todo momento de ansiedade... Sem mencionar a possibilidade de a sessão ser gravada, divulgada, interrompida por falhas de conexão...
O dinheiro entra como elemento importante no manejo analítico. Mas, passaria, no atendimento on-line, a ser assepticamente depositado à distância, não passando da mão do analisante à do analista. Perda virtual de gozo?
Outra questão é como atender crianças ou sujeitos com estrutura psicótica, utilizando as tecnologias de videochamada? Sabemos o quanto o psicanalista precisa emprestar o próprio corpo nesses atendimentos. Ainda assim, alguns psicanalistas já atendem se utilizando das novas tecnologias. Precisam partilhar seus resultados com os pares nas instituições e publicações psicanalíticas, para que possamos ampliar a reflexão sobre o assunto. Resta saber se ao final, poderemos ainda chamar o que se fará on-line de psicanálise!
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