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Crianças devem ter redes sociais?

Crianças devem ter redes sociais?

Há casos em que os próprios pais incentivam a exposição dos filhos na internet. Apesar de o acesso às redes fazer parte da construção social moderna, especialistas alertam sobre uso excessivo e a presença de criminosos

Publicado em 27 de julho de 2018 às 23:55

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Crianças e a relação com as redes sociais

É PROIBIDO (NÃO) PROIBIR

Erico de Almeida Mangaravite é delegado na Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente

O mundo virou de cabeça para baixo em maio de 1968. O forte descontentamento que havia por parte da juventude francesa contra o conservadorismo daquele país explodiu quando universitários passaram a entrar em confronto com as autoridades, questionando tudo: a intervenção excessiva do Estado na Cultura, a Guerra do Vietnã, o consumismo, as instituições tradicionais.

Por conta do movimento francês e de suas ramificações mundo afora, o modelo de educação familiar que até então vigorava sofreu significativas modificações. Até então, em regra cabia à figura paterna prover o sustento financeiro da casa. Gradualmente, a preponderância da vontade paterna cedeu espaço à opinião da mulher, bem como às opiniões das crianças e adolescentes – que passaram a fazer inúmeros questionamentos.

Nesse cenário se coloca a pergunta: crianças e adolescentes podem ter livre acesso às redes sociais? Uma das redes estipulou um limite de idade de 13 anos para o cadastro de usuários, limite esse facilmente burlável haja vista que as crianças de hoje praticamente nascem com um computador nas mãos (basta olhar para o lado em qualquer restaurante frequentado por famílias para se encontrar uma menininha compenetrada em um computadorzinho colorido, ou um garotinho focado em algum celular dez vezes mais moderno que o seu).

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“Os limites começam dentro de casa. E o primeiro passo para que essa medida seja bem-sucedida é aproximar-se dos filhos e filhas”

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Logo, uma eventual proibição absoluta ao acesso provavelmente seria inócua. A curiosidade pelo que é proibido atiçaria ainda mais a vontade dos pequenos. Ademais, as redes sociais são ferramentas importantes no mundo corporativo e dominar o seu uso pode ser importante para o sucesso profissional do indivíduo. Porém, não se pode ignorar que há um mundo de maldades entremeado nessas redes. Abusadores de crianças, aliciadores de adolescentes, entre outros criminosos da pior espécie navegam sorrateiramente pelos mares virtuais em busca de vítimas.

Fazendo uso de informações disponibilizadas pelos próprios usuários – que de forma entusiasmada divulgam quem são seus artistas preferidos, seguem jogadores de futebol com penteados exóticos e informam em tempo real onde estão comendo ou assistindo ao filme do momento -, os malfeitores se aproximam de crianças e adolescentes mediante o uso de perfis falsos e estabelecendo relacionamentos por meio de uma empatia degenerada, mas eficiente.

E o que devem fazer pais e mães diante de tais perigos? Devem, sim, estabelecer limites. Não deve ser transferido à escola ou ao Estado esse papel. Os limites começam dentro de casa. E o primeiro passo para que essa medida seja bem-sucedida é aproximar-se dos filhos e filhas. O criminoso é bem-sucedido ao dominar o universo infanto-juvenil, algo que não é feito por muitos pais e mães. Tempo deve ser investido nisso. Os gostos e interesses de um adolescente não podem ser para os pais conceitos insondáveis como a tal Fórmula de Bhaskara é para muitos estudantes. Superado esse obstáculo, devem os genitores impor limites: é necessário monitorar qual tipo de informação é divulgada, com quem os filhos têm mantido contato e quais assuntos têm sido objeto de conversas virtuais. E, sobretudo, o alerta deve ser dado: há, sim, gente ruim navegando pelas redes sociais. Muita gente ruim, por sinal.

Proibir nem sempre será o caminho. Muito melhor é conscientizar. Mas, em certos casos, é proibido não proibir.

UM CANAL PARA DAR VOZ À CRIANÇA

Bianca Martins é psicóloga, mestre em Saúde Coletiva pela Unifesp e fundadora da Clínica Infans de atendimento a gestantes, bebês e famílias

As crianças têm acesso cada vez mais cedo às redes sociais. Isso é um fato. Plataformas como WhatsApp, Instagram, YouTube e Facebook determinam a idade mínima de 13 anos para que uma conta seja criada. Portanto, se crianças navegam nessas tecnologias é porque possuem tanto o consentimento dos seus pais quanto acesso a celulares, tablets e computadores.

As demandas das crianças nada mais são do que um reflexo do modo de vida de cada tempo. A infância é momento de aprender como a sociedade funciona. O mundo deve ser apresentado à criança em pequenas doses, com parcimônia. Porém, o bebê humano da atualidade já nasce interagindo com os aparelhos celulares. Aos 6 meses de vida, reproduz os movimentos de dedos no touchscreen do aparelho celular, pois observa seus pais fazendo o mesmo.

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“Há infinitos usos para as redes sociais. As famílias devem optar pelos que auxiliem na educação de seus filhos ou que encurtem distância com pessoas importantes às crianças”

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Há infinitos usos para as redes sociais. As famílias devem optar pelos que auxiliem na educação de seus filhos ou que encurtem distância com pessoas importantes às crianças, como avós, tios e primos. Recentemente, uma professora de Osasco (SP) utilizou a ferramenta para que alunos conhecessem a realidade de Myrian Rawick, jovem de 13 anos que vive em Allepo, região devastada pela guerra na Síria, e utiliza uma conta no YouTube para registrar o cotidiano.

A partir desse encontro, as crianças paulistas escreveram cartas à editora do diário de Myriam, publicado em francês, pedindo tradução para a língua portuguesa e foram atendidas. Na edição brasileira, estão anexadas as cartas dos alunos. Um exemplo da rede social de fato exercendo sua função de romper barreiras geográficas e permitir que crianças e jovens ampliem seus horizontes e possam, a partir de suas próprias vozes, falar e ser ouvidas sobre aspectos de suas vidas, identificando-se e acolhendo diferenças.

Uma outra conta interessantíssima do YouTube é a Otávio Show. Nela, Otávio, uma criança autista, e seu irmão Italo compartilham suas aventuras, dificuldades e conquistas. Nessa experiência, os estigmas são quebrados e é possível que crianças, antes confinadas apenas aos espaços domésticos, hoje possam ter suas experiências expandidas, se inscrevendo no contexto social, mesmo que de maneira virtual.

Como e o que as crianças postam em suas redes sociais são os reflexos de suas experiências em família. É função e dever dessas famílias mediar e estabelecer limites quanto ao uso de celulares, tablets e TV, observando as competências das crianças, sem nunca absterem-se do controle, principalmente do tempo de exposição.

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Que as redes sociais sejam um instrumento de ampliação do repertório de tolerância e respeito às diferenças, para além da mostração “narcísica do sou, tenho, posso”, que estimula o consumo pelo consumo. A família é quem deve moderar, instruir, limitar e proteger os conteúdos aos quais suas crianças estão expostas.

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