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Lei dos agrotóxicos: recuo ou avanço?

Lei dos agrotóxicos: recuo ou avanço?

Alterações na legislação de 1989 - que, entre outras propostas, mudam o termo para "pesticida" - tramitam na Câmara e colocam setores ligados à saúde e ao meio ambiente em oposição ao agronegócio

Publicado em 14 de julho de 2018 às 01:11

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SETOR PRODUTIVO QUER REDUZIR CUSTOS

Aline Gurgel é pesquisadora da Fiocruz/IAM; Guilherme Franco Netto é especialista da Fiocruz

Em 25 de junho de 2018 a comissão especial que analisa a proposta de mudanças na legislação brasileira sobre agrotóxicos aprovou o texto substitutivo ao Projeto de Lei (PL) no 6.299/2002 e seus apensados. O PL, que segue agora para o Plenário da Câmara dos Deputados, tem como objetivo alterar a Lei no 7.802/1989, conhecida como Lei dos Agrotóxicos.

O projeto, apresentado sob o argumento de “modernizar” a legislação atualmente vigente, busca na verdade flexibilizar o marco normativo para reduzir custos para o setor produtivo, negligenciando os impactos socioambientais a ele associados. O texto substitutivo promoverá o desmonte do sistema normativo regulatório de agrotóxicos no Brasil, considerado um dos mais modernos no que diz respeito à proteção da saúde e do ambiente, para atender aos interesses do agronegócio.

A proposta é que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) concentre poderes, assumindo papéis que são de competência dos Ministérios da Saúde (MS) e do Meio Ambiente (MMA). A designação do MAPA como único responsável pelo registro, cabendo aos órgãos de saúde e ambiente apenas a homologação as decisões, sem o poder de veto previsto na legislação atual. O problema é que o MAPA não possui a competência técnica e institucional de realizar tais análises, tampouco a infraestrutura necessária para realizar estes procedimentos, o que pode eliminar o caráter técnico e científico que deveria orientar decisões desta natureza.

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Medida representa um retrocesso para a proteção da saúde e do ambiente ao permitir o registro de produtos com o potencial de causar danos graves

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Com a aprovação do PL, passam a ser permitidos no Brasil os agrotóxicos que causem câncer, problemas hormonais, mutações no material genético, malformações no feto e danos ao aparelho reprodutivo, atualmente proibidos por força da legislação vigente. Esta medida representa um retrocesso para a proteção da saúde e do ambiente ao permitir o registro de produtos com o potencial de causar danos graves e, muitas vezes, irreversíveis, se contrapondo às medidas mais restritivas adotadas por exemplo na Comunidade Europeia, que nos últimos anos proibiu o registro de agrotóxicos que causam esses efeitos, tomando como modelo a legislação brasileira de 1989.

Os agrotóxicos também comprometem a segurança alimentar e nutricional e afetam o direito humano à alimentação saudável, sendo seu uso considerado pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) como uma das mais severas e persistentes violações brasileiras do direito humano à alimentação adequada.

Em seu conjunto, as medidas previstas no PL do Veneno vão promover uma maior contaminação ambiental e exposição humana aos agrotóxicos, representando uma ameaça à sociedade ao sobrepor os interesses econômicos aos de defesa da vida. Ao propor retrocessos de direitos socioambientais, fere a Constituição Federal, sendo inadmissível por razões técnicas, científicas e éticas.

USO DE PESTICIDAS É UMA REALIDADE MUNDIAL

Reginaldo Minaré é coordenador da área de tecnologia da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)

Recentemente, a comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou proposta que pretende instituir um novo marco legal para a produção e uso de pesticidas, produtos que constituem ferramenta importante para proteger as lavouras das pragas e das ervas daninhas e são fundamentais para garantir e melhorar a produção agrícola.

O uso de pesticidas como insumo garantidor da produção é uma realidade mundial. Para ter essa constatação, basta fazer uma pesquisa sobre o sistema de cultivo de países como Alemanha, Estados Unidos, Japão e Holanda, que são países que estão na linha de frente da inovação tecnológica mundial. Lá, igual aqui, a ciência ainda não apresentou uma alternativa disruptiva ao uso de pesticidas na produção agrícola.

Importante observar que caso surja uma inovação disruptiva para o modelo de negócio baseado na produção de pesticidas, não será agricultura e sim a indústria química que terá que se reinventar. Os agricultores incorporarão a nova tecnologia.

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Caso surja inovação disruptiva para o modelo de negócio baseado na produção de pesticidas, não será agricultura e sim a indústria química que terá que se reinventar

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Importante lembrar que desde 2005 a CNA manifesta descontentamento com o funcionamento do sistema de registro de pesticidas no Brasil. Excessivamente moroso, um registro demora de 8 a 10 anos, esse sistema não é interessante para os agricultores. No Canadá, um produto com molécula nova é registrado em até 24 meses e um similar (genérico) de 12 a 15 meses. Nos EUA, o prazo de registro para produto novo não é superior a 2 ou 3 anos, e para produto similar de 12 a 18 meses.

A morosidade, além de prejudicar a concorrência, impediu qualquer inovação empresarial. Qual investidor colocaria recursos em uma empresa que levaria no mínimo 5 anos para desenvolver um produto e após seu desenvolvimento esperar 8 ou 10 anos para obter um registro e só assim começar a recuperar o que investiu? Nenhum em hígida consciência.

Diferentemente do que falam aqueles que não leram o projeto aprovado, os artigos 5º, 6º e 7º fixam as competências para os órgãos da agricultura, meio ambiente e saúde. Nenhum órgão é afastado do processo. A avaliação de risco será realizada pelos mesmos órgãos, e avaliar esses produtos considerando a efetiva exposição ao risco constitui uma metodologia mais apropriada à avaliação científica. O projeto estabelece prazo de até 2 anos para a avaliação do registro de produto novo, mas determina que a contagem do prazo será suspensa caso qualquer dos órgãos avaliadores solicite documentos ou informações adicionais, reiniciando a partir do atendimento da exigência feita.

O registro temporário, que poderá ser concedido após o prazo de 2 anos e suas possíveis interrupções, está vinculado à exigência de que o produto em análise esteja registrado para uso similar em pelo menos três países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE. Resta claro, portanto, que critérios garantidores são contemplados e um registro temporário só ocorrerá se o poder público se apegar à morosidade que se pretende eliminar.

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