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Prisão perpétua é a solução?

Prisão perpétua é a solução?

O senador eleito Marcos do Val afirmou defender a pena para crimes hediondos como forma de conter a violência, mas será esse o melhor caminho para reduzir a criminalidade? Confira o debate

Publicado em 21 de outubro de 2018 às 01:16

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Perpetuação da iniquidade

Bruno Toledo, advogado, professor de Direitos Humanos e doutorando em Política Social pela Ufes

O Brasil enfrenta os maiores desafios de sua história contemporânea. A confluência conjuntural de sucessivas crises aliada a traços estruturais de nossa formação como nação resultou em dramas sociais sem precedentes. A violência, contudo, se apresenta como síntese dessas contradições. Por ano, são 63 mil assassinatos e mais de 60 mil estupros. A cada 2 horas, uma mulher é assassinada e, a cada 19 horas, um gay. Em 2017, 358 policiais foram mortos e 3.320 pessoas foram assassinadas pela polícia.

Diante dessa tragédia, o que temos feito é responder equivocadamente com uma política de aprisionamento em massa de jovens pobres e negros. Em 10 anos, o país dobrou o número de presos e já soma hoje impressionantes 726 mil, superlotando desumanos presídios onde faltam 350 mil vagas.

Esse aprisionamento tem provocado um efeito inverso do pretendido: quanto mais se prende, mais violento o Brasil se torna. Alheio a isso, o que há de mais velho na política criminal se fantasia de grande novidade ao propor a ultrapassada prisão perpétua.

O crime nasce do seio das relações sociais, e é nesse âmbito que temos o dever ético de enfrentá-lo. Expurgar pessoas não expiará nossos pecados coletivos, mas transformará justiça em vingança e o Estado em vil justiceiro.

A violência é demais complexa para respostas tão simplistas como a reedição da anti-humana e inconstitucional pena perpétua. Se a preocupação fosse de fato o enfrentamento da violência, então, antes de se pensar em prender mais, deveria se pensar no abismo de desigualdades deste país, na ausência de prevenção e inteligência, na desvalorização e degeneração de grande parte das corporações policiais, na impunidade seletiva, nos vícios da justiça, nas armas de fogo em circulação, no crime organizado e enraizado no poder público e na falência do sistema prisional.

Em certa medida este país já tem a sua pena perpétua ao aprisionar milhares no limbo da indigência humana da não-cidadania, da miséria, da fome, do desemprego, do analfabetismo e da total ausência de justiça. Não se deixa de cometer crimes em grande escala simplesmente em função da pena hipoteticamente aplicada, mas talvez se deixe quando o país se tornar mais justo e igualitário, onde todos tenham a certeza de que serão igualmente alcançados pela lei. Afinal, do que adiantará prisão perpétua para negros e pobres, enquanto a alguns privilegiados não se permitirá 24 horas de prisão provisória?

É assim que a prisão perpétua se apresenta não como uma medida eficaz de controle do crime, mas como verdadeiro instrumento de perpetuação de iniquidades, além de ser a contundente confissão de nossa falência ética enquanto sociedade ao negarmos ao homem a possibilidade de ressignificar a própria existência.

Mudança não é do dia para a noite

Marcos do Val, senador eleito

A nossa Constituição hoje proíbe penas “em caráter perpétuo”. Eu defendo a adoção da prisão perpétua para crimes hediondos porque entendo que seja uma medida de segurança para a sociedade, uma resposta para os crimes graves que só se explicam por um problema no discernimento, muito além de causas sociais, que pode ser impossível de se solucionar ou ao menos muito mais difícil do que nos demais casos, em que a ressocialização é uma meta razoável.

Nos limites da Constituição de hoje, podemos procurar uma transigência, algo que existe em vários países em que há a pena perpétua, mas admite condicional ou anistia após um período, o que eliminaria o caráter perpétuo, assim como hoje ele já é, eliminado pela restrição no Código Penal a penas de 30 anos, ou aumentar esse número. O que precisa mudar, contudo, não é só a lei penal, não dá para simplesmente colocar em um sistema carcerário superlotado, desumano, condenados que ficarão lá por décadas.

Em nossas cadeias as facções continuam fazendo sua parte no crime organizado e jovens se tornam criminosos profissionais, em uma espécie de “escola do crime”, sem o tratamento adequado e diferenciado conforme a lesividade do crime praticado e a natureza reincidente ou não. E ainda há o grave problema do gigantesco número de presos temporários, que nem sequer foram julgados. Para que isso seja resolvido é preciso atuar tanto na infraestrutura do sistema prisional, como na reforma da segurança, tornando o sistema mais eficiente. Penas somente conforme a lei determina, então poderemos ter uma aplicação mais severa quando é necessário, isto é, nos crimes hediondos.

Essa mudança não é do dia para a noite e passa pelo investimento no sistema prisional, o que para muitos políticos é um tabu: dizem que precisamos mesmo é de escolas e de pleno emprego. Ocorre que em países mais desenvolvidos, como os Estados Unidos, há emprego até mesmo para os muitos imigrantes e há acesso a educação de qualidade, mesmo assim há ainda muitos crimes e demanda por presídios. O que ocorre por lá é que a impunidade é menor, a lei é rígida e há a prisão perpétua nos casos mais graves.

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O Espírito Santo sofre com isso, assim como outros Estados. Se pretendemos elevar a qualidade da nossa segurança pública, precisamos de um sistema carcerário adequado, para não gerar nem crueldade incompatível com a nossa lei e moral, nem agravar o problema do crime organizado, do risco de rebeliões e outros elementos caóticos que têm se exibido nas prisões brasileiras. Precisamos disso para ter uma sociedade segura, que entendemos ser a base para conseguirmos mais investimentos, mais paz e mais qualidade de vida. Porque bandido bom não é bandido morto, é bandido preso, julgado e condenado.

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