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Servidores devem receber abono?

Servidores devem receber abono?

Administrações estaduais e municipais costumam pagar benefício no fim do ano como forma de valorizar funcionalismo, mas alguns especialistas criticam a concessão de privilégio ao setor público

Publicado em 2 de dezembro de 2018 às 00:17

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Bônus responsáveis trazem benefícios

 Fernando Galdi | Doutor em Ciências Contábeis e professor da Fucape 

O abono salarial de servidores públicos representa uma complementação de remuneração e se constitui em uma importante ferramenta de gestão quando utilizado de maneira responsável, pois premia o esforço empreendido pelos funcionários públicos ao longo de um exercício sem onerar de maneira permanente a folha de pagamentos do governo.

O abono funciona como uma espécie de bônus e deve ser pago quando a saúde financeira do ente público permite e quando não prejudica os investimentos essenciais em educação, saúde e segurança. Assim, abonos responsáveis são bem-vindos, contudo abonos irresponsáveis não devem ser tolerados.

Abonos irresponsáveis são aqueles feitos de maneira populista, sem o devido equilíbrio financeiro das contas do governo e retiram, portanto, recursos de áreas sensíveis para a qualidade de vida da população. Por outro lado, abonos responsáveis são aqueles feitos em situações onde as contas do governo estão saneadas, quando os investimentos em saúde, educação e segurança têm sido realizados de maneira satisfatória e quando o desempenho do funcionalismo é considerado adequado pela população.

O abono ainda é realizado de maneira equitativa entre todos os servidores (o mesmo valor é pago para todos), mas o ideal seria a possibilidade de ele ser concedido para cada funcionário público em função de seu desempenho, como normalmente é feito nas empresas privadas. Infelizmente, ainda estamos longe dessa realidade no setor público. De toda maneira, a característica transitória do abono desempenha um papel duplo, pois incentiva o funcionalismo público sem comprometer futuramente os recursos do governo.

Recentemente, o governo do Espírito Santo anunciou um abono salarial de R$ 1.500 aos servidores do Estado, incluindo funcionários efetivos, comissionados, inativos e pensionistas do Executivo, Legislativo, Judiciário, Tribunal de Contas, Ministério Público e Defensoria. Esse abono beneficiará cerca de 90 mil servidores (ativos e inativos) a um custo de R$ 135 milhões para os cofres do Estado.

Contudo o abono foi feito em um ambiente no qual o Espírito Santo é o único Estado do Brasil a obter nota máxima pelo Tesouro Nacional, demonstrando o equilíbrio de suas contas, e dentro de um contexto de resultados recentes positivos de investimentos em educação e saúde. Assim, pode-se dizer que, quando as contas estão em dia, o uso do abono é uma interessante ferramenta para aliviar a pressão por aumento salarial, premiando o esforço dos servidores sem comprometer o equilíbrio fiscal do governo e os serviços à população. O abono responsável premia o presente sem comprometer o futuro.

Uma (cara) imoralidade paga pela sociedade

Luan Sperandio | Analista político e vice-presidente da Federação Capixaba de Jovens Empreendedores

Justifica-se o abono salarial de final de ano para os servidores públicos como uma forma de “proporcionar um Natal com melhores condições financeiras”, afinal “as comemorações natalinas fazem parte de nossa cultura”.

Todavia, a narrativa que geralmente fundamenta a concessão desse privilégio – a de que beneficia principalmente profissionais de menor renda e de áreas que possuem maior estima popular, como educadores e profissionais da saúde, não se sustenta. A casta do funcionalismo, os que possuem renda superior a 99% dos brasileiros, será igualmente beneficiária. Também se estende aos inativos, que já prestaram suas contribuições ao Estado, mas que atualmente não atuam na administração, e aos pensionistas.

Embora esse abono não seja uma invenção capixaba, trata-se de um pagamento incomum no restante do país. Por aqui o funcionalismo é organizado e, ao final de todos os anos, faz lobby em busca de “algum extra”, quase sempre com sucesso. Quando a nova realidade orçamentária a partir de 2015 não permitiu dá-lo, fizeram protestos – a exemplo do que se viu mais notadamente na Prefeitura de Vitória e no Palácio Anchieta.

E, mesmo em meio ao festival de privilégios que assola o Brasil, o abono trata-se de um especialmente caro – moral e economicamente. Apenas no Poder Executivo, o impacto financeiro dele será de cerca de R$ 134 milhões. A cifra é semelhante a todo o superávit fiscal do ano de 2016, obtido com muita dificuldade em um cenário de queda de 12,2% do PIB estadual naquele período. Trata-se de uma irresponsabilidade fiscal no apagar das luzes de um governo cuja marca foi, justamente, a responsabilidade fiscal.

Considerando que a carga tributária média que incide sobre a renda de um trabalhador de salário mínimo é de 53,9%, segundo o Ipea, todos os impostos pagos no último mês por cerca de 285 mil capixabas serão utilizados integralmente no intuito de beneficiar cerca de 90 mil burocratas.

Não há meias palavras para isso: é imoral tirar do Natal dos capixabas mais pobres a fim de se favorecer o funcionalismo. Essa é a consequência prática do abono, e não deveria ser tolerada sob nenhuma circunstância.

Não é como se os servidores já não tivessem privilégios. Além da estabilidade e penduricalhos pagos a alguns cargos, conforme demonstrado em estudo conduzido por Naércio Menezes, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, um funcionário estadual recebe, em média, quase um terço a mais que o salário pago pela iniciativa privada para cargo equivalente.

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Servidores têm, por finalidade, prestar serviços à população, e não se servirem dos tributos pagos por ela. Se as contas públicas estão em dia, que se reduza a carga tributária e que esses valores sejam devolvidos como presente de final de ano a quem são de direito: aos pagadores de impostos.

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