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Decisão de acabar com horário de verão no país foi acertada?

Decisão de acabar com horário de verão no país foi acertada?

O presidente Jair Bolsonaro assinou decreto que extinguiu a medida, aplicada sem interrupção por 35 anos. Especialistas em política energética se posicionam sobre a mudança

Publicado em 25 de abril de 2019 às 20:13

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(Amarildo)

 

Política energética não é necessária atualmente

Nivalde de Castro é professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico- Gesel

Luana Carolina Alves da Costa é pesquisadora da Gesel.

O horário de verão vem sendo adotado de forma ininterrupta desde 1984, tendo sua origem em 1931 no governo Vargas. O seu principal objetivo é aproveitar ao máximo a luz solar no verão, reduzindo assim a demanda de eletricidade. É uma medida simples e objetiva, que permite adiar por mais uma hora o consumo de energia elétrica, por exemplo, das lâmpadas das casas e da iluminação pública.

O adiamento e a consequente redução do consumo de energia elétrica têm um duplo efeito. Em primeiro possibilita uma muito pequena redução dos gastos dos consumidores. E o segundo é o mais importante, pois ocorre uma diminuição em nível nacional do consumo de energia elétrica justamente no horário em que o consumo é muito elevado. Neste período que vai, em média, das 18h às 20h, chamado horário de pico da demanda, o sistema elétrico tem que ter condições de atender à demanda, pois caso contrário haverá cortes de energia, apagões.

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É um instrumento de política energética adotado no Brasil quando a demanda e a capacidade de oferta da energia elétrica estão muito próximas

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Com o horário de verão pode-se assim diminuir a necessidade de investimentos em novas usinas gerados e linhas de transmissão de energia elétrica para atender este período de horário crítico. Trata-se assim, de um instrumento de política energética adotado no Brasil quando a demanda e a capacidade de oferta da energia elétrica estão muito próximas.

O governo, através do Ministério de Minas e Energia (MME), acabou com o horário de verão baseado na análise de que a demanda e a oferta de energia elétrica não correm riscos de desequilíbrios.

Pelo lado da demanda, o consumo de energia vem crescendo bem abaixo do estimado, devido ao atual cenário da maior recessão da economia brasileira das últimas décadas. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) constatou que o consumo de eletricidade no Brasil entre 2013 e 2018 cresceu somente 1,1% ao ano, quando as projeções feitas em 2013 era de crescimento no entorno de 4,0%.

Pelo lado da oferta, ou seja, a capacidade de geração de energia elétrica vinculada ao somatório de todas as usinas hidroelétricas, termoelétricas, eólicas, biomassa, etc, tem crescido muito mais, em função da realização de leilões com regras e marco regulatório consistentes e seguros juridicamente. Os dados da agência regulado do setor – ANEEL- indicam que de 2013 até 2017 a capacidade de geração de energia elétrica cresceu cerca de 6%, bem acima da demanda.

Nestes termos, e a título de conclusão, pode-se afirmar que o horário de verão não se faz necessário e presente atualmente, o que justifica tecnicamente a decisão do governo. E, merece ser destacado que nada impedirá, no caso da demanda de energia elétrica voltar a crescer com a tão esperada retomada do crescimento econômico, o MME voltar a adotar o horário de verão.

Toda economia obtida é bem-vinda

Ivo Leandro Dorileo é presidente da Sociedade Brasileira de Planejamento Energético (SBPE)

A questão do horário de verão merece uma avaliação distinta a respeito de sua efetividade no contexto atual. A medida foi criada para minimizar a demanda no horário de ponta (quando é muito mais alta que nos outros horários do dia). O setor elétrico passou por algumas mudanças que marcaram sua evolução histórica. Construímos um sistema hidrotérmico, com grandes reservatórios, por décadas, garantindo a singularidade da matriz elétrica, basicamente hidrelétrica. Esse modelo de geração constituiu o principal elemento que impulsionou as atuais políticas energéticas e de recursos hídricos a partir dos anos 80, quando se intensificaram as atenções em torno dos usos múltiplos das águas dos reservatórios.

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O horário de verão tem compensações positivas, como preservar os níveis dos reservatórios e moderar a necessidade de geração térmica

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Esse processo está em curso na busca de sua consolidação como instrumento de gestão, mas ainda com diversas imperfeições a serem devidamente corrigidas. Hoje, os dados concretos são o total esgotamento da capacidade reguladora plurianual, desde setembro de 2012, e a incorporação das usinas térmicas convencionais, pensadas como backup do sistema hidrelétrico, como energia de base a partir daquele marco temporal.

Como primeiro sinal, naquele ano, a energia armazenada nas regiões Sudeste e Centro-Oeste caiu 26,73% em relação a 2011 chegando a preocupantes 45,68% em novembro. O Sistema Interligado Nacional (SIN) reagiu e aumentou a geração térmica convencional, com custos elevados. O Operador Nacional do Sistema (ONS) passou a adotar postura reativa como padrão e o uso intensivo da geração térmica convencional passou a ser cada vez mais a tônica da resposta do sistema operacional, com pequenas variações e apelos às limitadas opções de transferências inter-regionais, pois as demais regiões também foram impactadas pelo regime hidrológico atípico, em particular a Região Nordeste. O regime hidrológico de 2013 piora e se agrava em 2014, reduzindo drasticamente o volume dos reservatórios nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, chegando à situação crítica dos dias atuais, com preços altos da energia e bandeiras tarifárias.

O problema envolve, portanto, toda a particularidade de nosso sistema elétrico, que, na sua essência, evidentemente, só existe para prestar serviço e dar resposta ao cidadão consumidor, que deseja e, por força de lei, deve usufruir de tarifas módicas, garantia de fornecimento e serviços de qualidade. Nesse aspecto, o horário de verão tem suas compensações positivas, como viabilizar o acúmulo de volume adicional de água nos reservatórios em vista da redução do consumo energético, moderar a necessidade de geração térmica para atendimento à ponta e manter a segurança operativa e ganhos referentes ao custo evitado para contornar riscos em equipamentos em regime normal de operação, além de aliviar troncos de transmissão, flexibilizar a manutenção e diminuir cortes de carga em emergência.

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De acordo com os resultados do ONS, no ciclo 2017/2018 houve economia de 2.896 MW, com redução de 3,3% na demanda noturna no subsistema Sudeste e Centro-Oeste e de 3,43% no subsistema Sul, revelando efetividade do horário de verão. Com as necessárias revisões na metodologia, nos critérios para o SIN, na medida e seus efeitos, toda a economia obtida é bem-vinda, sem perder de vista o bem-estar do cidadão.

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