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Imposto sindical pode ser descontado no contracheque?

Imposto sindical pode ser descontado no contracheque?

Governo Bolsonaro editou medida provisória que acabou com o desconto da contribuição sindical na folha de pagamento, obrigando sindicatos a enviarem boletos aos trabalhadores interessados

Publicado em 13 de abril de 2019 às 01:56

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(Arabson)

 

Ataque inaceitável à legítima representação

Anabela Galvão é advogada e vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Espírito Santo (OAB-ES)

 A medida provisória 873, editada pelo governo federal no início do mês de março, criando novas dificuldades para o financiamento das entidades sindicais, acende um importante alerta no país. Após análise profunda sobre as novas regras, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil entrou com ação no Supremo Tribunal Federal, apontando inconstitucionalidade. Com a MP, o recolhimento anual da contribuição sindical - com valor referente a um dia de trabalho -, deixa de ocorrer na folha de pagamento e passa a ser efetuado através de boleto bancário (diretamente na conta do sindicato), enviado para os endereços residenciais dos trabalhadores, ou, se inviável, para a sede da empresa à qual estão vinculados. O envio dessa correspondência teria que ser autorizado previamente, por escrito, de forma individual, pelo empregado.

Irresponsável, a medida ameaça desequilibrar totalmente a organização sindical, que já enfrenta dificuldades para se manter. Segundo dados oficiais, o atual volume de contribuições é 90% menor do que o de 2017, quando uma lei federal retirou a obrigatoriedade da contribuição e condicionou o pagamento à autorização prévia e expressa do trabalhador. A mudança da regra da CLT provocou uma queda brutal nas receitas e fez as entidades entrarem com milhares de ações no Supremo Tribunal Federal (STF). Os argumentos não foram acolhidos pelos ministros.

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Ainda que a antiga redação da CLT sofresse inúmeras críticas, não se pode aceitar que uma nova MP venha a inviabilizar completamente a atividade sindical

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Agora, ao editar a Medida Provisória 873, o governo federal pretende criar restrições ainda maiores ao pagamento das contribuições. Ainda que a antiga redação da CLT sofresse inúmeras críticas, porque criava um sistema de arrecadação independente da vontade do trabalhador ou da atuação efetiva do sindicato, não se pode aceitar que uma nova MP venha a inviabilizar completamente a atividade sindical, tão importante para o equilíbrio de forças em uma democracia.

Entre outras entidades, o Conselho Federal da OAB ingressou com a ADIN 6.908, apontando vários pontos que ferem a liberdade e a autonomia sindicais (artigos 8º, incisos I, III e IV e artigo 37, VI), mostrando ser uma medida carente de equilíbrio e razoabilidade, além de prejudicar milhares de advogados que assessoram sindicatos de empregados ou empregadores.

Os erros dessas entidades representativas merecem críticas, inclusive quanto à existência de um só sindicato por categoria (a unicidade sindical, contrariando a Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, diversamente dos países desenvolvidos), mas, ao nosso ver, esta MP restringe de forma inaceitável o acesso dos sindicatos a uma fonte importante de recursos financeiros, devendo ser liminarmente rejeitada, seja pelo Congresso Nacional, ao votar a MP, seja pela Suprema Corte, ao decidir a ADIN 6.908.

Em consonância com a Constituição

Isabela de Araujo Saar é advogada, pós-graduada em Direito Individual e Processual do Trabalho pela FDV e mestranda em Direito Processual pela Ufes

A medida provisória 873 de 2019, publicada em 1º de março do corrente ano, veio ratificar o preceito legal já estabelecido pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467 de 2017) acerca da natureza facultativa da contribuição sindical (tanto para empregadores como para empregados), vedando expressamente o desconto em folha de pagamento. Nota-se que a ausência de obrigatoriedade no pagamento da contribuição já havia sido instituída pela Reforma Trabalhista, tendo sido apenas estabelecida a necessidade de autorização, de forma individual, expressa e por escrito, mediante pagamento por boleto bancário.

A mudança ocorreu, originalmente, em virtude do descompasso entre os interesses dos trabalhadores/empregadores e parte dos representantes sindicais, vez que a obrigatoriedade da contribuição sindical, com o devido respeito, possibilitava a criação de sindicatos que não possuíam relevância para a categoria representada.

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A partir das alterações legislativas, os sindicatos precisarão se reinventar para que os empregados e empregadores se sintam realmente representados

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Em ambas as alterações, não houve extinção do direito da contribuição sindical. Pelo contrário, aos verdadeiros interessados (empregado e empregador) foi dada ampla e irrestrita legitimidade para decidir sobre o direito de filiação perante determinado sindicato patronal e de classe. A partir das alterações legislativas, os sindicatos precisarão se reinventar para que os empregados e empregadores se sintam realmente representados e percebam a relevância dos sindicatos, que possuem papel fundamental na construção de uma relação trabalhista livre, justa e equilibrada.

Assim, entende-se que a medida, que altera os dispositivos legais previstos na Consolidação das Leis do Trabalho, a partir de seu artigo 578, está em perfeita consonância com os preceitos da Carta Magna, inexistindo qualquer inconstitucionalidade. Isso porque, não se pode, em nome do direito constitucional de liberdade sindical, esculpido no artigo 8º da Constituição da República Federativa do Brasil, anular o direito de escolha de ambas as partes. Aliás, o empregado, por ser parte hipossuficiente na cadeia empregatícia, ainda se via vinculado ao empregador no momento de repasse da contribuição sindical, o que certamente dificultava a opção de recusa.

A continuidade do desconto em folha de pagamento apenas perpetua a ausência de poder do empregado para a tomada de decisão, além de onerar a Empresa, que atuava tão somente como intermediadora, sem qualquer benefício.

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Por fim, vale lembrar o preceito constitucional previsto no artigo 5º, inciso II, da Constituição da República, de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei. Desta forma, tanto a Lei 13.467 de 2017 quanto a Medida Provisória 873 de 2019 estão, em última instância, respaldadas pelo princípio da legalidade, de modo que qualquer disposição em sentido contrário incorrerá em ofensa direta à Constituição.

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