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Lei para policial que mata em serviço deve ser mais branda?

Lei para policial que mata em serviço deve ser mais branda?

Lei Anticrime de Sergio Moro permite que juízes reduzam ou até anulem a pena se considerarem que "o excesso decorrer de medo ou violenta emoção". Mas proposta não é consenso

Publicado em 20 de abril de 2019 às 22:51

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Policiais expostos ao limite físico e mental

Jackson Eugênio Silote é presidente da Associação dos Cabos e Soldados da Polícia Militar e Bombeiro Militar do ES, formado em Administração e pós-graduado em Gestão e Segurança Pública

Antes de entrar no mérito das propostas no “pacote anticrime” proposto pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, precisamos saber que nos últimos 11 anos, cerca de 553 mil pessoas foram assassinadas no país, sendo em 2016 mais de 60 mil mortes. Outra informação é que 371 policiais perderam suas vidas apenas em 2017.

Desta forma, não restam dúvidas de que é grande o número de mortes no Brasil, sendo também grande número de mortes de agentes do Estado (policiais). E um fator que contribui para o excessivo número de mortes de agentes do Estado é o medo de responder uma ação penal por ter que se defender usando de força necessária de forma a evitar um crime, mesmo que saiba ser necessária.

Diante deste cenário de guerra que o país vive diariamente, os policiais acabam sendo expostos ao limite de sua capacidade física e mental, devido a uma carga excessiva de trabalho e responsabilidade, pois não bastasse a responsabilidade que o policial tem de manter a ordem pública (mesmo com o risco da própria vida), o mesmo ordenamento jurídico que o obriga a intervir em uma situação de crise social o acaba punindo caso tenha que usar de força para evitar um crime.

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Sobram responsabilidades para o agente, mas falta o devido amparo do Estado para que o policial possa de fator exercer sua função sem o risco

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As propostas trazidas pelo “pacote anticrime” buscam exatamente equilibrar um pouco essa balança, de modo a garantir ao policial que em caso de necessário uso de força, o mesmo venha a estar amparado legalmente em sua ação, já que o profissional tem o dever legal de agir.

Ao ampliar os atos abarcados pela legítima defesa previsto no Código Penal, o Estado amplia o direito do cidadão de ter sua vida preservada quando ameaçada, não sendo necessário que já tenha de fato ocorrida a injusta agressão, sendo desta forma mais eficaz a preservação da vida daqueles que são indevidamente agredidos. Ampliar o direito do cidadão de se defender acaba também permitindo que o policial use da força necessária para impedir que aquela crime se efetive, podendo assim da melhor forma preservar e salvar vidas inocentes.

Em decorrência de uma série de fatores, tanto emocionais como físicos, pode ser necessário o uso de mais força para se buscar evitar um mal maior, sendo este excesso não amparado pelas excludentes de ilicitude, o que acaba por punir aquele profissional, que mesmo sem sua intenção em exceder, fez o seu melhor para exercer o seu mister. Por isso, é oportuno também a proposta de mitigar esse excesso punível, evitando que algo maior venha a punir o agente que buscou agir da melhor forma que lhe era possível.

Uma coisa é certa: sobram responsabilidades para o agente, mas falta o devido amparo do Estado para que o policial possa de fato exercer sua função sem o risco de responder por aquilo que lhe é obrigado a realizar em favor da sociedade.

Excludente de ilicitude em prática indesejada

Renzo Gama Soares é defensor público e professor universitário

Limite. Essa palavra é muito importante em vários contextos, especialmente quando são criadas regras para alguma coisa. Até porque a essência das regras é que elas fixam limites para condutas indesejadas. No Direito, onde regras são essenciais, o ramo em que essa limitação de condutas é mais relevante é no Direito Penal, que é a área mais limitadora do Direito, pois pode cercear um dos bens mais preciosos para o ser humano: a liberdade.

O Direito Penal define crime como fato típico, ilícito e culpável. Sem entrar em detalhes, fato típico é a conduta prevista na lei como crime (por exemplo, “matar alguém”). Em regra, todo fato típico é naturalmente ilícito, senão não teria sido descrito pela lei como crime. Entretanto, essa regra comporta exceções, que excluem a ilicitude da conduta descrita como crime e por isso são chamadas de excludentes de ilicitude.

Por exemplo, a lei permite que você mate alguém que esteja tentando te matar. É o que conhecemos por legítima defesa. É crime quebrar alguma coisa de alguém por querer (art. 163 do Código Penal), mas um bombeiro pode quebrar o carro de alguém para salvar uma pessoa que esteja passando mal lá dentro. É o que chamamos de estrito cumprimento do dever legal. Estas são algumas excludentes de ilicitude.

Como se observa, a excludente de ilicitude permite que se pratique uma conduta que, em regra, é indesejada socialmente. Não se deseja que todos saiam quebrando tudo de todo mundo. Não se deseja que as pessoas saiam matando uns aos outros. Mas em determinadas circunstâncias muito limitadas, por específicas e excepcionais, essas condutas não são ilícitas (portanto, não são criminosas).

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Em relação a pessoas que trabalham armadas, o que se espera é que elas sejam treinadas para lidar com situações, como surpresa, medo e violenta emoção

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O Projeto de Lei 882/2019, prevê alguma flexibilização dos limites de aplicação das excludentes de ilicitude. Algumas dessas alterações, que alteram o art. 23 do Código Penal, dirigem-se a qualquer pessoa (não apenas aos policiais, como vem repetindo pessoas que não conhecem o projeto) que alegue uma das excludentes de ilicitude como tese de defesa e que tenha se excedido por “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.

Essa alteração legitima, por exemplo, a conduta do segurança que, recentemente, matou asfixiado, depois de vários minutos de enforcamento, uma pessoa em um supermercado no Rio de Janeiro, pois teria agido por legítima defesa mas se excedeu por “medo” ou por estar sob “violenta emoção”.

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Em relação a pessoas que trabalham armadas, o que se espera é que essas pessoas sejam incansavelmente treinadas para lidar com situações, como surpresa, medo e violenta emoção, já que são inerentes à profissão que escolheram e que permite que elas andem armadas. Você sabe quantas vezes por semana (ou por mês ou por ano) a polícia, Militar ou Civil, faz treinamento de tiro com seus policiais? E outro tipo de treinamento? Ou avaliação psicotécnica? Vale a pena perguntar na próxima vez que você encontrar com algum.

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